• Nenhum resultado encontrado

ANÁLISE DE ALGUNS PASSOS DO CANTO I DO PARAÍSO TRADUZIDOS POR

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 137-159)

La gloria di colui che tutto move per l‟universo penetra e risplende in una parte più e meno altrove.

A glória de quem tudo o mais comove pelo universo penetra e resplende,

e mais, e menos, suas partes move. 3

Comove versus “move”. Na tradução vale ressaltar que a escolha do termo comove é fruto da interpretação haroldiana, que de certo modo cria uma nova imagem. Do mesmo modo com que Dante define o imaginário narrativo e desenvolve uma linguagem poética, o poeta brasileiro, ao traduzir, nomeia em sua língua e acrescenta, ao movimento ínsito no verso, elementos emocionais e elementos intensificadores. Por exemplo, com a escolha de comover, que é um verbo que remonta ao latim cum + movere, e denota um mover com algo que envolve um tu, um outro e desperta nele sentimentos de participação e fortes emoções. Esta característica relacional com o mistério, que perpassa inteiramente a cantiga do Paraíso, é reconhecida pelo tradutor em suas escolhas lexicais. O sujeito do primeiro verso, que é Deus mesmo, é retomado com o termo move no terceiro verso da transcriação e, se considerarmos que a unidade sintática do poema pode ser o terceto, não há quebra ou perda na tradução.

Nel ciel che più de la sua luce prende fu‟ io, e vidi cose che ridire

né sa né può chi di là su discende;

No alto céu, onde mais a luz se incende eu fui, e vi tais coisas, que dizer

não sabe ou pode quem de lá descende; 6

Se considerarmos a poesia dantesca como relato da experiência mística do autor e o fato de que o texto tem um caráter póstumo, ou seja, tradutório, seguindo o raciocínio de Volli, nós reparamos que se

rende necessario a uno sguardo semiotico interrogarsi sempre sui filtri e sui codici che entrano in gioco nella registrazione dell'esperienza mistica. Ne viene un linguaggio peculiare, in un certo senso zoppo, incapace di dirsi interamente e senza riserve (Baldini 1990): un linguaggio che vela più cose di quelle che sveli, che ci dice con i suoi eccessi lessicali, con una fastosa abbondanza di parole che il mistero non può essere reso udibile nel linguaggio.278

No entanto, esta impossibilidade declarada é rompida no momento em que, no plano da diegese, os acontecimentos são narrados, embora reduzidos ao alcance do poeta. Assim, a metáfora se apresenta como recurso utilizado pelo poeta para suprir o caráter por vezes claudicante do discurso. Pierluigi Lia nos introduz na experiência anagógica de Dante comunicada na Comédia:

Il poeta che, nella sua vita, si misura innanzitutto con la forza linguistica dell‟amore, dopo una singolare esperienza mistica, si confronta con l‟ineffabile verità di Dio che si dà a conoscere in una indeducibile esperienza erotica.279

Alto céu versus “ciel”. É a partir da experiência mística que o poeta escreve e o tradutor, ao deparar-se com isso, transcria em sua própria língua através de “excessos lexicais” ou de “abundância de palavras”. É o caso do termo “alto” utilizado por Haroldo e que, porém, o texto de Dante não tem. Este “excesso” adjetival do tradutor na forma de superlativo relativo está a indicar o céu mais alto que é o Empíreo, o céu dos céus. Nesse sentido, Pierluigi Lia assinala que

278 VOLL), Ugo. L ineffabile e l apparizione. In: LEONE, Massimo (Org.). Estasi. Lexia 15-16. Revista de semiótica da Università degli Studi di Torino. Ariccia (Roma): Aracne Editrice, 2014, pp. 13-44. A citação é extraída de p. : para um olhar semiotico, torna-se necessario se interrogar sempre em relação aos filtros e aos códigos que entram em jogo no registro da experiência mistica. A partir disso surge uma linguagem peculiar, de certo modo claudicante, incapaz de se dizer inteiramente e sem reservas (Baldini 1990): uma linguagem que vela mais coisas do que desvelá-las, que nos diz, com seus excessos lexicais, com farta abundância de palavras, que o mistério n~o pode ser tornado audível na linguagem. [tradução minha].

