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– PósGraduação em Letras Neolatinas

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

LINGUAGEM MÍSTICO-ANAGÓGICA NOS CANTOS DO PARAÍSO DA COMÉDIA

DE DANTE ALIGHIERI

A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos

GAETANO D’ITRIA

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LINGUAGEM MÍSTICO-ANAGÓGICA NOS CANTOS DO PARAÍSO DA COMÉDIA

DE DANTE ALIGHIERI

A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos

GAETANO D’ITRIA

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Letras (Letras Neolatinas) da Universidade

Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos

necessários à obtenção do título de Mestre em Letras

(Letras Neolatinas - Estudos Literários Neolatinos –

opção: Literatura Italiana).

Orientador: Prof. Andrea G. Lombardi

Rio de Janeiro

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FICHA CATALOGRÁFICA

D‟Itria, Gaetano.

Linguagem místico-anagógica nos cantos do Paraíso da Comédia de

Dante Alighieri. A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos / Gaetano D‟Itria. – Rio de Janeiro: UFRJ/ FL, 2016.

171 f.; 29,7 cm.

Orientador: Andrea G. Lombardi.

Dissertação (Mestrado) – UFRJ/ Faculdade de Letras /

Programa de Letras neolatinas, 2016.

Referências Bibliográficas: f. 163-171.

1. Dante Alighieri. 2. A Divina Comédia 3. Anagogia. 4. Haroldo de

Campos 5. Transcriação. I. Lombardi, Andrea Giuseppe. II.

Universidade Federal do Rio de Janeiro, Letras Neolatinas. III.

Linguagem místico-anagógica nos cantos do Paraíso da Comédia de

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LINGUAGEM MÍSTICO-ANAGÓGICA NOS CANTOS DO PARAÍSO DA COMÉDIA

DE DANTE ALIGHIERI

A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos

Gaetano D‟Itria

Orientador: Prof. Andrea G. Lombardi

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Letras (Letras

Neolatinas) da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários

à obtenção do título de Mestre em Letras (Letras Neolatinas - Estudos Literários Neolatinos –

opção: Literatura Italiana).

Aprovada por:

______________________________________________________________

Presidente: Professor Doutor Andrea Giuseppe Lombardi

______________________________________________________________

Professora Doutora Maria Lizete dos Santos – UFRJ

______________________________________________________________

Professor Marcelo Diniz Martins - UFRJ

______________________________________________________________

Professora Doutora Sonia Cristina Reis – UFRJ

______________________________________________________________

Professor Doutor Davi Pessoa Carneiro Barbosa – UERJ

______________________________________________________________

Aprovada em ________/ ________/ 2016

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AGRADECIMENTOS

Ao meu orientador, Andrea Lombardi, pelo estímulo constante em continuar na

empreitada árdua do Mestrado, pelo rigor ético e intelectual e por ter disponibilizado o acesso

a vários livros fundamentais, inencontráveis no Brasil.

Ao CNPq, pela Bolsa que permitiu maior dedicação à pesquisa.

Aos Professores Doutores [e às Professoras Doutoras] que aceitaram fazer parte da

Banca: Maria Lizete dos Santos e Sônia Cristina Reis, do departamento de Neolatinas da

UFRJ, Marcelo Diniz Martins do departamento de Ciência da Literatura da UFRJ e Davi

Pessoa Carneiro Barbosa da UERJ.

Ao Departamento de Neolatinas pelo acolhimento.

Aos professores das disciplinas que frequentei em que pude desenvolver estudos

inerentes à pesquisa deste trabalho.

À Professora Sandra Debenedetti Stow, pela disponibilidade para dialogar, via correio

eletrônico, sobre a anagogia e por ter disponibilizado dois artigos de sua autoria sobre a

anagogia em Dante, publicados na Itália e difíceis de serem encontrados.

A Rafael Lemos, pela generosa disponibilidade para conversar sobre Haroldo de

Campos e para suas sugestões na interpretação das obras haroldianas.

Sou grato ao amigo e Professor Rogério Espíndola, com sua leitura generosa e

paciente diante do mistério instigante da Comédia, por ter revisado com esmero de gênio esta

dissertação.

Agradeço ainda a Stefano Perotto, pelo apoio técnico no suporte aos meios

informáticos que tive necessidade neste período.

Aos que lerão este trabalho quando estará descansando nas bibliotecas físicas e

virtuais.

