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7. Valência de Bioquímica

7.3. Análise da Urina Tipo II

A análise de urina fornece uma ampla variedade de informações clínicas úteis, sendo importante no diagnóstico, monitorização de patologias do trato urinário, screening de doenças em populações assintomáticas e avaliação do efeito terapêutico. A análise de urina tipo II consiste no exame físico e químico da urina e no exame microscópico do sedimento urinário.

A amostra utilizada é, preferencialmente, a primeira urina da manhã, por ser a amostra mais concentrada, assegurando a deteção de substâncias químicas ou de elemento figurados que podem não estar presentes numa amostra colhida aleatoriamente, bem como permite excluir a proteinúria ortostática. As amostras de urinas devem ser processadas, preferencialmente, até 2h após a colheita.

7.3.1. Exame Físico e Químico da Urina Tipo II Equipamento: Aution Max, da A. Menarini Diagnostics

O equipamento Aution Max (Figura 4) destina-se à primeira fase da análise da urina tipo II, possibilitando a determinação de diferentes parâmetros, nomeadamente efetuar a leitura dos resultados da tira de teste, diminuindo assim os erros de leitura visual por parte do técnico.

Densidade ou Gravidade Específica

A densidade é uma medida que permite avaliar as substâncias químicas dissolvidas na urina, sendo dependente do poder de excreção e de concentração dos rins [91].

Valores de densidade baixos podem ser encontrados em casos de ingestão aumentada de água, uso de diuréticos, incapacidade de concentração e diabetes insipidus. Enquanto que valores de densidade elevados podem ocorrer em situações de desidratação, insuficiência adrenal [91], febre, glicosúria e proteinúria.

Método: Índice de refração [92]

A luz emitida pelo díodo emissor de luz (LED) transforma-se num feixe de luz ao atravessar uma fenda e lentes. O feixe de luz atravessa a célula do prisma que contém a amostra de urina e, em seguida, é dirigido para o detetor. O índice de refração altera-se de acordo com a gravidade específica da amostra contida na célula do prisma [92].

Valores de Referência: 1.010 – 1.025

Cor

A cor normal da urina é amarela, que se deve, sobretudo, à presença de um pigmento denominado urocromo, que é um produto do metabolismo produzido de uma forma constante, em condições normais. Outros pigmentos, tais como a uroeritrina e a urobilina também estão presentes embora em menor quantidade. As alterações não patológicas devem-se essencialmente ao estado de hidratação e à capacidade de concentração da urina. No entanto, existem alterações com importância clínica [91]:

 Cor âmbar – possível presença de bilirrubinas;

 Cor vermelha, rosa, castanha – possível presença de sangue;

Quase incolor - diabetes insipidus:

 Cor preta – presença de ácido homogentísico, característico da alcaptonúria. Método: Reflectância a diferentes comprimentos de onda (635nm; 565nm; 430nm; 760nm), sendo analisadas 23 tonalidades [92].

Aspeto/ Turvação

O aspeto refere a transparência da urina. A urina normal é límpida, porém pode aparecer uma turvação não patológica causada pela precipitação de cristais amorfos (frequente em amostras refrigeradas), células epiteliais de descamação, muco, uso de cremes vaginais e sémen. Uma turvação patológica pode estar relacionada com a presença elementos celulares, bactérias, lípidos, linfa, leveduras e matéria fecal [91]. Uma urina límpida nem sempre é sinónimo de

normalidade.

Método: Luz dispersa. O resultado da turvação é apresentado com a seguinte nomenclatura: Límpida, Turva ou Muito Turva [92].

Tira de Teste

Método: Reflectância bicromática, exceto para a avaliação de sangue na urina em que é monocromática. Os comprimentos de onda diferem consoante o parâmetro em estudo [92].

