• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 8 CONCLUSÕES

1. INTRODUÇÃO

1.1. ENQUADRAMENTO

A escolha do tema de investigação resulta da procura de resposta à questão da adequabilidade de argamassas de reparação a utilizar em construções de taipa. A escassa informação nessa área e a necessidade de proceder a reparações a esse nível justificou a necessidade de procurar identificar as características mais adequadas para essas argamassas e de definir regras adequadas para a intervenção nessas construções. Outra razão subjacente à escolha do tema está relacionada com a importância da técnica da taipa, que foi em tempos usada com muita frequência em Portugal, e sobre a qual recai hoje um interesse crescente por parte de proprietários e promotores, o que têm aumentado o seu investimento nesse tipo de construções. Se a durabilidade da terra como material de construção for bem assegurada nestes casos, acredita-se que será aceite e aplicada de forma regular e correta em construções contemporâneas. A conservação e reabilitação do material terra representam, atualmente, áreas da construção que atraem grandes dúvidas e preocupação, incluindo em relação ao domínio dos materiais, das técnicas, e a sua correta aplicação. Tal como Heathcote (1995) referia quase há 20 anos, continuam a não existir ainda evidências conclusivas, com base no desempenho em campo, que permitam contrariar essas preocupações.

A terra como material de construção é utilizada desde tempos imemoriais. As construções com terra, desde simples formas até complexas estruturas, constituem um importante património da Humanidade, que urge conservar. De facto, 10% dos sítios que constam da lista do Património Mundial da UNESCO correspondem a construções de terra (Balderrama 2001). Eram também de terra 16% e 57% dos sítios que figuram na World

Monuments Watch 2000 List of 100 Most Endangered Sites e na World Heritage List in Danger, respetivamente

(Balderrama 2001).

Uma percentagem significativa do património histórico Português é constituído por construções com terra. Na construção nova há também um reconhecimento crescente da validade das técnicas construtivas de terra crua, que tinham caído em desuso e que ressurgiram com a consciencialização face à ecoeficiência baseada no uso de recursos locais reutilizáveis. Este facto deve-se às características particulares do material terra: natural, não tóxico, ecológico, reciclável, de baixo custo, acessível, incombustível e contribuindo para que os edifícios apresentem também bom desempenho ao nível térmico e acústico.

As técnicas atualmente utilizadas, na construção e na reabilitação de construções com terra, surgem de forma geral como uma evolução dos processos ancestrais. Mantêm, no entanto, um carácter essencialmente empírico e não estão ainda totalmente adaptadas às novas realidades e exigências. De facto, a perda do saber relativo às artes tradicionais, bem como a falta de conhecimentos sobre os processos de degradação dos materiais de terra e da sua compatibilidade com os materiais modernos de construção, nem sempre permitem uma correta especificação das técnicas a utilizar, quer em construção nova, quer na conservação e reabilitação de construções existentes.

Dos vários métodos tradicionais de construção com terra crua, existem dois que se destacam: a taipa e o adobe, os quais predominam no edificado antigo português. No entanto, não existe informação sistematizada que defina completamente estas técnicas. Isto porque se tratam de processos de execução de base artesanal; o modo de trabalhar e preparar o material terra está nas mãos de cada taipeiro ou adobeiro, que atende às características

da terra local que usa, conduzindo por conseguinte a uma arquitetura própria em cada região. Cada técnica apresenta características próprias relativamente à quantidade e qualidade da terra a utilizar, à sua preparação, aos outros materiais adicionados, à velocidade e facilidade de execução e aos resultados finais. Daqui decorre uma questão relevante: tem o material utilizado nas paredes de taipa existentes características que se enquadram dentro dos limites estabelecidos pelos documentos internacionais? Não se sabe, de facto, até que ponto as atuais especificações existentes para as características da taipa a nível internacional terão aplicação neste edificado, nomeadamente no edificado nacional da região do Alentejo, onde se concentram os estudos de caso desta tesa. Esta questão é abordada e analisada neste trabalho.

Em Portugal os recursos naturais necessários à construção com terra existem de forma abundante. Contudo, na maior parte das construções a construir, reabilitar, reparar ou manter, não são em geral tomadas em consideração as características específicas da matéria-prima original nem do próprio sistema construtivo. Isto conduz ao aparecimento prematuro de anomalias nos edifícios (muitas vezes após um curto intervalo de tempo após a intervenção). A um nível nacional, as técnicas inadequadas adotadas frequentemente para este tipo de construção, a falta de documentos de referência, a falta de formação específica dos técnicos nesta área, nomeadamente a escassez de cursos de formação para aquisição e atualização de conhecimentos, não permitem responder adequadamente às exigências emergentes, levando a soluções menos duráveis e ao aparecimento de anomalias expressivas nos edifícios.

Verificou-se que a desagregação superficial das paredes de terra, refletida na sua erosão com formação pontual de cavidades mais profundas, são as anomalias mais recorrentes nas paredes de taipa. Verificou-se ainda que, em muitos casos, as reparações deste tipo de paredes utiliza argamassas de reparação que acabam por se revelar inadequadas. Frequentemente são utilizadas argamassas de base cimentícia que são mais rígidas e impermeáveis ao vapor do que o suporte, por desconhecimento da falta de compatibilidade entre os materiais utilizados.