À minha mãe, minhas irmãs e meus irmãos por terem-me enviado da Itália os livros

que faltavam.

Ao meu pai, que seja o Seu grande nome abençoado.

A Salvatore Fabrizio Maria, Francesco Antonio e Paolina Giuditta pela paciência e o

silêncio necessário que tiveram a fim de que seu pai pudesse estudar e escrever.

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רֹ א

-

יִ י

;

רֹ א

יִ י

,

יִ ֹא

ר אֹי

Dio disse: “Sia luce!”. E luce fu.

Gênese, 1, 3. 1

A fé na linguagem como um absoluto, ainda que dialeticamente cingido, a fé naquele mistério que na linguagem se tornou audível.

Gershom Scholem2

O luce etterna che sola in te sidi, sola t‟intendi, e da te intelletta

e intendente te ami e arridi!

Dante Alighieri3

1 A citação é extraída de: VOLLI, Ugo. LImmaginario delle origini. In: LEONE, Massimo (Org.). Immaginario. Lexia 7-8. Revista de semiótica da Università degli Studi di Torino. Ariccia (Roma): Aracne Editrice, 2011, p. 37.

2 A citação é extraída de SCHOLEM, Gershom G. Il nome di Dio e la teoria cabbalistica del linguaggio. Milão:

Adelphi, , ª reimpress~o , p. : la fede nel linguaggio come un assoluto, sia pure

dialetticamente scisso, la fede in quel mistero che nel linguaggio è divenuto udibile. [tradução minha]. 3 A citação é extraída de ALIGHIERI, Dante. Commedia. Paradiso XXXIII, 124-126. In: AA.VV. Letteratura

italiana Einaudi. 1ª Ed. Milão: Mondadori, 2001. CD-ROM. Introdução, cronologia, bibliografia, comentário

de Anna Maria Chiavacci Leonardi. Na traduç~o de (aroldo de Campos: χ lume eterno, a sós em ti

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D‟ITRIA, Gaetano. Linguagem místico-anagógica nos cantos do Paraíso da Comédia de Dante Alighieri. A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2016. Dissertação de Mestrado em Literatura Italiana. Programa de

Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Estudos Literários Neolatinos, opção Literatura Italiana.

RESUMO

Objetivo dessa dissertação é identificar elementos de um

diálogo crítico entre Dante e Haroldo de Campos,

utilizando textos escolhidos da Divina Comédia e sua

tradução para o português brasileiro, realizada pelo

defensor do conceito de transcriação. A partir do conceito

de anagogia, tradução e interpretação crítica fundem-se,

pois a linguagem poética encontra na anagogia uma forma

que auxilia a criação de um texto original autônomo par

droit de conquête.

Palavras-chave: Dante Alighieri – Anagogia – Haroldo de

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D‟ITRIA, Gaetano. Linguagem místico-anagógica nos cantos do Paraíso da Comédia de Dante Alighieri. A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2016. Dissertação de Mestrado em Literatura Italiana. Programa de

Pós-Graduação em Letras Neolatinas, Estudos Literários Neolatinos, opção Literatura Italiana.

RIASSUNTO

L‟obiettivo di questa tesi è di individuare elementi del dialogo critico tra Dante e Haroldo de Campos,

utilizzando testi scelti dalla Divina Commedia e la sua

traduzione in portoghese-brasiliano realizzata dal

difensore del concetto di transcreazione. Partendo dal

concetto di anagogia, traduzione e interpretazione critica

si fondono, poichè il linguaggio poetico trova nell‟anagogia una forma che aiuta alla creazione di un testo originale autonomo par droit de conquête.

Parole-chiave: Dante Alighieri – Anagogia – Haroldo de

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D‟ITRIA, Gaetano. Linguagem místico-anagógica nos cantos do Paraíso da Comédia de Dante Alighieri. A perspectiva transcriativa de Haroldo de Campos. Rio de Janeiro: UFRJ,

Faculdade de Letras, 2016. Dissertação de Mestrado em Literatura Italiana. Programa de

Pós-Graduação em Letras Neolatinas, opção Literatura Italiana.

ABSTRACT

This work aims to identify elements of critical dialogue

between Dante and Haroldo de Campos, using texts

chosen from the Divine Comedy and its Brazilian

Portuguese translation, created by the defender of the

concept of transcreation. Starting from the concept of

anagogy, translation and critical interpretation come

together because poetic language finds on anagogy an

form that helps the creation of an autonomous par droit de

conquête.