As amostras são pipetadas e dispensadas sobre as tiras de teste (URIFLET S 9UB). As tiras de teste são tiras de plástico com áreas impregnadas com reagentes para a determinação de diversos parâmetros, recorrendo a diferentes métodos de leitura. Os parâmetros determinados resultam da reação da urina com a área de teste impregnada com reagente, levando a uma alteração da cor. Posteriormente, para efetuar a leitura, um multi-LED irradia luz com 1ou 2 comprimentos de onda diferentes, consoante o parâmetro em estudo, nas áreas de reação das tiras de teste e na secção de compensação da tonalidade7. A luz refletida é recebida

por três detetores [92].

pH

O rim, bem como os pulmões, é dos maiores reguladores do conteúdo ácido-base do organismo. A determinação do pH urinário é importante para a deteção de possíveis distúrbios hidro-electrolíticos.O valor do pH da urina varia consoante o teor da dieta [91].

Método: Princípio de duplo indicador de pH que reagem com os iões H+ levando à

produção de cor, permitindo a diferenciação do nível do pH de 4.5 – 9 [93].

A contaminação bacteriana pode conduzir a falsos resultados [93]. Valores de Referência: 5.0 - 8.0

Glucose

Em circunstâncias normais, a urina normal contém quantidades mínimas de glucose. No entanto, em situações de hiperglicémia, ao se atingir o limiar de reabsorção renal, observa-se glucosúria (160-180mg/dL). A glucosúria com hiperglicémia pode ocorrer na diabetes mellitus, tumor pancreático, hipertiroidismo e outras alterações hormonais ao nível da hipófise e glândula adrenal. A glucosúria sem hiperglicémia é geralmente associada à lesão tubular renal. Na

7 Secção de compensação da tonalidade: zona branca da tira, que não contém reagentes, permite ao analisador fazer uma

gravidez pode-se verificar glucose na urina com níveis baixos de glicémia, devido ao aumento da taxa de filtração glomerular [91].

Método: Glucose oxidase-peroxidase. Esta área de teste não é afetada pela presença de substâncias redutoras ou de outros açúcares, nomeadamente, sacarose, lactose e frutose [93].

Falsos negativos: Grandes quantidades de ácido ascórbico [93].

Falsos positivos: Substâncias oxidantes como o hipoclorito e cloro, assim como urinas com pH inferior a 4 [93].

Valores de Referência: 0.0 – 30.0mg/dL Bilirrubinas

A presença de bilirrubina na urina pode ser indicativa de patologia hepática ou biliar, podendo observar-se em situações de hepatite, cirrose ou colestase [91].

Método: Ligação da bilirrubina a um sal de diazóico, com produção de uma coloração azo castanho-avermelhada. Esta área de teste reage de uma forma mais sensível à bilirrubina direta. Este teste é instável na presença de luz solar [93].

Falsos negativos: Presença de ácido ascórbico, ácido úrico e nitritos [93].

Falsos positivos: Presença de urobilinogénio e metabolitos de medicamentos [93]. Valores de Referência: 0.0 – 0.2mg/dL

Proteínas

Podem ser detetadas pequenas quantidades de proteínas na urina de indivíduos saudáveis, variando de 2 a 10mg/dL (inferior ao limite de deteção da tira de teste). No entanto, a deteção de uma quantidade anormal de proteínas na urina é indicativa de patologia renal [91].

Método: Princípio do “erro proteico” de um indicador de pH, o azul de tetrabromofenol. A reação é particularmente sensível à albumina, mas menos sensível à globulina, proteína de Bence-Jones e às mucoproteínas [93]. Este método não deteta proteinúria abaixo dos 8-10mg/dL

Falsos negativos: pH inferior a 3 [93].

Falsos positivos: pH superior a 8, grandes quantidades de hemoglobina, substâncias de alto peso molecular, desinfetantes incluindo compostos de amónia quaternário [93].

Valores de Referência: 0.0 – 10.0mg/dL Sangue

O sangue pode estar presente na urina sob a forma de eritrócitos íntegros (hematúria) ou de hemoglobina livre (hemoglobinúria) resultando da destruição dos eritrócitos, sendo importante a observação do sedimento ao microscópio para auxiliar na distinção destas duas condições [91].

A hematúria pode estar relacionada com patologias de origem renal ou urogenitais e a hemoglobinúria pode ocorrer devido à lise de eritrócitos no trato urinário ou ser resultante de hemólise intravascular [91].

A presença de mioglobinúria, surge raramente, resultando de distúrbios decorrentes de destruição do tecido muscular [91].

