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Gestão democrática nas escolas do ensino básico em Moçambique e a

ANÁLISE DOS DADOS

No que concerne à participação dos professores na gestão da escola A, estes foram unânimes em afir- mar que têm participado na resolução dos conflitos relacionados com vandalização da escola devido à falta de vedação. Um dos professores afirmou que “participa na resolução de assuntos relaciona-

dos com a gestão de material, do património escolar”. Esta situação espelha bem a participação dos

professores ao nível da escola.

Como forma de obter mais informações concernentes à participação mas com incidência para per-

cepção do grau de participação, 2 (dois) Professores responderam ser boa5, e os três (3) restantes

mostraram alguma descrença/reserva. Um dos três (3) professores disseram “eu avalio o meu grau

de participação como bom”. Os outros 2 professores referiram: que “tenho uma boa participação...”

De acordo com as questões acima respondidas, a informação sobre o grau de participação pode ser considerado não fiável, uma vez que os entrevistados responderam de forma reticente.

E quando abordados sobre implementação da democracia como forma de gestão da escola, os en- trevistados afirmaram que esta é feita partir da liberdade de expressão. É importante ressaltar que a liberdade de expressão pode não reflectir a realidade na medida em que muitos contribuem mas, nem sempre as suas ideias, são levadas em conta. O processo de observação no terreno mostrou que a liberdade é aparente pois, alguns dos professores temeram por represálias, caso as suas respostas fossem mal entendidas, como também, precisaram de autorização para responder às questões da pesquisa.

Questionados os os professores da escola B sobre a participação, estes explicaram que a participação deles não estava a nível da gestão da escola, mas, da gestão do processo pedagógico com a elaboração das planificações quinzenais, planos de aula, e outros. Acrescentaram que a comunidade participa em projectos pedagógicos desenvolvidos pela escola.

Os alunos foram questionados se têm participado nos conselhos de escola, de forma a aferir a sensi- bilidade destes em relação à gestão da instituição, estes foram unânimes em afirmar que nunca fo- ram convocados e nem participam dos conselhos de escola. Tal como se pode observar nas respostas “eu participei no concurso de poesias”, disse um dos alunos. E um segundo aluno afirmou: “a minha

participação foi na redacção para a escola”. O terceiro aluno respondeu: “Nunca participei”. Pelas

suas respostas, os alunos demonstram que respondem às preocupações da escola. E como advoga Freire, mencionado por Lima (2002:87)

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“As organizações são os centros educativos democráticos, são vistos como espaços de educação crítica, de participação e de cidadania, momentos de revitalização da esfera pública. Os mesmos são abertos e possibilitam a participação de educadores e educandos, pais e mães e de outros membros da comunidade local. Não se pre- tende uma participação encenada ou reduzida ao formalismo e à rituais eleitorais de forma periódica, ou ainda de uma participação subordinada, quer dizer, sujeita à vigilância e controlo. Fala-se de uma participação real, verdadeira, interventiva no processo de tomada de decisões para o alcance dos resultados, do processo educa- tivo e da prática pedagógica”.

Os alunos adiantaram que têm participado apenas em algumas actividades curriculares e extra-cur- riculares que a escola tem organizado. Isto mostra que há uma certa ignorância na designação da estrutura da gestão da escola são em função dos elementos que fazem parte do dia-a-dia da escola. Quer dizer, a participação na gestão da escola para os alunos não pode ser vista apenas nas acti- vidades extra-curriculares, embora se demonstre aqui o princípio de democraticidade no seio da instituição de ensino.

Os representantes do C.E. da escola A, responderam que tem sido normal a participação, embora, alguns não respeitem o regulamento da escola, como tal, tenta-se em conjunto resolver as diferenças. E, alguns representantes do CE a escola B adiantaram que se têm discutido os problemas que apo- quentam a escola como a questão de carteiras e construção de salas. Uma mãe encarregada de edu- cação disse que participou dos encontros da escola como mãe de turma onde se discutiu a compra de materiais, construção da escola, disponibilidade de material para os professores. Esta salientou ainda que aquele era o segundo ano em que participava como membro do CE.

Outros pais e encarregados de educação refereriram que a sua participação na escola depende da direcção que organiza os encontros com os diversos parceiros da gestão escolar. E a sua participação reflecte as dificuldades visíveis em relação à falta de bens como carteiras, livros, e outros materiais importantes para o processo de leccionação.