Keywords: Dante Alighieri – Anagogy – Haroldo de

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 19

2 ANAGOGIA ... 25

3 INEFABILIDADE ... 37

4 INTERTEXTUALIDADE ENQUANTO HERMENÊUTICA TEXTUAL ... 73

4.1 Intertextualidade: sua origem e papel na Comédia de Dante ... 73

4.2 Intertextualidade e écfrase ... 83

5 ENTRE LEITURA E TRADUÇÃO: O ADVENTO DA TRANSCRIAÇÃO ... 103

6 A TRAMA LUMINOSA DO PARAÍSO NA VIA ANAGÓGICA ... 121

7 ANÁLISE DE ALGUNS PASSOS DO CANTO I DO PARAÍSO TRADUZIDOS POR HAROLDO DE CAMPOS. ... 137

8 CONCLUSÕES. ... 159

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1 INTRODUÇÃO

O meu contato com a poesia de Dante remonta a quando, ainda criança, vinha sendo

educado a estudar de cor e a brincar com a poesia. À medida que o tempo ia passando, o

interesse pela poesia foi sendo desenvolvido cada vez mais e na faculdade de Letras tive a

possibilidade de estudar poesia brasileira. A escuta dos comentários de colegas, nas

conversações que ao longo de toda graduação se costumava ter ao final da aula ou nos

momentos de descontração no café sobre a literatura brasileira e, de modo particular, sobre a

poesia concreta, comoveu-me e avivou o meu interesse pela poesia de Haroldo de Campos.

Em seguida, conheci as traduções/transcriações de algumas poesias de Dante Alighieri,

Giacomo Leopardi e Giuseppe Ungaretti, realizadas por Haroldo de Campos, como também

alguns ensaios que ele tinha escrito sobre poesia. Nessa pesquisa, nosso intuito é identificar

elementos do diálogo crítico que Haroldo de Campos tece com Dante dentro de um projeto de tradução criativa paralela e de interpretação crítica ou transcriação: “a transluminação da escrita paradisíaca” (CAMPτS, [1976] 1998:67). São seis os cantos do Paraíso traduzidos por Haroldo de Campos, a saber: os cantos iniciais (I e II); o Canto XIV (Quarto e Quinto

Céus); o Canto XXIII (Oitavo Céu); dois Cantos do final, XXXI e XXXIII (Décimo Céu ou

Empíreo), que foram publicados inicialmente em 1976. Defensor do conceito de transcriação,

Haroldo de Campos ([1976] 1998:68) definiu estas traduções como “paradigma operacional a perseguir”. Definido o corpus da pesquisa, o suporte teórico de partida nos é proporcionado pelo mesmo Haroldo de Campos, de cujos textos elencados na bibliografia destaca-se “Da

transcriação: poética e semiótica da operação tradutora”, pois reúne os principais ensaios

publicados sobre o tema da transcriação, que até o momento só eram encontrados em

publicações esparsas – em livros e periódicos editados em diferentes locais e datas4.

4 CAMPOS, Haroldo de. Da transcriação: poética e semiótica da operação tradutora. Belo Horizonte: Viva voz Fale/UFMG, 2011.

A coletânea reúne os seguintes ensaios de Haroldo de Campos:

- Da tradução como criação e como crítica , que foi apresentado ao p’blico em , no ))) Congresso

Brasileiro de Crítica e História Literária, realizado na Universidade Federal da Paraíba e sucessivamente publicado no Rio de Janeiro pela revista Tempo Brasileiro. O ensaio foi posteriormente recolhido pela

Editora Cultrix na colet}nea de textos de (aroldo de Campos Metalinguagem, que chegou à terceira edição em 1976. Em uma nova edição da Editora Perspectiva de 1992, a coletânea foi ampliada e

reintitulada Metalinguagem & outras metas.

