• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES

2. A CONSTRUÇÃO DE TAIPA E A SUA CONSERVAÇÃO

2.2. A TERRA COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

2.2.3. Modos de utilização da terra

De acordo com o diagrama estabelecido pelo CRATerre em 1986 (Houben e Guillaud 2006), existem três tipos fundamentais de sistemas, enquadrando dezoito sistemas construtivos, a maior parte de génese tradicional, Figura 2.2:

(i) sistemas monolíticos, como a taipa;

(ii) sistemas de alvenaria, de adobe e blocos de terra comprimida, por exemplo;

(iii) sistemas de enchimento ou revestimento, em que a terra não tem função estrutural como o tabique. Julga-se pertinente, a estas três famílias de sistemas acrescentar uma quarta família, que se considera também muito relevante, constituída pelos sistemas de ligação. Estes tipos de sistemas referem-se à utilização da terra em argamassas de assentamento de blocos de alvenaria, como o adobe, ou as argamassas de reparação.

Dos vários métodos tradicionais de construção com terra crua, existem dois que se destacam em Portugal: a taipa e o adobe - termo de origem árabe (“thobe”) que significa pequenos tijolos de terra não cozida, secos ao ar sem compactação. O bloco de terra comprimida (BTC) é uma técnica mais recente, que impulsionou a mecanização e industrialização dos processos de fabrico, para a construção com terra, e que também tem alguma relevância em Portugal.

A taipa apresenta-se a nível mundial como uma das mais antigas e difundidas técnicas de construção. A taipa foi a técnica construtiva mais utilizada no sul de Portugal (Alentejo e Algarve) até, pelo menos, aos anos 50 do

século XX. Hoje, muitas das construções de taipa portuguesas estão ao abandono, especialmente em zonas rurais. Felizmente a técnica da taipa, desde alguns anos e tal como em vários outros países reúne grande atenção devido aos atuais requisitos de sustentabilidade, ecologia e conforto, que têm originado novas construções, à necessidade de reabilitação de edifícios antigos e à existência de um vasto e valioso património arquitetónico que precisa ser preservado. A taipa é um sistema monolítico, sendo a terra compactada entre cofragens que se designam taipais. Estes podem ser tradicionais, com base em painéis e outras peças de madeira, ou recorrerem a painéis e outros elementos metálicos, mais resistentes e duráveis. A compactação da terra pode ser feita manualmente, com um maço de madeira ou, mais recentemente, com equipamentos pneumáticos. As paredes de taipa vão sendo construídas em cada nível por troços, que depois se sobrepõem em altura, constituindo anéis ou blocos sucessivos. A partir do primeiro nível, os taipais vão sendo fixos ao nível antecedente, através de peças que se denominam “agulhas”.

Figura 2.2. Diagrama estabelecido pelo CRATerre das técnicas construtivas com terra, Fontaine e Anger (2009) adaptado de Houben e Guillaud (2006)

As técnicas construtivas com o material terra, de uma forma geral, não estão sistematizadas nem industrializadas. Isto significa que, em Portugal, ainda estamos na presença de técnicas construtivas que

assentam em processos artesanais: o modo de trabalhar a terra está nas mãos de cada taipeiro ou adobeiro, que atendem às características da terra. Cada técnica construtiva apresenta características próprias relativamente às propriedades da terra a utilizar, à velocidade de execução e aos correspondentes utensílios, entre outras, que condicionam os resultados finais. A seleção da terra e o conhecimento da sua composição deverão conduzir à opção mais adequada da técnica de construção a utilizar (ou vice-versa). Deve ter-se em conta que nem todas as terras são adequadas para determinada técnica construtiva, necessitando por vezes de correção ou estabilização.

Tradicionalmente, as técnicas construtivas surgiam em geral associadas às regiões. A taipa é predominante em zonas mais áridas e com solos de granulometria onde são predominantes as partículas mais grossas, e as construções em adobe são geralmente encontradas em zonas aluvionares, perto dos rios, uma vez que é necessário uma maior quantidade de água para a manufatura dos adobes e um maior teor em argila.

A escolha correta da matéria-prima (terra) é fator fundamental para garantir o sucesso da sua aplicação no processo construtivo adotado ou de qualquer intervenção nestas construções. A matéria-prima utilizada nas construções de terra, como qualquer outro material de construção, deve ser analisada de modo a que o seu comportamento e desempenho possam ser previstos. Contudo, a caracterização dos procedimentos para a maioria dos materiais industrializados na construção (por exemplo, tijolo, betão, aço, entre outros) está bem estabelecida e padronizada, o que não acontece com a terra. Apesar dos métodos construtivos em terra serem dos métodos tradicionais mais antigos, a maior parte das suas características e propriedades continuam pouco conhecidas e investigadas. Alguns dos países que já possuem regulamentos e normas técnicas, também apresentam gamas de valores para algumas características-chave. Em muitos documentos da especialidade são encontrados os limites ideais para adequar os solos para algumas das técnicas mais conhecidas nomeadamente no que diz respeito à técnica da taipa. Houben e Guillaud (2006) apresentam vários valores-limite, mas apenas a título indicativo. De facto, estes autores assumem que não há nenhuma resposta direta à pergunta: "qual o solo mais adequado para a construção com terra?". Geralmente é impossível responder diretamente à questão, devendo ser-se prudente na sua resposta. Todavia, os limites naturais e ótimos, no que diz respeito à utilização da terra como material de construção para as principais técnicas construtivas são identificados em regulamentos, normas e por muitos autores da especialidade.

Não existindo dados específicos para Portugal, considerou-se importante responder às questões: o material utilizado nas paredes de taipa na região do Alentejo apresentam características que se enquadram dentro dos limites estabelecidos pelos documentos internacionais? Será que as atuais especificações para as características da taipa a nível internacional se enquadram numa panorâmica a nível nacional, nomeadamente na zona do Alentejo?

Para tal, efetuou-se uma caracterização dos materiais utilizados nos seis estudos de caso selecionados, que envolve avaliar as propriedades desses materiais que influenciam o seu comportamento e o desempenho das construções. Estas características são amplamente discutidas na próxima secção 2.3.