Método: Baseia-se na atividade da pseudoperoxidase que catalisa a oxidação do indicador de pH na presença do peróxido de hidrogénio na área de teste, originando uma coloração azul-esverdeada, sendo mais sensível à hemoglobina e mioglobina do que aos eritrócitos. A ausência de hemólise poderá levar a resultados negativos apesar da presença de eritrócitos no sedimento [93].

Falsos negativos: Elevada densidade da urina, elevado teor proteico, presença de inibidores de origem biológica ou farmacológica (ácido úrico, ácido ascórbico, glutatião) [93].

Falsos positivos: Presença de substâncias oxidantes como o hipoclorito e o cloro [93]. Valores de Referência: 0.0 – 0.03mg/dL

Corpos cetónicos

Geralmente não surgem em quantidades mensuráveis na urina, contudo sempre que haja um defeito no metabolismo dos hidratos de carbono, na absorção ou no aporte inadequado da dieta, o organismo compensa aumentando o metabolismo lipídico que, em grande escala, leva ao aumento dos corpos cetónicos no sangue que consequentemente são excretados pela urina. Verificando-se em situações de cetoacidose diabética, jejum prolongado, após exercício físico intenso e hiperemese gravídica [91].

Método: Princípio do teste de Legal: o ácido acetoacético e a acetona reagem com nitroprussiato de sódio, em meio alcalino, originando um complexo cor violeta [93].

Falsos positivos: Presença de fenilcetona, cefalosporina e anti-enzima redutora da aldose [93].

Valores de Referência: 0.0 – 5.0mg/dL Urobilinogénio

O urobilinogénio é um pigmento biliar que resulta da redução da bilirrubina pelas bactérias intestinais. Cerca de metade do urobilinogénio é reabsorvido pelo intestino, entra na circulação porta, sendo excretado na bílis. A maioria é excretado pelas fezes, encontrando-se em pequenas quantidades na urina, podendo aumentar em patologias hepáticas, colestase e colangite. Na presença de distúrbios hemolíticos observa-se o aumento do urobilinogénio com ausência de bilirrubinas na urina [91].

Método: Reação do urobilinogénio com um sal diazónio estável originando um corante azo castanho avermelhado [93].

Falsos negativos: Grandes quantidades de ácido ascórbico [93]. Falsos positivos: Presença de carbapenem [93].

Nitritos

A presença de nitritos é sugestiva de infeções urinárias, mesmo quando assintomáticas, pela capacidade de algumas bactérias patogénicas reduzirem nitratos a nitritos, levando ao seu aparecimento na urina [91].

Método: Princípio da reação de Griess. Na presença de nitritos a zona de teste surge com uma coloração rosa-vermelha [93].

Falsos negativos: Presença de ácido ascórbico e densidade elevada da urina [93].

Falsos positivos: Urinas não frescas [93].

Valores de Referência: Não detetável. Leucócitos

Os leucócitos aparecem frequentemente na urina, podendo ser sugestivos de infeção do sistema urogenital [91].

Método: O teste baseia-se na reação da esterase dos leucócitos com produção de um corante violeta [93].

Falsos negativos: Glucosúria superior a 500mg/dL, proteinúria superior a 300mg/dL, pH reduzido e elevada densidade na urina [93].

Falsos positivos: Presença de formaldeído ou bilirrubinas na urina [93].

Valores de Referência: 0.0 – 25/uL

7.3.2. Avaliação Microscópica do Sedimento Urinário

A existência de parâmetros positivos na tira de teste ou a sua solicitação pelo clínico constituem os critérios para a execução do exame microscópico do sedimento urinário. Para tal, a amostra de urina é centrifugada a 1500rpm, 10 minutos, posteriormente é decantado o

sobrenadante, permanecendo com cerca de 1mL de amostra de forma a ressuspender o sedimento, que será observado a fresco, ao microscópio ótico na objetiva de 10x e 40x.

Elementos que podem ser observados

O exame microscópico do sedimento urinário tem como objetivo detetar, identificar e/ou quantificar de forma semi-quantitativa células, cilindros, cristais, formas leveduriformes, bactérias e parasitas. É preciso ter atenção aos artefactos para não serem confundidos com nenhuma outra estrutura.