- Para além do princípio da saudade: a teoria benjaminiana da tradução e Paul Valéry e a poética da tradução: as formulações radicais do célebre poeta francês a respeito do ato de traduzir foram publicados

(20)

Antes de explorar o processo tradutório da transcriação no diálogo com o texto de

partida, a pesquisa segue um caminho de indagação do conceito de anagogia (HÓNORIO DE

AUTUM – [1090-1152], 1893 e HENRI DE LUBAC, [1959] 2006), e no decorrer da mesma

pretende-se argumentar a respeito de que tradução poética e interpretação crítica se fundem,

engendrando assim uma linguagem poética que na anagogia encontra uma forma que auxilia a

criação de um texto original autônomo par droit de conquête, ou seja, por direito de

conquista. No diálogo com o texto dantesco, Haroldo de Campos afirma explorá-lo através de

uma leitura que aponta para alguns passos inçados de dificuldades, mirando reconstituir, em português brasileiro, a informação estética contida nele. Se seu escopo é a produção de “um texto isomórfico em relação à matriz dantesca, um texto que ambicione afirmar-se como um original autônomo” (CAMPτS, [1976] 1998:67) e se traduzir um texto literário, em especial poesia, é sempre “dizer quase a mesma coisa” (ECτ, 2003), de que forma é mantido (se for mantido) o nível anagógico (místico) do texto dantesco?

De que modo a problematização do conceito de tradução, na perspectiva de uma “criação paralela” e como “interpretação crítica”, junto com a negociação necessária para a constituição do sentido, contribuem para, no novo texto, “replicar, quanto possível, os desafios do original?” (CAMPτS, [1968] 1998:24).

Estas perguntas norteiam esta pesquisa e o estudo dos seis cantos do Paraíso dantesco

e suas traduções. Frente a essa problemática, o caminho metodológico para tentar responder

aos questionamentos parte do conceito de anagogia, cuja definição, importante para o

desenvolvimento da pesquisa, foi identificada em Hónorio de Autum (1090-1152), o qual a apresenta da seguinte forma: “A anagogia é o sentido superior que nos leva a Deus e ao século futuro” (“Anagoge vero est superior sensus ducens ad Deum, et ad futurum saeculum” in:

Coulthard, publicada pela Editora da Universidade Federal de Santa Catarina. Em 1989 este mesmo texto

havia sido publicado na revista Letras, com o título Da traduç~o { transficcionalidade , e em , com o título Reflexões sobre a poética da traduç~o , no volume dos Anais dos º e º Simpósios de

Literatura Comparada, organizados por Eneida Maria de Souza e Júlio Pinto e publicados em Belo Horizonte, pela UFMG.

- O que é mais importante: a escrita ou o escrito (teoria da linguagem em W. Benjamin) foi lançado no

número 15 da Revista USP no ano de 1992.

- A língua pura na teoria da tradução de Walter Benjamin foi publicado em no n’mero da

Revista USP.

- Tradição, tradução, transculturação: o ponto de vista ex-cêntrico foi apresentado por Haroldo de Campos em simpósio realizado pela Universidade de Yale como homenagem aos setenta anos do autor. O texto é de 1999 e foi traduzido do inglês pela estudante Aline Sobreira.

- Haroldo de Campos, José Paulo Paes e Paulo Vizioli falam sobre tradução é um di|logo publicado em

(21)

MIGNE, J. P., Honorii Augustodunensis, Opera Omnia, Paris: Migne, 1893, p. 1245D).

Estudar o conceito de anagogia significa adentrar em seu movimento conceitual e na sua

tendência à ação elevadora, pois aná (gr.) confirma o movimento e significa exatamente

enaltecimento, sublimação. Daí a relação com o sublime, cujo texto teórico principal de

referência é Do Sublime, do pseudo-Longino5 e cujo texto de crítica literária é Il tragico e il

sublime nella letteratura medievale (BOITANI, 1992). Os conceitos e as marcantes

características do sublime propostos pelo pseudo-Longino e aplicados ao texto poético

apontam para o aprofundamento do tema da mística. Há indícios de que a visão em quatro

níveis de leitura – literal (ou histórico), alegórico, tropológico (ou moral) e anagógico (ou

místico) – estejam já afirmados na obra do cabalista espanhol Abrahão Abulafia6. Segundo

Eco ([1993] 2012), haveria, portanto, uma possível relação entre Dante e Abulafia7. A tese de

Eco é retomada pela professora ítalo-israelense Sandra Debenedetti Stow, que a define “revolucionária”, em Dante e la mistica ebraica (2004). A relação entre a linguagem poética anagógica (DEBENEDETTI STOW, 2004) e a reconstituição de sua informação estética em

uma perspectiva transcriativa é analisada buscando averiguar a existência de elementos que

marquem a presença do nível anagógico na tradução.

