• Nenhum resultado encontrado

Análise das Entrevistas

No documento Por outra psicologia da outra surdez (páginas 176-197)

4. AQUISIÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA PELOS SURDOS

6.2 Análise das Entrevistas

O caráter informativo das entrevistas não dá muito espaço para interpretações, de modo que a análise consistiu principalmente na indexação dos temas em torno de categorias previamente definidas ou que surgiram a partir do contato com o material produzido. Realizei uma escuta flutuante das entrevistas e a transcrição de trechos considerados mais relevantes para os objetivos da pesquisa. As análises foram enviadas aos entrevistados, que puderam validar, corrigir ou acrescentar o que julgassem necessário.

A apresentação dos dados organiza-se em torno de três eixos. Os dois primeiros são o Saber e o Fazer dos psicólogos com as pessoas surdas, os quais, contudo, não existem na prática de forma separada. Sob o rótulo de Saber, elenco considerações acerca das teorias e conceitos empregados pelos profissionais, bem como apresento temas em que há ainda pouco material disponível. Além disso, trago suas considerações acerca daqueles que seriam os conhecimentos e habilidades necessários ao profissional, para trabalhar com o público surdo, e acerca dos diálogos que estabelecem com outros campos de estudo. No que diz respeito ao Fazer, descrevo aspectos da prática cotidiana dos profissionais em três contextos específicos: instituição educacional, hospitalar e clínico. O terceiro eixo diz respeito às especificidades do desenvolvimento da pessoa surda. Considerações acerca das diferentes realidades experienciadas nos dois países são pontuadas ao longo da apresentação dos dados.

6.2.1 O saber do psicólogo no trabalho com a pessoa surda

Além da graduação em psicologia, não há uma exigência de formação àqueles que desejam trabalhar como psicólogos de surdos. De modo geral, os profissionais entrevistados foram construindo seu saber sobre esse trabalho a partir da prática e buscando formação complementar para lidar com as demandas cotidianas. Conhecimentos de diversos campos contribuem para sua formação, bem como os saberes construídos em diferentes especializações da própria psicologia.

43

Está sendo gestado, junto aos profissionais entrevistados, o projeto de organização de um livro no qual suas entrevistas sejam publicadas, após trabalho de adaptação formal.

Nas entrevistas, os profissionais relataram seu contato com a surdez e seu percurso formativo, elencando conceitos e teorias sobre os quais se apoiam. Além disso, foram convidados a refletir sobre os conhecimentos e habilidades que consideram indispensáveis à prática com essa população. As informações foram organizadas em três subcategorias: percurso e formação, conhecimentos e habilidades, e produção científica. Nem todos os profissionais trouxeram informações sobre cada um desses temas.

Percurso e Formação

Com relação à formação, há uma grande variação entre os profissionais entrevistados. Três delas tiveram seu primeiro contato com a surdez ainda na graduação, como estagiárias das instituições em que depois viriam a trabalhar como psicólogas. Uma profissional já era formada em fonoaudiologia e teve seu primeiro contato com surdos como fonoaudióloga. Uma das entrevistadas fez especializações em psicopedagogia, neuropsicopedagogia e em saúde perinatal, impulsionada pelas questões com as quais lida na prática cotidiana. Dois profissionais realizaram suas pesquisas de mestrado e doutorado sobre o tema. De um modo geral, os profissionais relatam um apaixonamento pelo trabalho com a surdez a partir do primeiro contato. Essa captura ora se dá pela dimensão afetiva, ora pelos desafios intelectuais e éticos que são suscitados pela prática.

Nicole Farges e Alix Bernard se aproximaram da surdez em um momento histórico de grande importância para os surdos franceses, hoje chamado de Réveil Sourd, que aconteceu a partir da década de 1970. Segudo Minguy (2014), o despertar surdo na França foi deflagrado pelo contato com os surdos americanos, que dispunham de uma língua consolidada, a American Sign Language – ASL, com inserção nas escolas e nos meios de comunicação, além de uma rica experiência cultural em língua de sinais.