279 LIA, Pierluigi. Dalla visione ineffabile all immaginazione visionaria. La questione della lingua tra il «Paradiso» di Dante e la «chôra» platonica. Annali di studi religiosi. n. 16. Trento: Editore FBK-PRESS 2015, pp. 75-94. A citação é extraída das pp. 75- : O poeta que na sua vida se mede sobretudo com a força linguística do amor, depois de uma singular experiência mística, se confronta com a inefável verdade de Deus que se dá a conhecer em uma indeducivel experiencia erótica . [tradução minha].

“Alto” è termine, per così dire, tecnico della Commedia: ha a che fare con l‟abissalità del mistero della conoscenza, del mistero di Dio, abissalità che attrae e seduce l‟uomo.280

e em nota elenca os momentos em que o poeta utiliza este termo como, por exemplo, que alto é o engenho das Musas (Inf. II, 7) ou que Dante está prestes a fazer com Vírgilio o “alto passo” (Inf. II, 12). Ainda: alto é o mar aberto (Inf. XXVI, 100) onde navega Ulisses que por vezes tenta o “alto passo”, confiando só em suas forças e por isso acaba sendo coberto pelo abisso do mar. Enfim, “alto” é o amor que realiza o mistério da encarnação (Purg. X, 42).

Luz se incende versus “luce prende”. O segundo elemento que transforma a imagem do Empíreo é o verbo “incender”. Haroldo escolhe este verbo em uma acepção pronominal a partir da interpretação do primeiro verso e traz uma nova imagem através da qual é comunicada uma nova informação: o Empíreo (alto céu) é o lugar em que a luz se torna fogo. Esta descrição do Empíreo queimante está presente na Epístola XIII (68), onde está escrito que “Et dicitur empyreum, quod est idem quod celum igne sui ardoris flagransν” (“E é chamado de Empíreo, que é o mesmo que céu que se incende do fogo de seu ardorν”).

280 LIA, Pierluigi. Dalla visione ineffabile all immaginazione visionaria. La questione della lingua tra il «Paradiso» di Dante e la «chôra» platonica. Annali di studi religiosi. n. 16. Trento: Editore FBK-PRESS, 2015, pp. 75-94. A citação é extraída de p. : Alto é um termo, por assim dizer, técnico da Comédia: ele tem a ver com a abissalidade do mistério do conhecimento, do mistério de Deus, abissalidade que atrai e seduz o homem [traduç~o minha].

perché appressando sé al suo disire, nostro intelletto si profonda tanto, che dietro la memoria non può ire. Veramente quant‟ io del regno santo ne la mia mente potei far tesoro, sarà ora matera del mio canto.

porque apressurando-se ao querer

sumo, o intelecto se aprofunda tanto

que a memória não segue o seu correr. 9

Na verdade quanto eu do reino santo

guardado em minha mente ainda entesouro,

será matéria agora do meu canto. 12

Querer sumo versus “disire”. Nesse verso, o enjambement criado por Haroldo de Campos acrescenta ao termo „desejo‟, que seria o correspondente de „desire‟, um efeito poético próprio. Trata-se do efeito de destacar a palavra no final do verso, que se liga à palavra do verso seguinte, criando uma figura de construção. Além disso, a qualidade dos termos escolhidos transcriam o termo italiano “disire”, através da figura retórica da antonomásia. A introdução do adjetivo qualificativo „sumo‟, que é um superlativo irregular, cria a amplificação do conceito a ser expresso e a figura deixa entender que se refere a Deus. Com efeito, nesse verso é descrita a dinâmica que caracteriza a saída da mente de si mesma, o “excessus mentis”, para se elevar além de suas próprias capacidades a fim de entrar na realidade espiritual divina, ou seja, na realidade do espírito rumo à contemplação de Deus mesmo, o “querer sumo” como transcriou Haroldo de Campos.

Correr versus “ire”. Na versão brasileira, o verbo aumenta o efeito da aceleração vertical, movimento marcante da viagem do peregrino no paraíso.

Ainda entesouro versus “tesoro”. Ressalta-se, aqui, a dinâmica da memória que guarda algo. A diferença marcante entre as versões é que no texto em italiano é determinante a capacidade (limitada) da memória de guardar algo marcada com o verbo „poder‟, enquanto na versão brasileira, a presença do advérbio „ainda‟ sinaliza a perda de alguns elementos devido ao tempo passado entre o momento do acontecimento e o momento da escrita.

τ buono Appollo, all‟ultimo lavoro fammi del tuo valor sì fatto vaso, come dimandi a dar l‟amato alloro.

Infino a qui l‟un giogo di Parnaso assai mi fu; ma or con amendue

m‟è uopo intrar nell‟aringo rimaso.