No fazer tradutório, o diálogo crítico entre poetas se depara com a polissemia de

palavras e textos que dá voz à polifonia. Constelações interligadas que engendram uma

pluralidade de sentidos. Entretanto, a problemática da multiplicidade dos sentidos do texto,

classificados em quatro níveis, que perpassa a estrutura poética, é enfrentada a partir de “palavras-chave” destinadas contemporaneamente a serem sinal da existência de uma mensagem velada e sinal de abertura ao senso anagógico ou místico. Assim, a partir dos

conceitos de inefável e transumanar, presentes nos seis cantos do Paraíso dantesco e

comentados pelo mesmo Haroldo de Campos8, a estrutura mágica do novo espaço poético

5 PSEUDO-LONGINO. Del Sulblime. Introdução, tradução e notas de Francesco Donati. Edição bilíngue. Milão: Rizzoli, 1991.

Edição Brasileira: ____. Do Sublime. In: ARISTOTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. Introdução por Roberto de Oliveira Brandão; tradução direta do grego e do latim por Jaime Bruna. 7ª Ed. São Paulo: Editora Cultrix, 1997, pp. 69-114. A edição tomada como referência é a brasileira, salvo casos em que resulta oportuno destacar a diversidade entre as duas traduções.

6 Em relação a este importante cabalista se remete a IDEL, Moshe. La cabbalá in Italia. Firenze: La Giuntina, 2007 e SCHOLEM, Gershom. La cabala. Tradução de Roberta Rambelli. Roma: Edizioni Mediterranee, 1982. Reimpressão 1992.

7 Para o aprofundamento se remete a ECO, Umberto. La ricerca della lingua perfetta nella cultura europea. Roma-Bari: Laterza, 1993. 7ª Reimpressão 2012. De modo particular, o terceiro capítulo: La lingua

perfetta di Dante , pp. -59.

(22)

reconstruído em outra língua poderia apresentar uma linguagem igualmente mística ou quase.

Se considerarmos que não existem teorias da tradução (STEINER, [1992] 2004:16), mas

somente processos tradutórios, o nível profundo do texto nos conduz a descobrir: (i) de que

forma, no percurso de adesão ao mistério divino, que se revela e se vela, Dante se aproxima

do mistério divino através de uma linguagem poética mística e (ii) se o sentido anagógico se

mantém reproposto com iconicidade nova na tradução.

A força literária do sentido anagógico explode a palavra dentro de seu sistema

linguístico, imprimindo novos significados e conduzindo rumo à superação da pedra áspera da

inefabilidade. Para ultrapassar o obstáculo da inefabilidade, Dante constrói sua identidade de

poeta-profeta com a linguagem místico-anagógica a partir de uma intertextualidade regressiva

(CORTI, 2003) que encontra nos seus precursores o fundamento da auctoritas. Ao se eleger

auctoritas poética na Vita nova, auctoritas filosófica no Convivio e poeta-profeta na Comédia,

Dante ultrapassa sua própria cultura, abrindo veredas rumo à modernidade. A ruptura

transformadora que se destaca neste trabalho é em relação à tradição teológico-literária e

concerne à utilização da anagogia em termos de linguagem poética.

Em seguida, o estudo indaga o fato de que a linguagem pode ser observada de uma

perspectiva tal que é possível individualizar vários códigos presentes no texto, os quais,

entrelaçando-se e combinando-se entre si, engendram os sentidos dos mesmos. Entrementes, a

relação entre intertextualidade e écfrase pretende destacar de que maneira Dante cria uma

escrita imagética capaz de lidar com a complexidade das relações entre sistemas semióticos

complementares. O estudo prossegue, portanto, na análise do diálogo entre poética da

tradução e leitura do texto poético a ser traduzido na tentativa de identificar o modus operandi

da transcriação e seus resultados. Seduzido pela dificuldade e pela polissemia de palavras e de

texto, o poeta tradutor paulista sustenta a possibilidade da recriação do texto fonte que

denomina de transcriação. A hipótese haroldiana é bem explicada quando o mesmo autor

afirma que

(23)

que forma, segundo Charles Morris, a iconicidade do signo estético, entendido por

signo icônico aquele «que é de certa maneira similar àquilo que êle denota»).9

Frente à imagem do mosaico a que nos conduz esta perspectiva, a problematização do

conceito de tradução, portanto, indica uma hipótese metodológica em que traduzir, entendido

como um processo de re-criação, é um guardar as semelhanças para com o original,

refazendo em outra língua, dentro das balizas demarcatórias dos parâmetros semânticos

marcados pelo texto de partida, outro texto. É precisamente a partir de um trabalho de

desconstrução do tecido poético dentro de seu sistema linguístico que, na seara da aporia, sintetizável na especulação „traduzível versus intraduzível‟, de milenar memória desde os tempos de São Jerônimo10, o processo tradutório baseia-se em uma interpretação crítica do

texto a ser traduzido para depois refazê-lo na língua de chegada, preocupando-se,

principalmente, em recriar a informação estética nele encontrada.

