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2 RESISTÊNCIA QUE EXISTE, LUTA QUE PERSISTE: A CONQUISTA DOS

2.5 Estatuto Jurídico das Terras Indígenas à luz da Constituição de 1988

2.5.3 A demarcação das terras indígenas

133 DALLARI, Dalmo de Abreu. Direitos sobre Terras Indígenas. In: VIDAL, Lux et al (Coord.). A Questão da

Terra. Cadernos da Comissão Pró-Índio. nº 2. São Paulo: Global Editora, 1981, p. 46.

A Constituição Federal de 1988 incumbiu a União de demarcar, proteger e fazer respeitar todos os bens das terras indígenas135. Assim, a demarcação consiste num poder-dever da União e num direito dos índios de terem sua terra demarcada. Embora se trate de direito originário, que independe de qualquer formalidade para se constituir, a demarcação oficial faz-se necessária para conhecer a extensão da terra tradicionalmente ocupada pelos índios e para garantir-lhes maior proteção estatal. Contudo, isso não significa que o direito indígena somente seja oponível perante terceiros depois de realizado o procedimento demarcatório136, visto que o direito indígena sobre as terras tradicionalmente ocupadas se constitui originariamente, sendo a demarcação ato meramente declaratório. Nesse sentido,

embora o direito dos índios à terra independa de reconhecimento formal, sempre que uma sociedade indígena ocupar determinada área nos termos do Art. 231 da Constituição de 1988 acima citado, o Poder Público estará obrigado, por força constitucional, a promover este reconhecimento, DECLARANDO O CARÁTER INDÍGENA DAQUELA TERRA, e realizando a demarcação física dos seus limites, com o objetivo único de garantir a sua proteção137.

Diante disso, a demarcação não pode ser tratada como um simples procedimento de delimitação, pois, apesar de não constituir direitos, ela propicia segurança jurídica para as comunidades indígenas envolvidas, em razão da existência de ato estatal declarando o limite da terra indígena, o que, em tese, repercute positivamente nas resoluções dos conflitos nelas presentes e possibilita ao Estado sua proteção de forma mais eficaz.

Não há dúvidas, portanto, de que a leniência estatal em demarcar influencia (e é influenciada) nos conflitos existentes nas terras indígenas. Dessa forma, a União deve realizar o procedimento demarcatório em um prazo razoável138, que, embora não esteja definido expressamente nas legislações indigenistas, pode ser presumido por meio do art. 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT – da Lei Fundamental de 1988. Esse dispositivo, ao determinar que todas as terras indígenas reivindicadas até aquela data fossem demarcadas no prazo de 5 anos, contados a partir da data de promulgação (5/10/1988), fixa implicitamente o prazo razoável para a realização desse procedimento, deste o seu início, identificação da terra, até o seu desfecho, registro no cartório de registro de imóveis da

135 CF/88, Art. 231, caput.

136 A demarcação realiza-se mediante o procedimento administrativo regulado pelo decreto n. 1.775/96 e pela

portaria n. 14, de 9 de janeiro de 1996, do Ministério da Justiça. Sobre as fases do procedimento de demarcação, v. LEITÃO, Raimundo Sergio Barros. Natureza jurídica do ato administrativo de reconhecimento de terra indígena – a declaração em juízo. In: SANTILLI, Juliana (coord.). Os Direitos Indígenas e a Constituição. Porto Alegre: NDI/Sergio Antonio Fabris Editor, 1993.

137 LEITÃO, Raimundo Sergio Barros. op. cit., p. 69.

comarca correspondente e na Secretaria de Patrimônio da União.

Note-se, portanto, que o tempo para a demarcação previsto no ADCT se refere às terras reivindicadas naquele período como uma medida urgente para otimizar a eficácia das terras indígena reivindicadas e reconhecidas até então. Essa medida, em hipótese alguma, significou a perda do direito dos povos indígenas que não haviam reivindicado suas terras até aquele momento, muito menos quis dizer que outras terras não pudessem mais ser reivindicadas posteriormente pelos índios.

Ademais, a jurisprudência pátria já firmou o entendimento também de que esse prazo não é prescricional, de modo a fazer perecer o direito à demarcação em 1993. Portanto, passados os cinco anos previstos no ADCT, a União continua com a obrigação de demarcá-la, pois tal prazo refere-se apenas a sua realização em tempo razoável:

MANDADO DE SEGURANÇA - DILAÇÃO PROBATÓRIA. Estando a causa de pedir do mandado de segurança direcionada à definição de fatos considerada dilação probatória, forçoso é concluir pela impropriedade da medida. TERRAS INDÍGENAS - DEMARCAÇÃO. O prazo previsto no artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias não é peremptório. Sinalizou simplesmente visão prognóstica sobre o término dos trabalhos de demarcação e, portanto, a realização destes em tempo razoável139.

Dessa forma, a ausência da demarcação das terras indígenas em um prazo de 5 (cinco) significa a omissão e o desinteresse (ou interesse na não realização) da União em relação aos deveres a ela impostos constitucionalmente. Assim, tanto as terras reivindicadas em 1988 e que não foram demarcadas até 1993, quanto as terras reivindicadas após 1988 e que não foram demarcada em 5 anos, caracterizam o ilícito constitucional do Estado relativo à inobservância da duração razoável do processo e à inefetivação do direito dos índios sobre suas terras tradicionais, ambos considerados direitos fundamentais.

Destarte, embora a demarcação não constitua o direito à terra, ela estabelece os reais limites dela, conferindo, assim, certeza jurídica sobre aquela circunscrição territorial. Por conseguinte, teoricamente, faz-se com que os conflitos nelas existentes diminuam. Ademais a demarcação serve para que a União tenha conhecimento da totalidade da área que deve proteger e garantir o usufruto de todos os bens nela existentes em face de seus habitantes.

Observa-se, outrossim, que a demarcação da terra indígena não é, nem de perto, a solução para os problemas vivenciados pelos povos indígenas no Brasil, mas é um passo

significativo no caminho para a efetivação de seus direitos fundamentais.