O Presidente do Conselho da escola confirmou-nos em entrevista que os pais e encarregados de edu- cação participam do dia da abertura do ano lectivo e os professores fazem reuniões com os mesmos para informar sobre o aproveitamento dos seus educandos apenas.

Para a directora pedagógica, a direcção da escola é quem faz o trabalho do CE como se pode obser- var nas suas expressões “em relação a algumas decisões, elas são tomadas pela comunidade e nós

colocamos os problemas”. “Nós enquanto direcção propomos ideias para a sua resolução”. E, por

seu turno, um dos directores da escola informou em entrevista nos seguintes termos “a escola para

não ter de parar com as actividades normais […] procura sempre resolver os problemas conforme a realidade”. Esta perspectiva significa que os problemas da escola não podem ficar a mercê de um

conselho que pouco se reúne pois, não existe uma consciência sobre o papel do Conselho de Escola na gestão democrática da escola.

Por outro lado, o director da escola informou ainda que as pessoas esperam ter algum subsídio6. Esta

situação pode constituir uma das causas da ausência de membros que se queiram voluntariar para o conselho de escola, uma vez que os problemas de pobreza no distrito fazem com que, as comunidades procurem actividades rentáveis para sobreviver no dia-a-dia. “O indivíduo delegado para ser re-

presentante do Conselho de Escola deveria ter um vínculo formal e legal com a instituição pois, se observa a existência de dificuldades na presença quanto à participação nos encontros de agenda”,

finalizou o director da escola. A directora pedagógica avança que falando de pai para pai assiste-se alguma comunicação, mas, a participação não se faz sentir pois, a maioria não está lá presente para os encontros.

Há um desconhecimento por parte dos entrevistados em relação à forma como se caracteriza a de- mocracia. É importante reafirmar que no âmbito da gestão educacional o processo de tomada de decisão representa um meio de reafirmar valores e legitimar a actuação daqueles que participam da mesma.

A partir do envolvimento no processo de tomada de decisão, os actores sociais têm acesso às infor- mações e desenvolvem valores inerentes à escola e entorno desta, construindo assim uma identi-

6 Quando se fala da participação, um dos grandes males que tem apoquentado as comunidades na medida em que os incentivos materiais são um dos elementos integrados em diferentes programas implementados pelo Governo. E como tal, elas não vem na participação interactiva, funcional ou de Auto-mobilização como mais-valia na relação escola- comunidade.

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dade comum legitimada por meio das decisões que tomam de forma colectiva. A este respeito Paro (1992:271) defende que a “participação deve ser analisada em diversas dimensões, pois apresentam elementos determinantes de uma fraca participação como as reais condições de vida da população e à medida que tais condições proporcionam tempo, condições materiais e disposição pessoal para participar”.

Com isso, pode-se inferir que para garantir maior participação torna-se necessário perceber

o “modus vivendi” da comunidade à volta da escola. Neste sentido, é importante ter uma educação que se centre na realidade local dos alunos, para que estes possam ter interesse nos estudos e pos- sam compartilhar com os encarregados de educação, e para que estes possam ajudar nas suas tarefas educacionais.

A directora da escola B, falando em relação aos interesses da comunidade na participação dos pro- jectos pedagógicos desenvolvidos na escola, disse que ao exemplo do projecto “não à violência” im- plementado na escola, viu-se uma maior participação das comunidades pois, este projecto incluía na disseminação da mensagem, a presença das comunidades como prorrogativa. Quer dizer, para a sua participação no projecto, estes foram instados a fazerem parte. Mas, no decorrer da entrevista, percebeu-se que as comunidades não demonstram interesse em participar na resolução de conflitos a nível da escola, esperando que a mesma (escola) resolva. “Para as comunidades, as iniciativas de

abraçar projectos desta natureza é sempre bem-vindo, a questão tem a ver com a sua presença nestas actividades” (a entrevistada).