Finalmente, na via anagógica estamos solicitados a percorrer a trama luminosa que perpassa todo o Paraíso dantesco e na qual a poesia nos mostra como a “alta fantasia” é capaz de elaborar metáforas que traduzem a experiência mística do poeta. Nessa vereda ascensional,

o intuito é tentar entender o modus operandi linguístico de Dante, que através de recursos

gramaticais como o grau superlativo (SBACCHI, 2008), consegue enfrentar e traduzir em

imagens a superna experiência indizível e inefável do mistério revelado. E a revelação se

traduz em língua/linguagem que convida o leitor a participar da mesma beleza e que é

entregue pelo poeta em uma das expressões mais altas de poesia, em que o engenho criador de

Dante consegue um equilíbrio racional entre a impossibilidade do assunto e o êxtase místico

(ARIANI, 2010). Concebida como lugar da constituição do imaginário, a fantasia configura a

linguagem anagógica lançando mão da metáfora enquanto recurso linguístico. A anagogia,

assim, assumindo o papel de suprassentido, reúne em si os outros três sentidos (literal,

alegórico e tropológico). Seguindo o raciocínio de De Lubac ([1962] 2006), a anagogia realiza

a perfeição da alegoria e da tropologia. Nesse sentido, a indagação do modus operandi da

linguagem anagógica no conduz a explorar de que forma a língua poética se aproxima do

9 CAMPOS, Haroldo de. Metalinguagem. Petrópolis: Vozes, 1970, p. 24. (Tese para o III Congresso Brasileiro de Crítica e História Literária Universidade da Paraíba, 1962; publicada originalmenle na revista Tempo Brasileiro, nº 4-5, jun-set 1963.).

10 São Jerônimo é o tradutor da Bíblia (a Vulgata) e Berman afirma que ele define a essência da tradução

(24)

caráter mágico da palavra usando superlativos e neologismos criados ex novo. Serão Scholem

(1998) e Debenedetti Stow (2010) a nos introduzir nesse mundo mágico da palavra que relata

de certa forma a experiência mística e que ultrapassa o limite de expressão e forma,

comunicando algo que, embora permaneça não expresso completamente, vibra no fundo da

expressão e transparece por símbolos nas fissuras do mundo expressivo.

Na seleção de trechos do Paraíso, os comentários em relação à linguagem anagógica

de Dante são comparados às escolhas realizadas por Haroldo de Campos com o intuito de nos

concentrarmos nas letras que compõem o discurso poético. Deste modo será possível observar que Dante refina seus próprios instrumentos expressivos para se afirmar como poeta “portador de uma mensagem profética” (DEBEσEDETTI STτW, 2010:168). Por sua vez, Haroldo de Campos instaura um diálogo entre poetas e ele também refina seu próprio modus operandi

para, afinal, transcriar o Paraíso, que, com suas palavras, é definido como um “verdadeiro poema abstrato” (CAMPτS, 1998:74). σesse diálogo entre poetas poderemos assistir à constituição de sentidos na tradução com uma palavra que traduz e transforma a imagem do

(25)

2 ANAGOGIA

Quero chamar a atenção, de imediato, à paradoxal questão que se apresenta à minha

percepção nesse estudo. Em seu ensaio “Corn: da anatomia à poética”11, ao argumentar a

respeito da anagogia e seu senso místico, Giorgio Agamben cita o que Dante escreve no livro

III do Convivio (III, 13 - IV, 3):

Però che li miei pensieri, di costei ragionando, molte fiate voleano cose conchiudere di lei che io non le potea intendere, e smarrivami, sì che quasi parea di fuori alienato [...] E questa è l‟una ineffabilitade di quello che io per tema ho presoν e conseguentemente narro l‟altra [...] e dico che li miei pensieri - che sono parlare d‟amore - sonan sì dolci, che la mia anima, cioè lo mio affetto, arde di potere ciò con la lingua narrareν e perchè dire nol posso [...] questa è l‟altra ineffabilitadeν cioè che la lingua non è di quello che lo ‟ntelletto vede compiutamente seguace.12

Neste trecho do Convivio – se assim pode-se dizer – ressalta-se o fato de que no bívio

onde filosofia e literatura se encontram, a economia do inefável permeia o evento poético.