Na década de 1970, a educação de surdos na França, outrora inspiração para a própria educação de surdos nos Estados Unidos, ainda operava segundo as determinações do Congresso de Milão, ocorrido em 1880, que baniu a utilização das línguas de sinais como língua de instrução. Pelo menos duas frentes foram fundamentais para as transformações que se operaram a partir do Réveil Sourd: o retorno da língua de sinais que, apesar da proibição, continuava sendo usada entre os surdos, e o início de uma produção cultural nessa língua, com destaque para o teatro (BOUCHAUVEAU, 1989; MINGUY, 2014).

Segundo Bouchauveau (1989) e Minguy (2014), Bernard Mottez, sociólogo francês, e Harry Markowicz, sociolinguísta americano, tiveram um papel essencial na revalorização da língua gestual e no seu reconhecimento enquanto Langue des Signes Française (LSF), que não existia como tal até o final da década de 1970. Além disso, trouxeram um aporte sociopolítico para a compreensão da educação de surdos e da concepção social da surdez.

Alix Bernard fala do impacto que teve o contato com as ideias desses dois autores sobre sua forma de compreender a surdez. Em suas palavras: “Eles pensavam a surdez como uma relação, que implicava tanto a pessoa surda como a pessoa ouvinte. Então, eles incitavam a pensar a relação. Pra mim, foi verdadeiramente fundamental. Isso me confortava em relação a tudo o que eu já tinha lido”. Alix Bernard reconheceu no trabalho dos dois o prazer e a familiaridade que ela sentia em estar perto dos surdos, e que se contrastava com a postura que percebia mesmo entre outros profissionais.

De fato, ela percebia entre muitos profissionais maneiras de considerar as crianças surdas como seres radicalmente diferentes. O mesmo estando presente nos escritos científicos de diversos pesquisadores, que pareciam lhes fixar em uma sintomatologia patológica apresentada como seu estado específico. Essas duas posturas compartilhavam como ponto comum imputar às crianças surdas uma espécie de natureza, que, por um lado, não levava em conta o contexto médico-educativo em que foram criadas e, por outro, tinha o efeito de mantê- las distantes. Ora, para Alix Bernard, Mottez e Markowicz não apenas se interessavam pelo encontro entre surdos e ouvintes, como sublinhavam igualmente o impacto da educação de surdos no seu modo de existir, e consideravam essa educação como uma relevante escolha política44.

No âmbito da produção cultural, Bouchauveau (1989) e Minguy (2014) ressaltam a importância da estada em Paris do ator surdo estadunidense Alfredo Corrado, que promoveu apresentações e cursos, culminando com a criação, em 1977, do International Visual Theatre, IVT. O IVT funciona até hoje como um “lugar de recurso dedicado à pesquisa artística, linguística e pedagógica sobre a língua de sinais e as artes visuais e corporais”, segundo site oficial da instituição45.

44

Sobre esse tema a entrevistada remete ao relatório produzido por B. Mottez e H. Markowicz, Intégration ou

droit à la différence. Les conséquences d'un choix politique sur la structuration et le mode d'existence d’un groupe minoritaire, les Sourds, Rapport Cordes, Centre d'Etude des Mouvements Sociaux, Paris, 1979.

45

Nicole Farges fala com emoção de suas memórias sobre essa experiência: “Foi pioneiro, foi um movimento, foi forte. Então, íamos lá (apresentações do IVT no Chateau de Vincennes) e nós éramos tomados pela emoção, porque estávamos em um movimento de liberação dos surdos.” Embora reconheça o caráter enriquecedor dessa vivência para sua vida pessoal e para sua compreensão acerca do mundo dos surdos, além de sua importância histórica, ela entende que o tempo do militantismo já passou.

Tanto ela, quanto Alix Bernard, falam da importância de superar a dicotomia radical e partidarizada entre a língua de sinais e o oralismo para avançar em uma compreensão menos simplificadora sobre a surdez. Na sua tese de doutorado, Alix Bernard questiona a enorme paixão investida pelos profissionais acerca dessa polêmica educativa e explora a hipótese de que o posicionamento em um dos dois lados “pode funcionar como uma ideologia que permite encontrar sentido, encontrar aliados, encontrar sentido para o vivido, e encontrar, talvez, uma proteção”. Ela vai se perguntar, portanto, sobre o quê, no contato com o surdo, deflagra essa necessidade de autoproteção, sobre a forma como os profissionais são tocados, consciente e inconscientemente, por esse contato, e sobre as maneiras pelas quais buscamos nos defender, individual e coletivamente.