Células

Na tabela 7 encontram-se as diferentes células que podem ser observadas num sedimento urinário e o seu significado clínico.

Tabela 7. Células que podem ser observadas num sedimento urinário e o seu significado clínico (Adaptado de [91]).

Imagem Células Significado Clínico

Células tubulares renais

Necrose tubular renal, rejeição de transplante renal e outras lesões

isquémicas renais.

Células do epitélio de transição

Quando em número elevado e com morfologia anormal é sugestivo de

malignidade.

Células epiteliais de descamação

Contaminação vaginal ou uretral. Sem significado patológico. Mais abundante

na mulher.

Eritrócitos

Doença renal, infeção, calculo renal, doença extra-renal, reação tóxica a

drogas ou causa fisiológica.

Cilindros

Os cilindros são os únicos elementos exclusivamente de origem renal encontrados no sedimento urinário. São compostos de mucoproteínas Tamm-Horsfall presentes na urina na forma solúvel, que em situações de estase urinária precipitam tomando a forma do local onde se formaram. Existem diversos fatores que aumentam a sua predisposição, tais como: a concentração aumentada de proteínas, pH urinário baixo e a presença de sais. Quaisquer elementos presentes no filtrado tubular podem prender-se à matriz do cilindro e estão na base da sua classificação (Tabela 8) [91].

Tabela 8. Cilindros que podem ser observadas num sedimento urinário e o seu

significado clínico (Adaptado de [91]).

Fotografia Cilindros Significado Clínico

Cilindros hialinos

Doença renal, febre, desidratação, terapia com diuréticos, ICC, transitório com o

exercício.

Cilindros granulosos Doença glomerular e tubular renal

Cilindros cerosos

Doença renal crónica, inflamação e degeneração tubular.

Cilindros eritrocitários Glomerulonefrite

Cilindros leucocitários Pielonefrite, nefrite intersticial, síndrome nefrótico

Cilindros de células

Cristais

Embora raramente tenham significado clínico, deve proceder-se à sua identificação para confirmar se representam ou não um estado patológico. São formados pela precipitação de sais na urina quando submetidos a alterações de pH, temperatura ou concentração, podendo aparecer na forma de cristais verdadeiros ou de material amorfo [91].

Os cristais considerados patológicos são os de cistina, que aparecem em casos de erros congénitos do metabolismo, e os de leucina e tirosina que ocorrem em situações de patologia hepática grave [91].

Um dos recursos mais úteis na identificação dos cristais é o conhecimento do pH urinário, pois este determinará o tipo de substância precipitada (Tabela 9) [91].

Tabela 9. Cristais que podem ser observadas num sedimento urinário e o pH a que se encontram (Adaptado de [91]).

Fotografia Cristais pH urinário

Cristais de ácido úrico pH ácido

Cristais de oxalato de cálcio pH ácido ou neutro

Cristais de cistina pH ácido

Cristais de leucina pH ácido

Tabela 9. Cristais que podem ser observadas num sedimento urinário e o pH a que se encontram (Adaptado de [91]). Continuação.

Uratos amorfos (cálcio, magnésio, sódio e

potássio)

pH ácido e neutro

Cristais de fosfato triplo

(amónio, magnésio) pH alcalino e neutro

Fosfato de cálcio pH alcalino ou neutro

Fosfatos amorfos

(cálcio e magnésio) pH alcalino e neutro

Outras estruturas que podem ser observadas:

 Formas leveduriformes

Bactérias

Parasitas: Trichomonas vaginalis, Schistosoma haematobium

 Muco

 Espermatozoides

O sedimento urinário normal pode conter diversos elementos, mas quando presentes em determinadas quantidades é considerado patológico:

 Mais de 5 eritrócitos ou leucócitos por campo;

 Mais 2 células tubulares renais por campo;

 1 Cilindro granuloso;

 Mais de 10 bactérias por campo;

 Presença de fungos;

 Presença de parasitas;

 Presença de cristais patológicos;

 Grandes quantidades de cristais normais.