Agamben nos introduz no paradoxo da inefabilidade, frisando que enquanto Tomás de Aquino

se limita a

contrapporre due modi distinti e in ogni senso separati dell‟apprendimento (per disciplina e per invenzione), il genio di Dante è che egli trasforma in un doppio, ma sincrono, movimento che percorre l‟atto poetico, nel quale l‟invenzione s‟inverte in disciplina (in ascolto) e la disciplina – in virtù, per così dire, della propria insufficienza – in invenzione.13

No Convivio, portanto, Dante não define o evento poético como uma convergência,

mas o lugar da poesia é definido como uma desconexão entre intelecto e língua. Não é

simplesmente uma retórica do inefável, mas é exatamente essa desconexão que dá lugar a uma dupla “ineffabilitade” em que o intelecto não consegue aferrar o que a língua diz e a língua

11AGAMBEN, Giorgio. Corn : dall anatomia alla poetica. In: ____ Categorie italiane. Studi di poetica e di

letteratura. Bari: Editori Laterza, 2010, pp. 27-44.

12 Ibidem, pp. 40-41. Tradução brasileira in: ALIGHIERI, Dante. Banquete. Tradução de Ciro Mioranza. São

Paulo: Editora Escala, , p. : E o digo realmente, uma vez que meus pensamentos, voltados a ela,

muitas vezes queriam concluir coisas a respeito dela que eu não podia entender e me perdia, […] Esta é

uma das coisas inef|veis daquilo que tomei como tema e, por conseguinte, narro outra […]. Digo que meus

pensamentos – que se destinam a falar de Amor – soam t~o docemente , que minha alma, isto é, meu

afeto, clama para poder narrar isso com a lingual e, porque não posso dizê-lo, […] Esta é a outra coisa

inef|vel, ou seja, que a lingual n~o segue totalmente aquilo que o intelecto vê. .

(26)

não consegue acompanhar plenamente o que a inteligência compreende.14 Cabe frisar que o

termo inefável15 remonta ao latim ineffabilis, composto pelo prefixo in e um derivado do

verbo latim effari, ou seja, pronunciar, e denota algo de não dizível.

Então, por meio de qual abordagem pode-se atacar o texto dantesco onde a

materialidade da linguagem (a palavra escrita com todas suas características) ao mesmo

tempo em que não sabe dizer, de forma conclusa e plena, o pensamento e a experiência do

autor, comunica ou deixa entrever, de certa forma, algo desse pensamento e dessa

experiência? A abordagem anagógica do texto, muito embora não se pretenda apresentar uma

conclusão definitivamente fechada, mostra a possibilidade de enveredar um dos múltiplos

caminhos que o texto poético proporciona ao leitor.

A pesquisa tenta encarar e responder a uma questio que surgiu na leitura das traduções

dos Cantos do Paraíso da Comédia de Dante Alighieri16

elaboradas por Haroldo de Campos, o

qual afirma que

A operação tradutora, aqui, tende, no limite, ao escopo daquela descrita por Walter Benjamin: liberar, na língua da tradução, a linguagem pura que o original vela, e em relação à qual o sentido comunicativo (Bedeutung) é apenas uma referência tangencial. “Só se pode sentir assombro reverente diante do poder do mestre capaz, a cada momento, de dar realidade ao incompreensível mediante imagens visuais” (T. S. Eliot). Um estilo “conciso” e “luminoso”ν uma “experiência espiritual” próxima da “iluminação” (usado este termo num “sentido técnico”)ν “o vigor do Paradiso, não rivalizado em arte” – assim Ezra Pound pontua sua leitura desta Cantica Terza.17

A questio é a seguinte: será que Haroldo de Campos em sua transcriação da poética

dantesca conseguiu manter o nível anagógico do texto? Nesse estudo privilegia-se uma

perspectiva que tem na autonomia do texto e na sua materialidade seu ponto focal, à luz de

14AGAMBEN, Giorgio. Corn : dall anatomia alla poetica. )n: ____. Categorie italiane. Studi di poetica e di

letteratura. Bari: Editori Laterza, 2010, p. 40.

