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3 UMA NOVA INTERPRETAÇÃO PARA A (IN)APLICAÇÃO DO DIREITO

3.3. Análise das repercussões do julgado do STF

3.3.2 Análise da jurisprudência acerca do Fato Indígena

Quanto às peças jurídicas que fazem referência ao fato indígena, a maioria se obteve no portal do Ministério Público Federal, devido às dificuldades já expostas, e o restante por meio de informativos nos sítios virtuais do Poder Judiciário. Encontraram-se, assim, informações acerca do deferimento de seis liminares fundamentadas no fato indígena, das quais cinco suspenderam a demarcação das Terras Indígenas e apenas uma foi a favor da comunidade indígena, interrompendo a realização de obras na área; da concessão de tutela antecipada em favor de fazendeiro em território indígena; da Proposta de Súmula Vinculante n. 49 e seu arquivamento; das decisões judiciais, em primeira e segunda instância, indeferindo o pedido liminar de suspensão das obras em provável Terra Indígena Anacé.

A notícia de duas liminares se obteve por meio de dois agravos regimentais interpostos pelo Procurador-Geral da República, tratando-se de casos distintos, mas similares quanto aos fatos. Ambos visavam à reconsideração da decisão do Ministro do STF Gilmar Mendes que concedera liminar para suspender a demarcação das Terras Indígenas. Nos relatórios dos agravos, percebe-se que as liminares fundamentaram-se no marco temporal da ocupação indígena estabelecido no julgamento do caso Raposa Serra do Sol, sendo juntando como prova da descaracterização da Terra Indígena meros títulos de propriedade adquiridos antes da vigência da Constituição. Dentre as alegações do PGR, defendeu-se que a “exibição de registro de imóvel de 1924 e de sua cadeia dominial não tem o condão de comprovar, por parte dos impetrantes, nem a posse destes na terra pretendida, nem a ausência de ocupação tradicional indígena em 5/10/88” 212213.

212 MINISTÉRIO PÚBLICO. Agravo Regimental n. 1447-PGR-RG. Mandado de Segurança n. 28.555/DF.

Homologação presidencial da demarcação da terra indígena Arroio-Korá. Roberto Monteiro Gurgel Santos (Procurador-Geral da República): Brasília, 5 fev. 2010. Disponível em: < http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do- mpf/acao-civil-publiva/docs_classificacao_tematica/MS_28555_arroio_ kora_02_2010.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.

No portal do Centro de Mídia Independente, encontram-se informações acerca de mais quatro liminares deferidas pelo Ministro Gilmar Mendes, suspendendo a demarcação de Terras Indígenas com base no marco temporal de 1988, comprovado com simples apresentação de títulos de propriedade anteriores a 5 de outubro de 1988214.

Há ainda a decisão do Ministro do STF Marco Aurélio, concedendo o pedido de tutela antecipada, alicerçado na teoria do fato indígena, para que se preservasse, até a decisão final da Ação Cível Originária n. 1383/MS, a posse, pela autora, da área em discussão215.

No Ceará, tem-se a decisão do juiz federal Alcides Saldanha Lima que indeferiu o pedido liminar do MPF para suspender as desapropriações e paralisar as obras do Complexo Industrial e Portuário do Pecém (CIPP) em Terra Indígena Anacé, ainda não demarcada. A decisão do juiz apoiou-se no entendimento do fato indígena, negando a liminar em razão da existência de registros de imóveis da CIPP anteriores a 1988, bem como da possível geração de prejuízos ao desenvolvimento do Estado do Ceará, caso houvesse embargo às obras216. Diante disso, o MPF recorreu da decisão, por meio de agravo de instrumento, sendo, no entanto, indeferido pelo Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5) Francisco Barros Dias217.

A Proposta de Súmula Vinculante n. 49 (PSV 49) foi apresentada pela Confederação Nacional de Agricultura e da Pecuária no Brasil (CNA) para que fosse pacificado o entendimento de que o texto da Súmula n. 650/STF218 não considera bens da União os territórios que já foram habitados por índios, mas não o era mais a partir de 5 de outubro de 1988219.

213 MINISTÉRIO PÚBLICO. Agravo Regimental n. 1519-PGR-RG. Ação Cautelar n. 2.556/MS. Portaria n.

791/2007, do Ministério da Justiça, que declara a Terra Indígena da comunidade da Aldeia Cachoeirinha, localizada no Município de Miranda/MS. Roberto Monteiro Gurgel Santos (Procurador-Geral da República): Brasília, 19 fev. 2010. Disponível em: < http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil- publiva/docs_classificacao_tematica/AR_1519_PGR_ cachoeirinha.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.

214 AMARU. Gilmar Mendes suspende demarcações indígenas autorizadas por Lula. 21 jan. 2010. Centro de

Mídia Independente. Disponível em: < http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2010/01/463493.shtml>. Acesso em: 22 mai. 2010.

