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CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES

2. A CONSTRUÇÃO DE TAIPA E A SUA CONSERVAÇÃO

2.2. A TERRA COMO MATERIAL DE CONSTRUÇÃO

2.2.1. Normalização

A técnica da construção com terra tem sido uma realidade desde há séculos no território português, baseada no conhecimento empírico dos construtores. Este conhecimento era transmitido de geração em geração e permaneceu até aos dias de hoje. De facto a construção com terra em Portugal é desprovida de qualquer regulamentação ou código; apenas existe um documento com caracter de recomendação técnica elaborado no Laboratório Nacional de Engenharia Civil pelos Engenheiros Ruy Gomes e José Folque (Gomes e Folque 1953). Contudo, noutros países onde renasceu mais cedo o interesse por este tipo de construção, estas técnicas estão regulamentadas, embora de forma pouco significativa quando comparada com outras áreas da engenharia civil.

Analisando a regulamentação existente para a construção com terra a nível internacional verifica-se que existem pelo menos 33 documentos, entre normas e documentos normativos, referentes a 19 países e regiões (Schroeder et al. 2012), Tabela 2.1. Já Cid et al. (2011) localizou 55 documentos normativos ou normas para a construção com terra em 16 países ou regiões, porém não identifica o tipo de documento mas indica o número de documentos vigentes, Tabela 2.1.

Tabela 2.1. Países com normas e documentos normativos para construção com terra País (número de documentos vigentes)

Cid et al. (2011)

País

Schroeder et al. (2012) Africa (normas regionais, 14), Brasil (13),

Colômbia (1), França (1), Espanha (1), Estados Unidos América (2), Índia (3), Itália (2), Quénia (1), Nova Zelândia (3), Nigéria (1), Peru (4), Sri Lanka (3), Tunísia (3), Turquia (2), Zimbabué (1)

Normas: Africa (normas regionais), Brasil, Chile, Colômbia, França, Espanha, Estados Unidos América (New México, Califórnia), Índia, Quénia, Nova Zelândia, Nigéria, Peru, Quirguistão, Sri Lanka, Tunísia, Turquia, Zimbabué

Documentos normativos: Alemanha, Austrália e Suíça Recomendações técnicas: vários autores

É importante referir que a Organização Internacional para a Normalização (International Organization for

Standardization - ISO) faz a distinção entre normas e documentos normativos. Uma norma é um documento

criado por consenso por especialistas e publicada pela organização de normalização, sendo esta confirmada por uma identidade nacional. Um documento normativo diferencia-se das normas por não possuir os mesmos requisitos formais e definitivos e não ser emitido pela organização de normalização; estes documentos são normalmente publicados por associações e/ou organizações especializadas no tema.

Alemanha

A Alemanha foi um dos primeiros países a elaborar normas para a construção com terra (Houben e Guillaud 2006). Após a 2ª Guerra Mundial a construção com terra ressurgiu na Alemanha após um declínio. Este renascimento deveu-se à destruição da indústria dos materiais de construção e à limitação no seu transporte, o que dinamizou e aumentou a utilização dos materiais locais. Em 1944 surgiria os primeiros regulamentos técnicos para a construção com terra, publicados pelo Instituto Alemão para Normalização “DIN - Deutsches

Institut für Normung”. Estes documentos foram retirados em 1971, sendo considerados obsoletos e sem

importância económica (Schroeder et al. 2012). Contudo, após quase trinta anos, em 1999, foi publicado o documento normativo para a construção com terra “LR - Lehmbau Regeln”. Não sendo uma norma, apresenta-se

como um documento nacional de referência para a regulamentação nesta área de construção, sendo seguido por alguns governos regionais. Após a publicação da 3ª edição do documento normativo em 2008, foi reunido um comité para compilação de textos para um futuro desenvolvimento de normas DIN. Em Setembro de 2011, surgem as pré-normas DIN com as seguintes designações aproximadas (Schroeder et al. 2012): DIN 18945 - Blocos de terra: termos, definições, requerimentos e procedimentos de ensaio; DIN 18946 - Argamassas de terra: termos, definições, requerimentos e procedimentos de ensaio; DIN 18947 - Rebocos de terra: termos, definições, requerimentos e procedimentos de ensaio. À data da escrita desta tese, estas normas não estão ainda disponíveis ao público em geral.

