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8. Valência de Hematologia

8.4. Hemostase

A hemostase é um processo fisiológico complexo que permite preservar a normal funcionalidade da circulação sanguínea, tendo um papel importante na manutenção da integridade vascular e fluidez do sangue [113].

Figura 19. Migração, em pH alcalino, das hemoglobinas normais à esquerda e as variantes mais frequentes à direita.

+

-

Migração

O sistema hemostático engloba cinco componentes fundamentais, os vasos sanguíneos, plaquetas, que devem ser normais em número e funcionalmente, fatores plasmáticos, seus inibidores e o sistema fibrinolítico [113].

Após uma lesão vascular ocorre uma vasoconstrição local e a exposição ao colagénio conduz à adesão e agregação plaquetária, com formação de um trombo plaquetário, e à ativação da cascata da coagulação - hemostase primária [113].

Na hemostase secundária, segundo o modelo clássico14, existem 2 vias distintas que convergem para uma via comum, com formação do coágulo de fibrina. A via intrínseca é ativada quando o quininogénio de alto peso molecular, a pré-calicreína e o fator XII entram em contacto com a superfície dos fosfolípidos das plaquetas ativadas (carga negativa), enquanto que a via extrínseca é ativada pelo fator tissular, sendo a sua expressão induzida, na superfície das células, pela lesão dos tecidos e citocinas inflamatórias (Figura 20) [113].

Toda a cascata da coagulação é regulada por vários mecanismos inibidores, que têm por objetivo limitar a extensão e a disseminação do processo da coagulação, sendo de destacar o sistema da proteína C/proteína S, a antitrombina e o inibidor do fator tissular [113].

14Foi proposto um novo conceito para a cascata da coagulação, que começa a ser cada vez mais evidente a existência de apenas

uma via para a formação do trombo de fibrina.

Figura 20. Cascata da coagulação [114].

Ambas as vias intrínseca e extrínseca convergem na ativação do fator X, que juntamente com o fator V ativado, Ca2+ e fosfolípidos irão converter o fator II a

trombina, desencadeando a formação do coágulo de fibrina. O feedback positivo amplifica o sinal, no entanto um feedback negativo promove a ativação de vários mecanismos anticoagulantes, com a inibição de diversos fatores procoagulantes pela antitrombina, inibição do complexo TF/FVIIa/FXa pelo inibidor da via do fator tissular, e inativação proteolítica do FVa e FVIIIa pela proteína C ativada. A trombina, aPC e outras proteases de coagulação regulam a inflamação e a remodelação do tecido.

TF: fator tissular (do inglês tissue factor); a: ativado; F: fator; AT: Antitrombina; TFPI: inibidor da via do fator tissular (do inglês tissue factor pathway

Por fim, segue-se a fibrinólise (hemostase terciária), importante para restaurar a integridade do vaso, sendo mediada pelo ativador do plasminogénio tissular (t-PA) que converte o plasminogénio em plasmina, que por sua vez, degrada a fibrina, podendo ser inativada pela α2-antiplasmina (α2-AP). A fibrinólise é bloqueada pelo inibidor do ativador do plasminogénio (PAI-1), produzido essencialmente pelas células endoteliais (Figura 21) [113].

É necessário que haja um equilíbrio constante entre a coagulação e a fibrinólise, tanto que uma potencial disfunção em qualquer uma das etapas pode levar ao aparecimento de hemorragias ou tromboses, sendo por isso muito importante a avaliação laboratorial da hemostase. Testes específicos devem ser efetuados sempre que se verifiquem alterações nos testes de rastreio, e são necessários para determinar a natureza do defeito.

Equipamento: STA Compact Max® (Figura 22)

Figura 21. Sistema fibrinolítico e inibidores da fibrinólise [115].

PDF: Produtos de degradação da fibrina; PAI-1: inibidor do ativador do plasminogénio, t-PA: ativador do plasminogénio tecidual; u-PA: urocinase; α2-AP: α2-antiplasmina.