No Brasil, temos muito a aprender com o relato sensível e lúcido dessas duas profissionais experientes no trabalho com a surdez, sobretudo no sentido da superação de posturas partidarizadas, em que o sujeito surdo perde-se em meio a discussões não dialógicas. Para Benoit Virole, o militantismo surdo teve sua razão de ser e foi responsável por mudanças significativas, em especial quanto à legitimação dos surdos e da língua de sinais, porém, continuar no militantismo traz efeitos perversos e prolonga uma posição de vítima que não cabe mais na realidade atual do país. Seguindo a proposta de Alix Bernard, em sua tese, talvez tenhamos chegado ao momento de nos confrontarmos com uma interrogação profunda acerca de como esse contato nos toca, pessoalmente, a cada um de nós.

Com seus percursos particulares, percebo que os profisionais que trabalham com surdos não têm como escapar da multiplicidade de demandas que seu campo de trabalho lhes apresenta. Vejamos o exemplo de R. G. que, sempre na mesma instituição, estagiou com a psicóloga que atuava no jardim de infância; ao ser contratada, trabalhou com estimulação precoce, com crianças de 0 a 4 anos; em seguida, passou a fazer um trabalho mais focado nas famílias, em especial com relação à sua aceitação da deficiência; depois, assumiu o trabalho de orientação dos profissionais da equipe e hoje atua também em parceria com a psicopedagoga, com foco na alfabetização das crianças.

Entre os psicólogos entrevistados, o conhecimento da língua de sinais é bastante variado, desde a fluência, até o desconhecimento. Duas entrevistadas referem que cursos dessa língua são oferecidos na própria instituição em que atuam, para todos os funcionários. De modo geral, as profissionais que trabalham em instituições dizem que essas oferecem muitas oportunidades de formação continuada e aprimoramento.

Conhecimentos e habilidades

Os quatro profissionais franceses entrevistados apontam a psicanálise como referencial teórico de base para seu trabalho, embora afirmem recorrer a outros saberes. A. M. fala da pouca quantidade de produção teórica que trate especificamente da surdez, de modo que recorre aos conceitos gerais da sua formação clínica, em particular as teorias da Psicologia do Desenvolvimento e Psicologia da Infância. No momento da entrevista ela estava cursando uma formação em Psicoterapia Breve sob Hipnose, que, segundo ela, tem sido empregada, com bons resultados, entre pessoas surdas.

Segundo Nicole Farges, a equipe da instituição em que atua conta com muitos profissionais que têm formação em Neuropsicologia, de modo que os conhecimentos desse campo trazem contribuições para o trabalho realizado. No entanto ela ressalta que são neuropsicólogos com uma formação de base em Psicanálise, que marca sua inserção nesse outro campo de conhecimento. Além disso, assim como A. M., ela enfatiza o caráter interdisciplinar do trabalho realizado pela equipe.

Para Alix Bernard, como vimos, além da Psicanálise, a abordagem sociopolítica da surdez e os dados históricos tiveram um papel importante na construção de sua base teórica e conceitual. Ela afirma que o campo disciplinar que mais a ajuda a pensar a surdez são as Ciências Humanas, citando, especificamente, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia e a História, enfim, “aqueles que pensam o campo social”. No âmbito da própria psicanálise, ela se refere, em particular, ao trabalho de Maurice Rey46, que teve um efeito organizador para seu pensamento e prática, ao ajudá-la a compreender, entre outras coisas, como a diferença que a surdez representa se coloca em cena como uma forma de ser, de maneira semelhante e aos mesmo momento em que o sujeito deve enfrentar as questões da diferença entre os sexos e entre gerações, particularmente ao longo da adolescência, por exemplo. Assim, para

46

Desse autor, a entrevistada refere-se especificamente ao artigo Devenir un sourd quand on est (naît) sourd,

Maurice Rey, o Édipo pubertário permite a sobredeterminação das diferenças singulares. Essa ideia, segundo ela, retira o imperativo de que a diferença impressa pela surdez seja sempre algo grave, e aponta como o desejo da criança, que a leva a investir os objetos, a ajudaria a resolver essa questão.