A reparação das construções de taipa é exigente, sendo necessário conhecimento específico nesta área, sobre os materiais, as técnicas construtivas, e as ações a que este tipo de construções está sujeita. Segundo Le Tiec e Paccoud (2006), uma das técnicas para a reparação destas paredes, que são monolíticas, é a utilização de argamassas de terra, especialmente nas zonas de fendas, fissuras, lacunas, ou mesmo quando as superfícies se encontram degradadas de uma forma mais generalizada. Todavia, os materiais de reparação a usar, as técnicas e metodologias de execução, não estão ainda suficientemente desenvolvidas e avaliadas, gerando os insucessos referidos. É, por isso, necessário dar melhor resposta às necessidades da conservação e reparação das paredes de taipa, com recurso à utilização de argamassas compatíveis.

Considera-se, assim, que é fundamental encontrar argamassas compatíveis com este tipo de paredes, admitindo-se à partida que uma composição com terra - argamassa de terra - será mais adequada, uma vez que a argamassa apresentará uma natureza similar à do suporte de taipa.

O saber relativo à correta utilização de argamassas de reparação em estruturas de terra é fundamental dada a existência de um vasto património arquitetónico de terra, inclusive património classificado pela UNESCO (UNESCO 2012). Por outro lado, as construções com terra mais recentes necessitarão igualmente, a prazo, de ações de manutenção e reparação nas suas paredes.

A trabalhabilidade é a característica que traduz a facilidade com que uma argamassa é amassada e aplicada no suporte, sendo a característica mais importante da argamassa no seu estado fresco. A quantidade de água utilizada na amassadura tem grande influência na trabalhabilidade. Segundo a RILEM (1982) “o único meio evidente que um pedreiro tem à sua disposição para corrigir a trabalhabilidade de uma argamassa é alterando o seu teor em água”. Porém, os estudos sobre a influência do teor de água na trabalhabilidade são escassos, apesar de este ser um aspeto fundamental e provavelmente o primeiro que deve ser abordado no âmbito da formulação de argamassas; e nomeadamente das argamassas de terra onde a percentagem de argila é tipicamente significativa e onde a água é maioritariamente libertada na secagem, não sendo consumida por reações químicas como no caso dos ligantes hidráulicos.

É importante caracterizar as argamassas de terra no estado fresco mas também no estado endurecido. Frequentemente é referido na literatura que, para aumentar a resistência e durabilidade dos materiais de terra, são normalmente utilizadas adições de ligantes como estabilizantes químicos (Heathcote 1995, Jayasinghe e Kamaladasa 2007, Jaquin et al. 2008, Hall e Allinson 2009a, Hossain e Mol 2011, McGregor et al. 2012). O cimento e a cal são os estabilizantes mais comuns dos materiais de terra. Contudo, outros autores referem que a estabilização com cimento é prejudicial neste tipo de estruturas (McHenry 1984, Ashurst e Ashurst 1995, Norton 1997, Warren 1999, Walker e Australia 2001, Guelberth e Chiras 2003, Boussalh et al. 2004, Walker et al. 2005, Jiménez Delgado e Guerrero 2006), dificultando a ligação química das argamassas com o suporte a reparar, sendo elevada a probabilidade de falta de aderência, e afetando também a sua permeabilidade ao vapor de água. Para além disso, o cimento altera significativamente a reciclabilidade do material durante a obra e no final da vida útil. Importa assim perceber quais as consequências particulares da adição de estabilizantes químicos às argamassas de terra. A adição de fibras é outro aspeto relevante, uma vez que é frequentemente referida na literatura especializada como podendo ser um bom contributo para a diminuição da retração nas argamassas (Warren 1999, Copsey et al. 2010). De facto, os materiais tradicionais de terra incluíam frequentemente fibras naturais, não existindo no entanto, tanto quanto é do conhecimento da autora, dados concretos sobre as vantagens e inconvenientes desta utilização.

Como referido, o conhecimento sobre as argamassas de reparação para estruturas de terra ainda não se encontra devidamente desenvolvido. O comportamento destas argamassas na sua relação com o suporte é um fator primordial: é importante analisar a influência que o suporte apresenta neste tipo de argamassas e verificar a compatibilidade entre ambos.

As argamassas de reparação são normalmente revestidas por um acabamento final, estando geralmente protegidas das ações climatéricas diretas, como o vento, a chuva ou a radiação solar. Assim, as ações potencialmente mais gravosas a que estas argamassas podem estar sujeitas são as relacionadas com a ação da água no estado líquido ou de fatores ambientais, nomeadamente a humidade relativa e a temperatura. A presença de humidade reduz a coesão interna e a resistência mecânica dos materiais potencia a ação dos sais solúveis e favorece o desenvolvimento biológico. Sendo esta uma das principais causas de degradação dos materiais de terra, considera-se pertinente analisar o comportamento das argamassas de reparação quando

aplicadas na parede de taipa e sujeitas a prolongados períodos de exposição à água, e sob a ação de envelhecimento artificial acelerado por ciclos de molhagem/secagem.