Amostra: Plasma citratado, obtido por centrifugação de sangue total colhido para tubo com anticoagulante citrato trissódico 0,109M, a 1500rpm, 10 minutos. Para pedidos de coagulação especiais tem de se proceder a uma dupla centrifugação da amostra para se obter plasma pobre em plaquetas. A contagem de plaquetas é efetuada no equipamento dos hemogramas, sendo que apenas se processam os plasmas que apresentarem um valor de plaquetas inferior a 5x109/L; se o valor obtido for superior procede-se a uma nova centrifugação.

O STA Compact Max® é concebido para auxiliar no diagnóstico de distúrbios hemostáticos ou na monitorização da terapêutica anticoagulante. Possui 2 tecnologias fundamentais: o princípio de medição por cronometria e o princípio de medição por fotometria

[116].

O princípio de medição por cronometria consiste na deteção mecânica do coágulo, em que se mede a variação da amplitude de oscilação da esfera, através de sensores indutivos. Cada cuvete de reação possui uma esfera metálica que apresenta um movimento pendular obtido graças a um campo eletromagnético alternativo criado por 2 bobinas independentes. À medida que a viscosidade aumenta, devido à formação do coágulo de fibrina, a amplitude de oscilação diminui, sendo medido o tempo, em segundos, que o coágulo demora a formar-se (Figura 23)

[116].

O princípio de medição por fotometria é o principio de deteção das análises cromogénicas (reacção enzimática) ou imunoturbidimétricas. Baseia-se na determinação da absorvência (densidade ótica) de uma fonte de luz monocromática (405 ou 540nm) que posteriormente é convertida em concentração, pela aplicação da Lei de Lambert-Beer [116].

No laboratório, diversos parâmetros são determinados para avaliar a hemóstase.

8.4.1. Determinação do Tempo de Protrombina

O tempo de protrombina (TP) é utilizado para monitorizar a terapêutica com anticoagulante oral, controlo da síntese hepática e na avaliação da presença de distúrbios na cascata da coagulação ao nível da via extrínseca e comum (Tabela 13) [118].

Método: Cronométrico [119]

Na presença de tromboplastina cálcica é medido o tempo de coagulação do plasma do doente [119].

Valores de Referência: 12,8-15,70seg; 74,8-106,5%

Na tentativa de obviar a enorme discrepância entre os diferentes tipos de testes que avaliam o TP, a OMS preconizou o uso do Índice Internacional Normalizado (INR, do inglês

International Normalized Ratio) para padronizar os resultados do teste. Para o cálculo do INR

os fabricantes da tromboplastina fornecem o International Sensitivity Index (ISI) [120]: 𝐼𝑁𝑅 = ( 𝑇𝑃 𝑈𝑡𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑒𝑚 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑛𝑑𝑜𝑠

𝑇𝑃 𝑅𝑒𝑓𝑒𝑟ê𝑛𝑐𝑖𝑎 𝑒𝑚 𝑠𝑒𝑔𝑢𝑛𝑑𝑜𝑠)

𝐼𝑆𝐼

8.4.2. Determinação do Tempo de Tromboplastina Parcial Ativada

O tempo de tromboplastina parcial ativada (aPTT, do inglês, activated partial

thromboplastin time) avalia a via intrínseca e comum da cascata da coagulação, sendo também

utilizado na monitorização da terapêutica com heparina (Tabela 13) [118]. Método: Cronométrico [121]

Na presença de cefalina (substituto plaquetário), caulino (ativador do fator XII) e cloreto de cálcio é medido o tempo de coagulação do plasma [121].

8.4.3. Determinação do Tempo de Trombina

O tempo de trombina (TT) avalia o tempo de conversão do fibrinogénio em fibrina [118]; no entanto, não sofre alterações em situações de défices de fator XIII (fator estabilizador da fibrina) (Tabela 13) [122].

Método: Cronométrico [122]

Na presença de uma determinada quantidade de trombina cálcica é medido o tempo de coagulação do plasma [122].

Valores de Referência: 11-16seg

8.4.4. Determinação do Fibrinogénio

Glicoproteína de fase aguda positiva, sintetizada a nível hepático, presente em grande quantidade no plasma, fundamental para a formação do trombo de fibrina (Tabela 13) [118].