Apolo, eis-me a lavrar o ultimo ouro; por teu valor, repleto como um vaso,

dá que eu colha afinal o amado louro. 15

Bastou-me um cimo apenas do Parnaso até aqui; ambos os dois agora

vai requerer a lide que me aprazo. 18

vai requerer a lide que me aprazo versus “m’è uopo intrar nell’aringo rimaso”. A palavra “aringo” indica o campo cercado no qual se combate o duelo. A metáfora do duelo está a indicar que agora o poeta se prepara para enfrentar seu último desafio que é de falar a respeito do inefável. Haroldo não traduz ao pé da letra, mas poeticamente transpõe a mesma imagem metafórica do desafio.

Entra nel petto mio, e spira tue sì come quando Marsïa traesti della vagina delle membra sue.

Entra em meu peito, inspira-me, vigora com a força que a Mársias imprudente

da bainha da pele expulsou fora. 21

Imprudente – expulsou versus “traesti”. Na Comédia, a unidade métrica é o verso decassílabo e a estrofe é um terceto (ou terza rima) cujas rimas se encadeiam no esquema ABA BCB CDC. Se, no original, o sujeito que realiza a ação é Apolo (a divina virtude), na tradução, é “a força”, e a poderosa imagem criada com o adjetivo “imprudente” (ausente no original) adquire ainda maior potência, além de marcar a diferença entre Mársias e o peregrino, que não desafia, mas roga inspiração.

O divina virtù, se mi ti presti tanto che l'ombra del beato regno

segnata nel mio capo io manifesti,

Ó divina virtude, em minha mente o beato reino assinou seu desenho

qual sombra, e se me dás que o represente, (Haroldo de Campos)

Ó divina virtude me faz presto, Que se do reino santo a sombra tenho

Impressa na cabeça e a manifesto,

(Vasco Graça Moura) 24

Se compararmos o terceto de Haroldo de Campos com o de Vasco Graça Moura em relação ao texto italiano, de imediato parece que o poeta português respeita o sentido literal italiano e seu significado. Na verdade, a voz verbal ativa “prestare” declinada em “presti”, que significa “concedes”, “dás”, se torna um adjetivo, “presto”, no sentido de prestes, pronto ou preparado, e com a perda do “se” diminue a relação entre pedido e promessa na relação entre peregrino e divindade. τutro elemento que diferencia as duas traduções é o “se” que se relaciona com “reino santo” e introduz algo dubitativo, presente em Vasco Graça Moura e ausente tanto em Dante como em Haroldo de Campos. Enfim, na versão portuguesa desaparece o modo subjuntivo da voz verbal “manifesti” traduzida no modo indicativo com a voz verbal “manifesto”. σesse caso, o modo subjuntivo não indica uma incerteza ou uma dúvida, mas uma participação emotiva em relação ao pedido de ajuda. Assim, na versão portuguesa temos uma mudança em termos de estilo e significado, pois o tradutor faz uma paráfrase do verso usando três elementos que explicam o verso, a saber: „santo‟, „impressa‟ e a flexão do verbo ter na primeira pessoa singular do modo indicativo ausente em Dante. O termo „santo‟ retoma o “reino santo” do verso 10 e a palavra „impressa‟ junto com „tenho‟ explicam o significado de „ombra segnata‟ que, justamente, se refere à imagem, embora pálida, que está impressa na mente. A paráfrase distancia o peregrino da divindade e explica o relacionamento como se de certa forma fosse baseado em um do ut des: (tu) me faz presto...que se ...a sombra (eu) tenho... (tu) vir me verás a teu dilecto lenho.

Na tradução, embora, às vezes, “não seja respeitado” o verso (as aspas querem indicar uma não concordância linear e não uma falta), Haroldo de Campos transpõe o significado do terceto, transcriando-o. No caso assinalado, a invocação ao Apolo (Ó divina virtude) e o pedido a ele feito (se me dás) estão presentes na tradução da mesma forma pronominal do texto italiano, embora deslocados sintaticamente. Resulta interessante notar que a imagem do