Segundo ela, os momentos propícios à esse “processo de subjetivação”47 são aqueles em que novos encontros se dão (encontro com outro semelhante a si, encontro amoroso, encontro com um filho…), porque é através desses encontros que a deficiência “se encarna” e ganha algum sentido. Ela ressalta, igualmente, seu interesse pela abordagem “existencial” do neurologista Oliver Sacks48, que, ao se interessar pela “experiência interior” dos doentes, nos incita a pensar a deficência não apenas como um déficit, mas também como “uma maneira de ser no mundo”, acentuando os recursos criativos do ser humano para se adaptar a sua condição. Também Benoit Virole afirma que a surdez nos obriga a dialogar com o conjunto das Ciências Humanas49, em busca da construção de um saber transdisciplinar. Ele cita, particularmente, a Línguística, a Ciência Cognitiva, a Antropologia e a Sociologia. Com relação aos aportes da própria Psicologia, Benoit Virole fala da Psicologia da Deficiência, que nos ajuda a pensar fenômenos como o luto dos pais diante do filho deficiente, por exemplo, e refere-se também aos estudos sobre a questão das minorias e sobre as questões identitárias.

Entre as profissionais brasileiras, N. P. tem como referência a abordagem Comportamental, mas pesquisa as abordagens Cognitiva e Sistêmica. Ela orienta seus estudos a partir das situações e demandas cotidianas e afirma compartilhar muito com outros psicólogos, na busca por possíveis intervenções que venham surtir efeitos mais efetivos.

R. G. não faz alusão a um referencial teórico específico, mas possui uma inserção significativa no campo das Neurociências. Porém, mesmo nesse campo, tem pouco contato com o conhecimento produzido, especificamente, sobre a população surda. Ela ressalta a escassa produção científica brasileira sobre o tema, de um modo geral. Como autores que influenciam sua prática, cita o grupo de profissionais do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo, o HRAC/USP, de Bauru, instituição

47

Em referência a Raymond Cahn, L’adolescent dans la psychanalyse. L’aventure de la subjectivation, Paris, PUF, 1998.

48

Oliver Sacks, L’homme qui prenait sa femme pour un chapeau, Paris, Le seuil, 1985 e Un anthropologue sur

Mars, Paris, Le seuil, 1995.

49

Virole escreveu um livro intitulado justamente Surdité e Sciences Humaines, publicado em 2009, por L’Harmattan.

de referência na área de saúde auditiva. Além disso, refere-se a que alguns conceitos da Psicanálise, com os quais teve contato durante um curso sobre saúde perinatal, a ajudam a compreender melhor as questões do luto e da relação inicial entre mãe e bebê.

Além de trazer seu referencial teórico de base, os profissionais apontaram os conhecimentos e habilidades que consideram essenciais ao psicólogo que trabalha com surdos. Houve uma grande variação nas respostas, as quais, contudo, não são contraditórias entre si. Elenco, a seguir, alguns pontos discutidos.

Na visão de N. P., para empoderar o surdo, é preciso saber sobre sua deficiência. Além disso, ela cita o conhecimento dos conceitos básicos do seu referencial teórico e de seu campo de prática, qualquer que sejam eles. Finalmente, considera fundamental conhecer muito sobre estados psíquicos como: estado de consciência alterado, desorientação mental e esquizofrenia, por exemplo, de modo a identificar sua ocorrência e proceder aos encaminhamentos necessários.

R. G., por sua vez, enfatiza a questão da humanização: todo profissional de saúde, que trabalha com família, “tem que ter um lado mais humanizado”. Para ela, é isso que permite reconhecer o outro como pessoa, não como uma deficiência; olhar para cada um na sua subjetividade; não apenas como a mãe de fulano, por exemplo, mas como alguém que precisa ser acolhido nas suas angústias e dificuldades. Ela reforça a importância da habilidade de estabelecer uma relação de confiança, uma relação próxima e afetiva, defendendo que o trabalho com crianças não se faz sem afeto.