Método: Cronométrico (método de Clauss) [123]

Na presença de um excesso de trombina, o tempo de coagulação de um plasma, diluído em proporções adequadas, depende diretamente do nível de fibrinogénio plasmático [123].

Valores de Referência: 2-4g/L

8.4.5. Determinação do Anticoagulante Lúpico

Imunoglobulinas dirigidas contra complexos fosfolípidos/proteínas, com ação procoagulantes. interferindo com teste laboratoriais dependentes de fosfolípidos. Encontra-se associado a doenças auto-imunes, tromboses e abortos recorrentes, sendo que a sua presença pode ser transitória ou persistente [125].

Método: Cronométrico [125]

O teste de screening é realizado na presença de uma baixa concentração fosfolípidos, em que na presença de anticoagulante lúpico o tempo de coagulação será prolongado. Posteriormente, o teste confirmatório é realizado com uma concentração mais elevada de

fosfolípidos que neutralizam os anticoagulantes lúpicos presentes no plasma a testar, e consequentemente o tempo de coagulação será mais curto, comparativamente ao teste de screening [125].

Os reagentes contêm fosfolípidos, cálcio, um inibidor da heparina e veneno de víbora Russell (um ativador do fator X que na presença de cálcio desencadeia a coagulação, eliminando as interações dos fatores da via intriseca e extrínseca) [125].

Valores de Referência: Negativo ou Positivo (rácio superior a 1.2)

8.4.6. Determinação da Antitrombina III

Gliciproteína de síntese hepática, responsável pela inibição de diversos fatores da coagulação, nomeadamente os fatores IIa (trombina), IXa, Xa, XIa, XIIa, sendo esta reação acelerada pela presença de heparina [126].

Os défices de antitrombina III podem ser hereditários ou adquiridos, podendo ocorrer em situações de CIVD, síndromes nefróticos ou alterações hepáticas [126].

Método: Cromogénico [126]

Primeiro ocorre a incubação do plasma com heparina e um excesso de trombina. De seguida, é medida a trombina residual, pela sua atividade amidolítica no substrato cromogénio. A libertação de paranitroanilina é medida a 405nm. A quantidade de trombina neutralizada é proporcional à quantidade de antitrombina presente no meio [126].

A quantificação não é influenciada pela heparina terapêutica [126]. Valores de Referência: 80,0-130,0%

Tabela 13. Teste de primeira linha para investigação de alterações hemostáticas

(Adaptado de [124]).

Parâmetros doseados

Condições

TP aPTT TT Fibrinogénio Contagem

Plaquetas

N N N N N

Hemostase normal

Disfunção plaquetária (congénita ou adquirida) Défice de FXIII

Défice/doença leves da coagulação Distúrbios fibrinolíticos

Distúrbios vasculares

N N N N

Défice FVII (congénito ou adquirido) Anticoagulante oral (cumarínicos) Doença hepática crónica

N N N N

Défice de fatores da via intrínseca (congénito ou adquirido)

Doença de von Willebrand (défice de FVIII) Anticoagulante lúpico

Terapêutica com heparina

N N N

Défice de Vitamina K Anticoagulantes orais

Défice de fatores da via intrínseca e extrínseca Doença hepática

N/Anormal N

Altas doses de heparina Doença hepática

Disfibrinogénia ou Hipofibrinogenémia Inibição da polimerização da fibrina Hiperfibrinólise

N N/Anormal Doença hepática

Doença hepática aguda CIVD

8.4.7. Determinação da Proteína C ativada

Proteína de síntese hepática, vitamina K-dependente, que se encontra no plasma na forma de pro-enzima, sendo ativada na presença da trombina, cálcio e fosfolípidos. Esta ativação é potencializada por um fator endotelial, a trombomodulina. Quando ativada e na presença da proteína S, regula o processo de coagulação, neutralizando os fatores Va e VIIIa. A sua ação é inibida pelo inibidor da proteína C ativada e pela α1-antitripsina [127].

Os défices de proteína C podem ser congénitos, que se traduzem essencialmente na trombose venosa com recidivas, ou adquiridas, podendo ocorrer pela presença de doença hepáticas, tratamento com medicamentos anti-vitamina K e CIVD [127].