pedido recriada por Haroldo de Campos assume características um pouco diferentes. O beato reino, que no italiano é parte integrante do objeto direto com função de adjunto adnominal, na tradução torna-se sujeito que assinou seu desenho como sombra. Essa mudança de categoria sintática enriquece o texto, qualificando ainda mais o peregrino enquanto escolhido, chamado a cumprir uma tarefa. “Assinou seu desenho”: assinar é um verbo polivalente e pode denotar a aposição de assinatura, conotando um comprometimento ou indicar quem assumiu a autoria do objeto assinado. Haroldo de Campos, formado em direito, usa seu saber jurídico no processo transcriativo – codicilho (Par. XXXIII, 3), averbar (Par. I, 72) – e nesse verso, com o verbo assinar, cria a imagem de que o beato reino, ou seja o Paraíso, assumiu a autoria do desenho, ou forçando a palavra, do desejo, embora como sombra, ou seja, lábil, frágil, na memória (mente) de Dante poeta-personagem. A transcriação do poeta brasileiro traz uma imagem forte que fundamenta a súplica à divina virtude (Apolo) por parte de Dante poeta- personagem, pois intervenção divina ele não poderá representar o que na memória (mente) ficou como tesouro ou como imagem impressa (segnata no italiano), o que, por sua vez, remete novamente ao verbo assinar.

O divina virtù, se mi ti presti tanto che l'ombra del beato regno

segnata nel mio capo io manifesti,

venir vedra'mi al tuo diletto legno, e coronarmi allor di quelle foglie che la matera e tu mi farai degno.

Ó divina virtude, em minha mente o beato reino assinou seu desenho

qual sombra, e se me dás que o represente, 24

verás que chego a teu dileto lenho, a coroar-me ali das folhas caras,

que o tema é nobre e me elevas o engenho. 27

Engenho versus “degno”. Haroldo de Campos não traduz a palavra “degno” como “digno”, que seria, a princípio, a tradução ao pé da letra. No entanto, ele mantém a rima em – enho e usa o mesmo sistema metafórico dantesco de “degno / ingegno”. Dante utiliza a palavra engenho no canto X do Inferno (58-59) quando, no encontro com Farinata, aparece Cavalcante dei Cavalcanti, o pai do poeta Guido, amigo de Dante, que pergunta ao peregrino: “… „Se per questo cieco / carcere vai per altezza d‟ingegno” (... “Se a este poço antigo / pela eminência vens do teu engenho;). Altitude e eminência em sentido figurado de elevação, sublimidade, excelência. São a energia e a força do engenho, reconhecidas por Cavalcante como o grande recurso para realizar essa viagem extraordinária. Novamente no Inferno (VI, 79-81): “Farinata e ‟l Tegghiaio, che fuor sì degni, / Iacopo Rusticucci, Arrigo e ‟l Mosca / e

li altri ch‟a ben far puoser li ‟ngegni” (Farinata e o Tegghiaio, proeminentes, / e Jacó

Rusticucci, e Mosca e Arrigo, / e outros, em suas obras diligentes,). Aqui Dante pede informações sobre os homens (florentinos) de grande dignidade humana e civil que viveram antes dele e que eram admirados e respeitados em Florença pelo bem que fizeram.

Assim Beatriz, no canto IV do Paraíso (40-42): “Così parlar conviensi al vostro

ingegno, / però che solo da sensato apprende / ciò che fa poscia d‟intelletto degno.”.

Parafraseando: desta forma – ou seja, por meio de signos e figuras sensíveis que são metáforas das coisas espirituais, assim como acontece na Sagrada Escritura (43-45) – é preciso falar à sua inteligência humana (engenho) enquanto capacidade criativa, mas também intelecto, pois este aprende o conhecimento somente por meio dos sentidos e esse conhecimento o torna digno. Chiavacci Leonardi nota que essa é a teoria de Aristóteles presente no De sensu et sensato (VI 445b) e que Dante também segue281.

A rima “ingegno-regno-degno” ocorre no prólogo do Purgatório:

Per correr miglior acque alza le vele

omai la navicella del mio ingegno, che lascia dietro a sé mar sì crudele; e canterò di quel secondo regno dove l‟umano spirito si purga e di salire al ciel diventa degno.

[A singrar melhor água eis que o batel

do meu engenho segue, a vela inflada, deixando atrás o pélago cruel.

E, pois, direi da parte separada na qual a essência humana se depura, por merecer o céu, dignificada.

(Pur. I, 1-6)

Aqui Dante usa a metáfora do navio para indicar o engenho de sua poesia que irá percorrer um novo reino, o Purgatório, onde a alma poderá se purificar para ser digna de subir ao Paraíso. No Paraíso, Dante recorre à similitude que compara as árvores que, mesmo sendo da mesma espécie, produzem frutos diferentes em termos de qualidade aos homens que nascem com diferentes engenhos, ou seja, diferente capacidade criativa, devido à influência divina:

τnd‟ elli avvien ch‟un medesimo legno, secondo specie, meglio e peggio frutta; e voi nascete con diverso ingegno.