O único documento alemão estudado para este trabalho foi o documento normativo Lehmbau Regeln (2009), estando este dividido em sete capítulos. O primeiro capítulo estabelece os requisitos gerais da construção de terra. O segundo capítulo específica os solos mais adequados para esta construção e quais as propriedades dos solos e os testes preliminares, e também os ensaios em laboratório que devem ser considerados para a sua seleção. O capítulo três descreve as várias técnicas construtivas, incluindo a taipa; especifica ainda as características dos materiais a utilizar em cada técnica. O quarto capítulo detalha os procedimentos de projeto de cada um dos métodos construtivos. O quinto capítulo apresenta algumas propriedades como por exemplo a massa volúmica, o isolamento térmico e acústico, resistências à compressão. Os capítulos seis e sete abordam questões contratuais. O último capítulo apresenta um glossário de termos usados no documento e/ou usados na área da construção com terra.

Espanha

Também Espanha, assim como Portugal, não dispõe de um regulamento específico para a construção com terra. No entanto, em 1992, o Ministério dos Transportes e Obras Públicas publicou um documento de referência para a conceção e construção de estruturas com terra, “Bases Para el Disenõ y Construcción con Tapial” (MOPT 1992). O documento apresenta informações sobre os ensaios dos materiais, adições, reforço, cofragem e tolerâncias na construção com terra em geral. Está dividido em cinco secções principais, sendo o principal foco a técnica da taipa, embora também seja referida a técnica do adobe. Na primeira secção é efetuado uma abordagem histórica sobre a taipa e o adobe. Na segunda secção são abordados os detalhes dos princípios de desenho das paredes de terra, tendo em conta os efeitos das tensões e deformação, com indicações de valores de referência a adotar para as características mecânicas. A terceira secção examina a metodologia da técnica da taipa, nomeadamente a cofragem, os métodos de compactação e a sequência de construção. A construção das fundações e a tipificação dos cunhais são descritas na quarta secção. A quinta secção fornece orientações sobre as medidas de controlo de qualidade, a fim de assegurar o cumprimento das especificações do projeto.

Nesta tese foi também consultado o documento do Instituto Eduardo Torroja, “Prescripciones del Instituto -

Obras de Fábrica” (IETCC 1971) que apresenta as definições e terminologia de vários materiais de construção,

assim como as suas técnicas construtivas e respetivos ensaios. Este documento apresenta um subcapítulo para a técnica da taipa, onde aborda a granulometria dos solos para taipa não estabilizada e estabilizada, assim como as suas adições (por exemplo fibras).

Novo México, EUA

O Estado do Novo México nos EUA usufrui do seu próprio código de construção com terra, “New Mexico Earthen

Building Materials Code” (New Mexico Code 2006), que aborda as técnicas da taipa, alvenarias de adobe e BTC.

Este código só se aplica a edifícios até dois pisos, estabelecendo requisitos mínimos para a construção com terra. Para a técnica da taipa, apresenta orientações sobre a adequação do solo e seu teor de humidade e estabelece os requisitos para cofragem. Em relação ao dimensionamento e métodos de construção, este documento aborda um conjunto de regras, nomeadamente: as dimensões das paredes, assim como a sua espessura para paredes interiores e exteriores; as características mecânicas dos materiais para solo estabilizado ou não; utilização das vigas de bordadura e de fundação, bem como a questão da ligação entre os vários elementos. Estabelece ainda requisitos para os revestimentos exteriores.

Nova Zelândia

Na Nova Zelândia a construção com terra - taipa, alvenaria de adobe e blocos de terra comprimida - com ou sem estabilização, é regulamentada por três códigos distintos, publicados em 1998, correspondendo a normas nacionais, respetivamente: SNZ 4297 - Engineering Design of Earth Buildings (SNZ 4297 1998); SNZ 4298 -

Materials and Workmanship for Earth Buildings (SNZ 4298 1998); SNZ 4299 - Earth Buildings Not Requiring Specific Design (SNZ 4299 1998).

A norma SNZ 4297:1998 estabelece métodos de projeto até uma altura máxima de 6,5 m, definindo os critérios de desempenho para resistência, durabilidade, retração, isolamento térmico e isolamento ao fogo. São fornecidos detalhes para o projeto da fundação, assim como para o reforço da estrutura e para ancoragens. A norma SNZ 4298 (1998) define os requisitos para os materiais e mão-de-obra a utilizar na construção de elementos de terra com misturas de solo/cimento (inferior a 15% em massa). A norma estabelece os requisitos gerais no que diz respeito à seleção de materiais e ensaios, reforço e detalhes de cunhais e ligações, juntas, lintéis, acabamento superficial e controle de qualidade.