Método: Cromogénico [127]

Na presença de um ativador específico, a proteína C presente no plasma é ativada. A quantidade de enzima formada é doseada pela sua atividade amidolítica sobre um substrato sintético. A libertação de paranitroanilina é medida a 405nm [127].

Valores de Referência: 70,0-130,0%

8.4.8. Determinação da Proteína S Livre

Proteína plasmática, vitamina K-dependente, sintetizada no fígado, que atua como cofator da proteína C ativada, amplificando a sua ação anticoagulante [128].

Os défices em proteína S predispõe a um estado de hipercoaguabilidade que aumenta o risco de doença tromboembólica, os quais podem ser de origem congénita ou adquirida, e podendo estar associados a síndromes inflamatórios, alterações hepáticas, síndrome nefrótico, contracetivos orais e tratamentos com medicamentos anti-vitamina K [128].

Método: Imunoturbidimétrico [128].

As microesferas de látex possuem anticorpos monoclonais específicos para a proteína S; na presença da proteína S livre, no plasma a testar, ocorre a aglutinação destas microesferas, elevando a turvação da mistura reacional, medida por fotometria [128].

8.4.9. Determinação dos D-Dímero

Ao nível do trombo, a fibrina é degradada pela plasmina em D-Dímeros, que testemunham a atividade fibrinolítica, secundária a ativação da coagulação, sendo útil a sua determinação para a exclusão de tromboembolismo venoso, quando o seu valor é inferior a 500 µg/L. Também se verifica o aumento dos D-Dímeros na CIVD, períodos pós-operatórios, neoplasias, hemorragias e patologias infeciosas graves [129].

É recomendado a determinação dos D-Dímeros antes de se iniciar qualquer terapêutica anticoagulante [129].

Método: Imunoturbidimétrico [129]

As microesferas de látex possuem anticorpos monoclonais específicos para D-Dímeros; na presença de D-Dímeros, no plasma a testar, ocorre a aglutinação destas microesferas, elevando a turvação da mistura reacional, medida por fotometria [129].

Valores de Referência:0-500µg/L

8.4.10. Fator von Willebrand

Glicoproteína sintetizada pelas células endoteliais e macrófagos. Desempenha um papel preponderante na adesão das plaquetas ao sub-endotélio vascular e na formação de trombos pela sua ligação aos complexos glicoproteicos Ib/IX e IIb/IIIa. Também intervém na hemostase secundária como transportador do fator VIII, protegendo-o da degradação [130].

O défice de factor von Willebrand está associado à doença de von Willebrand; no entanto, outras patologias podem levar à diminuição deste fator, nomeadamente mieloma, linfoma e lúpus sistémico eritematoso. O aumento desta glicoproteína ocorre sempre que o epitélio vascular é lesado [130].

Método: Imunoturbidimétrico [130]

As microesferas de látex possuem anticorpos específicos para o fator von Willebrand; na presença do fator von Willebrand, no plasma a testar, ocorre a aglutinação destas microesferas, elevando a turvação da mistura reacional, medida por fotometria [130].

Valores de Referência: Grupo sanguíneo O: 42.0-141.0%; 0.42-1.41UI/mL e Grupo sanguíneo A, B e AB: 66.1-176.0%; 0.66-1.76UI/mL

8.4.11. Fator VIII

Glicoproteína sintetizada no fígado, baço, rins e linfócitos, que circula no plasma ligado ao fator de von Willebrand (ligação não covalente). Pode ser ativado pela trombina e pelo fator Xa. O fator VIIIa acelera a ativação do fator X, na presença do fator IXa, fosfolípidos e cálcio

[131].

Encontra-se diminuído na Hemofilia A, na presença de inibidores específicos do fator VIII, e nalgumas doenças como a de von Willebrand. No entanto, pode estar aumentado em complicações tromboembólicas, aterosclerose coronária, insuficiência renal, diabetes e síndromes inflamatórios [131].

Método: Cronométrico [131]

Na presença de cefalina e do ativador, é determinado o tempo de coagulação de um sistema onde todos os fatores são presentes em excesso, à exceção do fator VIII da amostra a testar [131].