[Daí advém que a espécie vegetal

Mostra nos frutos seus diversidade, e têm engenho os homens desigual.]

(Par. XIII, 70-72)

Enfim, no início do Inferno (II, 7), Dante invoca as Musas que representam a inspiração poética e seu próprio engenho pela grandeza da empreitada que está escrevendo: “τ muse, o alto ingegno, or m‟aiutate” (Ó Musas, estendei-me a vossa influência!). Conforme aponta Chiavacci Leonardi,

citando Papia e Agostino, è quella forza dell‟animo rivolta a scoprir cose nuove (“ingenium est extensio intellectus ad incognitorum cognitionem”: Pietro).282

Haroldo de Campos usa o mesmo sistema metafórico com a rima “lenho-engenho”, em que “dileto lenho” indica a árvore de louro e o com “me elevas o engenho” recria a imagem contida no texto dantesco: a dignidade necessária concedida pela divindade – “tu mi farai degno” (tu me farás digno). Haroldo de Campos recria a intervenção da divindade com o verbo elevar, conjugado na segunda pessoa do singular, que pertence ao mesmo campo semântico de alto, altitude e elevação, condição para ser digno.

282 CHIAVACCI LEONARDI, Anna Maria. In: ALIGHIERI Dante. Commedia. Inferno…, op. cit., p. : (| de se levar em conta o valor semântico da palavra: engenho, notam os antigos, citando Papia e Agostinho, é aquela força da alma voltada a descobrir coisas novas ingenium est extensio intellectus ad incognitorum cognitionem : Pedro . [tradução minha].

Sí rade volte, padre, se ne coglie per triunfare o cesare o poeta,

colpa e vergogna dell‟umane voglie,

che parturir letizia in su la lieta delfica deità dovría la fronda peneia, quando alcun di sé asseta.

Poca favilla gran fiamma seconda: forse di retro a me con miglior voci si pregherà perché Cirra risponda.

Tão poucas vezes, pai, vezes tão raras no seu triunfo um césar ou poeta

(frágil querer!) a essas folhas preclaras 30

alcança, que da fronde predileta ao délfeo deus exala-se alegria

só no saber que alguém delas se inquieta. 33

Miúda centelha incêndio grande avia: uma outra voz depois, cantos melhores,

quem sabe Cirra então propiciaria. 36

(frágil querer!) versus colpa e vergogna dell’umane voglie. No italiano, o verso é sintaticamente colocado em um parêntese apositivo com a função de comentário aos dois versos anteriores e Haroldo de Campos coloca a locução “frágil querer” magistralmente entre parênteses. A locução se refere à culpa dos homens e, por consequência, à sua vergonha pelos desejos humanos (voglie), que não são voltados para a glória. A relevância do desejo é dada pela palavra voglie em final de verso. σa tradução temos a locução “frágil querer”. Querer é sinônimo de amor, mas também de desejo e de paixão. O amor, o desejo, a paixão de ter a pessoa amada é, ao mesmo tempo, aquilo que é causa de vontade de vida, de continuar amando e também é causa de vontade de morte. Essa seria a fragilidade desse “querer” que mantém vivo, porque faz amar, mas também faz querer morrer por não conseguir ter por perto a pessoa amada. Frágil traz também à paixão e à dificuldade que o poeta tem de atingir o seu triunfo, que seriam as “folhas preclaras” (o louro). “Frágil querer” é mesmo o amor movido pelo desejo humano, algo de material, de passional, porque é o desejo ardente de alcançar a glória dessa coroa de louros, mas esse sentimento nobre é frágil, dúbio e, portanto, cai em um desejo que não é voltado para a glória. Por isso que esse desejo humano é digno de vergonha e raras são aquelas vezes em que o poeta ou o imperador (César) alcança as “folhas preclaras” proporcionando a alegria ao deus délfeo. A metáfora do incêndio provocado pela miúda centelha é explicada pelo mesmo poeta, que se compara à centelha no verso seguinte. Então, Apolo (Cirra) deveria ficar alegre, não somente porque alguém tenta alcançar o louro (fronda

peneia), mas também porque a essa voz (de Dante) seguirão outras vozes, cujos cantos que

hão de vir serão melhores.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 137-159)