215 STF. ACO 1383/MS, Rel. Ministro Marco Aurélio, julgado em 19.5.2009, DJe-98 de 27.5.2009.

216 BRASIL. Juiz mantém obras no Porto do Pecém (Processo n. 0016918-38.2009.4.05.8100). Justiça Federal

no Ceará, Fortaleza, 29 jan. 2010. Disponível em: < http://www.jfce.jus.br/internet/noticias /noticiaInter.jsp?caminho=2010/01/obrasPortoPecem.jsp >. Acesso em: 22 mai. 2010.

217 CASTRO, Carol de. Nova vitória do Governo. Diário do Nordeste, Fortaleza, CE, 10 FEV. 2010. Negócios,

p. 7. Disponível em: <http://www.prce.mpf.gov.br/noticias/Controlador?contexto=exibicao&operacao=exibirNo ticia&idPublicacao=2183&idLista=27127>. Acesso em: 22 mai. 2010.

218 Súmula n. 650 do Supremo Tribunal Federal: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não

alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.

219 Cf. CNA pede edição de Súmula Vinculante sobre demarcação de reservas indígenas. Supremo Tribunal

A Comissão de Jurisprudência do STF, composta pelos ministros Joaquim Barbosa, Ricardo Lewandowski e Ellen Gracie, entendeu que o objetivo da PSV 49 era ampliar a abrangência da Súmula n. 650; no entanto, a proposta desvinculava a súmula da questão jurídico-constitucional que a originou. Ademais, a Comissão entendeu que a proposta também não preenchia o requisito de existência de reiteradas decisões sobre a matéria no sentido pretendido, sendo, portanto, arquivada decorrência da inadequação formal da PSV 49 e material, por tratar de tema diverso ao da súmula que se pretendia reformar. Todavia, ao citar duas recentes decisões liminares monocráticas220, admitiu-se a possibilidade de seu enfrentamento num futuro próximo221.

Os únicos casos em que a tese do fato indígena é utilizada para salvaguardar os direitos originários dos índios sobre suas terras tradicionais relacionam-se à ação civil pública com pedido liminar impetrada pelo MPF, visando à suspensão das obras pela companhia imobiliária Terracap. Nela buscou-se o reconhecimento da ocupação coletiva da comunidade indígena do Bananal em Brasília222 com base no fato indígena, em que se provava a ocupação do território pelos índios desde o início da década de 70223. Nessa caso, a liminar foi deferida pelo Juiz Titular da 21ª Vara Federal do Distrito Federal, com os mesmos fundamentos224.

Assim, registram-se cinco liminares, um pedido de tutela antecipada, uma sentença, um acórdão e uma PSV embasados na teoria do fato indígena, com o objetivo de impedir a efetivação dos direitos originários dos índios a suas terras tradicionais. De outro lado, na proteção dos direitos originários indígenas, verificam-se, apenas, uma ação civil pública com pedido de liminar pelo MPF e a decisão judicial que a deferiu, tratando-se, portanto, de um único caso.

Observa-se, assim, que a teoria do fato indígena está sendo utilizada, quase que exclusivamente, para que se possa manter a posse de fazendeiros na área indígena, =114937&caixaBusca=N>. Acesso em: 22 mai. 2010.

220 Mandado de Segurança (MS) 28555 e Ação Cível Originária (ACO) 1383.

221 Cf. COMISSÃO de Jurisprudência se manifesta pelo arquivamento de PSV sobre demarcação de reservas

indígenas. Supremo Tribunal Federal, 30 mar. 2009. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNo ticiaDetalhe.asp?idConteudo=122930&caixaBusca=N>. Acesso em: 22 mai. 2010.

222 Nessa região habitam indígenas da etnia Fulniô/Tapuia.

223 MINISTÉRIO PÚBLICO. Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela. Processo n.

2009.34.00.038240-0 (21. Vara Federal do Distrito Federal). Sobre as violações à Terra Indígena da comunidade “Bananal”. Luciana Loureiro Oliveira: Brasília, 17 nov. 2009. Disponível em: < http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do-mpf/acao-civil-publiva/docs_classificacao_tematica/ACP_Noroeste _Bana nal.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.

224 JF, Ação Civil Pública, Processo n. 2009.34.00.038240-0, Juiz Titular Hamilton de Sá Dantas, 21. Vara

federal do Distrito Federal, julgado em 24.11/2009. Disponível em: <http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/atuacao-do- mpf/acao-civil-publiva/docs_classificacao_tematica/Decisao_Noroeste_Bananal.pdf>. Acesso em: 22 mai. 2010.

obstaculizando o exercício pleno dos direitos originários conferidos na Constituição de 1988. Ademais, os poucos casos em que se apresentam uma peça jurídica fundamentada no fato indígena, não necessitavam de nova interpretação acerca dos direitos originários indígenas para se firmarem como Terras Indígenas.