A norma SNZ 4299 (1998) está limitada a paredes com uma altura máxima de 3,3 m. Esta norma não exige dimensionamento específico: desde que sejam cumpridas as regras e não se excedam os limites enunciados é possível construir um edifício dispensando um dimensionamento tradicional. A norma fornece soluções para o projeto de paredes estruturais, fundações, vigas de bordaduras, vergas, juntas, aberturas e elementos de fixação, entre outros.

Austrália

Também a Austrália foi um dos primeiros países a desenvolver um documento de referência para a construção de taipa, alvenaria de adobe e blocos de terra comprimidos (Maniatidis e Walker 2003), estabelecendo os requisitos para estas técnicas. Trata-se do Bulletin 5 (1987) que foi publicado pela primeira vez em 1952, tendo sido a quarta e última edição publicada em 1987 pela CSIRO - “Commonwealth Scientific and Industrial

Research Organisation”. Apresenta como inovação, à data, o teste de erosão acelerada (efetuado com o auxílio

Dado o avanço nas técnicas de construção com terra, e como o Boletim 5 publicado em 1987 já não conseguia responder a algumas questões, as duas associações “Earth Building Association of Australia” e “Earth Building

Association of New Zealand” em 1994, tentaram desenvolver normas conjuntas para a construção de terra.

Contudo, em 1996 essa parceria chegou ao fim por falta de acordo (Maniatidis e Walker 2003). A Nova Zelândia publicou os seus três regulamentos em 1998 (já referidos). A Austrália publicou um manual, uma vez que não existiu também consenso interno para a elaboração de normas. Este tipo de manual não apresenta o mesmo estatuto que uma norma, mas neste caso foi analisado por uma comissão técnica (Maniatidis e Walker 2003). O manual “Australian Earth Building Handbook” foi então publicado pela organização australiana de normalização em 2001 com base no livro de Peter Walker (Walker e Australia 2001). Este documento estabelece os princípios de boa prática e define linhas de orientação para a construção de uma edificação com um ou dois pisos, com terra.

O manual é composto por seis capítulos. O primeiro capítulo descreve os principais tipos de construção com terra, suas vantagens e limitações. O capítulo dois pormenoriza o material terra. O terceiro capítulo aborda técnicas construtivas, tais como os lintéis, fixações, revestimentos, entre outros, e aborda ainda a questão da manutenção neste tipo de estruturas. O capítulo quatro estabelece os requisitos no que diz respeito à integridade estrutural e sua durabilidade, fornecendo diretrizes para o projeto com paredes reforçadas e não reforçadas. O quinto capítulo aborda o projeto das fundações, e o último capítulo aborda o futuro da construção com terra, em termos de educação, formação e investigação. Em anexo estão detalhados vários procedimentos de ensaio do material terra.

Em 2001, a associação “Earth Building Association of Australia” publicou um documento provisório que define novas diretrizes de conceção para a construção em alvenaria de adobe e em taipa (EBAA 2001). Este mantem- se ainda como provisório.

Zimbabué

O regulamento do Zimbabué, “Zimbabwe Standard Code of Practice for Rammed Earth Structures”, foi publicado em 2001 (SAZS 724 2001). O documento baseia muito o seu conteúdo no livro publicado por Julian Keable, “Rammed earth structures: a code of practice” (Keable 1996), no documento de referência australiano Bulletin 5 (1987) e na norma da Nova Zelândia 4298 (SNZ 4298 1998).

O regulamento do Zimbabué é específico para a construção com a técnica da taipa e divide-se em seis secções. A primeira secção aborda os materiais, incluindo a estabilização. A segunda secção aborda as regras para a cofragem da taipa. A terceira secção aborda as disposições relativas à conceção das fundações e proteção das paredes contra a ascensão capilar. A quarta secção foca as paredes de taipa como elemento estrutural, abordando a resistência à compressão, absorção de água e erosão. A quinta secção detalha quais os elementos a serem utilizados para reforço a nível estrutural. A sexta secção aborda os acabamentos, nomeadamente argamassas de reboco (indicando possíveis adições como o cimento, cal, pozolanas e betume). Por fim, os apêndices incluem informações detalhadas sobre ensaios.