Parece-nos que não basta se afirmar que se abre espaço para que os outros participem, é necessário que se sensibilize os diversos intervenientes do Conselho de Escola demonstrando os aspectos posi- tivos que o órgão desempenha na boa gestão da escola.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com a aprovação da constituição da república de 1990 em Moçambique, abriu-se uma nova página no panorama político-social, na medida em que se assistiu a uma mudança na gestão estatal. Estas mudanças levaram a aprovação de instrumentos que possibilitaram uma maior participação da so- ciedade civil moçambicana em paralelo com o estado, abrindo espaço para a gestão democrática. Para o caso da educação, com a adopção do quadro democrático, a política educacional reformula- da com vista a adequar-se à nova realidade, onde as decisões não pertencem agora, a um pequeno grupo de iluminados, mas, a maioria que tem interesses na gestão do ensino. A aprovação de um novo sistema nacional resultou da preocupação de se adequar o SNE 6/92 a realidade nacional onde o Estado deixou de ser o único provedor do ensino , mas, abriu espaço para outras entidades que se interessavam por estas matérias.

Entretanto, os dois casos estudados, testemunham a constatação inicial de que a democraticidade em Moçambique e a participação da comunidade nas escolas do ensino básico é um processo. Por exemplo, a comunidade representada pelos CE nas escolas não funciona devidamente, estes não fo- ram criados para a Democracia, mas criados no sentido do Estado poder responsabilizar as escolas. Ora, a partir das respostas colhidas, nota-se que ao nível das escolas, podem existir o orgão de gestão escolar, o CE e alguns representantes. Contudo, na sua optimização como um órgão coeso para a resolução dos problemas da instituição não passam por uma maior representatividade e esta é feita com a solicitação dos encarregados de educação e dos representantes da comunidade.

A realização das actividades deste órgão fica por conta da direcção da escola pela ausência constante do representante da comunidade ou dos encarregados de educação, ou ainda do presidente do órgão, quando se procura realizar uma actividade que interessa o CE.

Da análise feita às entrevistas, percebeu-se que a gestão da escola na EPC “A”, particularmente a gestão finaceira continua a ser um dos grandes problemas do momento, na medida em que para a escolha dos melhores mecanismos de apetrechamento da entidade escolar, não é tida em conta a participação do órgão, ou seja, do Conselho de Escola. E o director, muita das vezes, aparece como o responsável pela gestão dos fundos, o que não nos parece correcto, pois o grande desafio do gestor é permitir maior envolvimento dos actores escolares nas discussões sobre as demandas.

Por outro lado, a inexistência de um plano estratégico de funcionamento deste órgão faz com que não haja tanto interesse e um melhor desempenho do CE na gestão do processo educacional nas escolas em estudo, pois a planificação de actividades apresenta-se como um dos indicadores de organização e gestão da escola.

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2019 A partir dos argumentos e respostas obtidas dos diversos intervenientes nas EPCs A e B, analisa-se que o processo de democratizaçao ainda se encontra na fase de construção para que cada um saiba

qual é o seu papel na gestão da escola, para o caso deste estudo.

Mais ainda, não se tem uma cultura de participar nos encontros de abertura do ano lectivo que pode- riam ser, a nosso ver, no início de construção de CE mais fortes e, com isso, uma participação deste na gestão de todo o processo ligado a escola. Pois, não se deve dar direcção do C.E. a uma pessoa que tem outras tarefas para além de estar presente nas actividades decorrentes nas escolas.

Uma das conclusões a reter do estudo é a de que no processo de gestão escolar houve, sempre, um número reduzido de membros a participar dos encontros do Conselho de Escola. Com efeito, esta situação tira o mérito dos que reuniram para a resolução dos problemas que afectam a escola a que estão afectos. Embora a participação possa ser vista como interactiva, passiva, comunitária dentre outras características, para o caso em apreço ela não se valeu do número exigido pelo Manual de Apoio ao Conselho de Escola, mas, pela inicitiva dos actores que se interessam pela educação dos seus filhos nas escolas em estudo.

Logo, não interessa saber muito sobre o funcionamento do Conselho de Escola tendo em conta o grau ou nível de participação, mas saber a razão do seu não funcionamento, de modo a garantir que sejam salvaguardados os interesses de todos os actores envolvidos. Desta pode-se aventar algumas hipóteses, a saber:

1. A escolha do director é feita por de confiança política.

2. As comunidades preferem se dedicar às suas actividades quotidianas do que à resolução dos problemas na escola porque não vêm um benefício imediato do mesmo nas suas vidas.

3. O nível de analfabetismo ao nível dos distritos faz com que alguns actores não se envolvam nos grupos formados para a análise dos problemas da comunidade escolar.