Nicole Farges considera fundamental conhecer a língua de sinais, ainda que o profissional não atinja o nível de um intérprete. Na sua experiência, mesmo os surdos que se utilizam bem da língua oral, podem ter momentos em que necessitem da língua de sinais. Além disso, ela pontua a necessidade de ter uma “atenção etnopsi”. Como ela diz: “O surdo não é apenas uma pessoa deficiente – é um mundo, é um povo, é uma cultura, é uma história”. Com os adultos, especialmente, é preciso respeitar a cultura, a língua; quem trabalha com surdos precisa estar à escuta disso, ser sensível ao modo particular de ser dos surdos.

Alix Bernard também salienta a importância de conhecer os aspectos sociopolíticos que marcam a existência dos surdos. Ter informações sobre o mundo em que a criança e, posteriormente, o adolescente teve que se situar ajuda a pensar esse contexto, a maneira como a criança pode apreendê-lo e seus possíveis impactos. Além disso, conhecer a língua de sinais pode facilitar as trocas e a confiança. Levar em conta as características culturais e linguísticas

vai ao encontro da abordagem etno-complementarista proposta por Devereux, e favorece o início dos encontros. No entanto, ela diz conhecer psicólogos que trabalham bem com surdos sem ter entrado previamente em contato com esse saber. Dessa forma, ainda que desejável, esse não seria um conhecimento imprescindível. O que é imprescindível é a sensibilidade para escutar e se interrogar acerca do que as vivências representam, subjetivamente, para cada pessoa. Nesse sentido, o trabalho com surdos não se diferencia, necessariamente, do trabalho com qualquer sujeito.

Nessa mesma direção, Benoit Virole considera que a primeira exigência é ter uma formação sólida em psicoterapia, uma vez que a análise de um surdo é, antes de tudo, a análise de um ser humano, as especificidades da surdez vêm em seguida. Como Nicole Farges, ele considera essencial conhecer o meio, ter alguma compreensão do que é ser um surdo em um contexto dado. Em seguida, é importante conhecer a surdez desde o ponto de vista médico, suas características orgânicas e as intervenções implementadas, bem como ter noções de audiofonologia. Acrescenta ainda que é preciso conhecer bem a heterogeneidade da surdez, para adotar uma posição terapêutica, não reguladora, que receba cada pessoa surda tal como ela é.

Produção científica

O encontro entre a Psicologia e o estudo da Surdez promove trocas que podem ser transformadoras para ambos. Avalio que esse diálogo ainda pode avançar sobre campos e ângulos pouco explorados. Para N. P., a Surdez tem a ensinar à Psicologia sobre todo o campo da ética, dos valores, da moral. Segundo ela, essas são construções que nos chegam pela fala. Os surdos, porém, muitas vezes apenas “estão no ambiente”, não participando ativamente das trocas familiares e sociais e ficando excluídos, portanto, da transmissão dos valores éticos e morais. N. P. acha que a Psicologia precisa refletir sobre essa constituição particular, sobre a supremacia que se dá à fala e sobre a importância dos comportamentos como forma de transmissão.

Já R. G. ressalta que a Psicologia ainda não deu sua contribuição acerca de tudo o que diz respeito à avaliação psicológica da pessoa surda, muito particularmente quanto à avaliação cognitiva. Ela desconhece a existência de um teste que seja pensado para a população surda, a partir de sua especificidade. Mesmo os testes não verbais não são validados e padronizados para essa população, o que afeta a fidedignidade dos resultados. De um modo geral, ela sente

falta de mais trabalhos que tratem da oralização e do implante coclear e sugere a realização de estudos longitudinais, para avaliar o impacto do implante em longo prazo.

Também Benoit Virole considera haver um grande trabalho a ser feito sobre os implantes cocleares e todo tipo de novos impasses que essa intervenção tem gerado. Ele identifica um campo de trabalho aberto, especialmente, para a Psicologia da Percepção, que é ainda pouco conhecida entre aqueles que atuam nos ajustes e acompanhamento dos implantes. Com relação àquilo que a psicologia pode aprender com o estudo da surdez, Benoit Virole fala de um ramo da Psicanálise que idealiza a linguagem verbal e que poderia se repensar a partir do saber acumulado na prática com a linguagem gestual dos surdos. Além disso, ele entende que

No documento Por outra psicologia da outra surdez (páginas 176-197)