15 INEFÁVEL. In: INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário da língua portuguesa. Versão monousuário 2009.3. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009. CD-ROM; e in: MABILIA, Valentina e MASTANDREA, Paolo (Orgs.). Vocabolario Latino-Italiano / Italiano-Latino. Bolonha: Zanichelli, 2005, p. 335.

16 Edição de referência: ALIGHIERI, Dante. Commedia di Dante Alighieri. In: Letteratura italiana Einaudi. Milão: Mondadori, 2001. CD-ROM. Introdução, cronologia, bibliografia, comentário de Anna Maria Chiavacci Leonardi.

Ediçaõ brasileira de referência: ALIGHIERI, Dante. A divina comédia. Tradução, comentários e anotações de Cristiano Martins. 2ª Ed. Belo Horizonte, Ed. Itaiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1979, salvo os seis cantos do Paraíso traduzidos por Haroldo de Campos, a saber: I, II, XIV, XXIII, XXXI, XXXIII. Foram consultadas também as versões de Vasco Graça Moura (portuguesa), de Italo Eugenio Mauro (brasileira) e de João Trentino Ziller (brasileira). Quando diversamente optar, em nota a referência bibliográfica da tradução escolhida.

(27)

uma hermenêutica voltada a analisar nele os detalhes dos significantes que o constroem. A

escritura dantesca não é casual e nela forma e conteúdo caminham de mãos dadas, visto que o

sentido do texto poético reconhecido literalmente não é suficiente para uma comunicação

referencial suportada pela verificação empírica18. Assim sendo, o texto poético dantesco não

comunica linearmente, mas através de uma comunicação intransitiva que obriga o leitor a

voltar à mensagem para reconhecer nela as possíveis intenções comunicativas do texto e

possíveis sentidos. Seguindo o raciocínio de Haroldo, Dante,

trabalhando no nível do significante, é capaz, a cada momento, de “verbi-voco-visualizar” de maneira inovadora o que seria, em princípio, “antivisual‟, não “preensível”. Dante extrema o italiano a um ponto que nele, como colhido em pleno vôo da metamorfose, o latim se transparenta no momento mesmo da nomeação, não língua morta, mas língua viva em língua viva.19

A anagogia é utilizada por Dante para realizar uma escritura inovadora na qual a

nomeação transparenta a experiência inefável da lux inaccessibilis. A análise de trechos

escolhidos das traduções de Haroldo de Campos tem o intuito de averiguar a possível

permanência do nível anagógico na língua de tradução.

Conforme nos ensina Auerbach,

A interpretação figural estabelece uma conexão entre dois acontecimentos ou duas pessoas, em que o primeiro significa não apenas a si mesmo mas também ao segundo, enquanto o segundo abrange ou preenche o primeiro. Os dois pólos (sic!) da figura estão separados no tempo, mas ambos, sendo acontecimentos ou figuras reais, estão dentro do tempo, dentro da corrente da vida histórica. [...] Como na interpretação figural uma coisa está no lugar de outra, já que uma coisa representa e significa a outra, a interpretação figural é “alegórica” no sentido mais amplo.20

Esta particular interpretação que se fundamenta na figura intenciona ressaltar tanto a

historicidade do signo quanto seu referente alegórico (Beatriz é uma mulher que Dante

conheceu historicamente podendo-a cumprimentar e olhar e na Comédia é o guia ultraterreno

que conduz Dante pelo Paraíso). De acordo com Auerbach, o caráter figural da Comédia não

pode ser tomado como paradigma universal para interpretar toda passagem controversa, mas

dele podemos tirar certos princípios de interpretação. Desse ponto de vista, “o acontecimento

terreno é uma profecia ou figura de uma parte da realidade divina total que será revelada no futuro”21

. Como toda interpretação de um texto rico em densidade é sempre parcial, pois

18 Vejase, a esse propósito, Roman Jakobson acerca da função poética da comunicação. In: ____. Lingüística

e comunicação. Tradução de Izidoro Blikstein e José Paulo Paes. São Paulo: Editora Cultrix, 2003. 19 CAMPOS, Haroldo de. Pedra e Luz na Poesia de Dante. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1998, p. 81. 20 AUERBACH, Erich. Figura. São Paulo: Editora Ática 1997, p. 46.

(28)

deixa aberto o espaço para ulteriores aprofundamentos22, a anagogia consente descobrir - no

sentido de dar-se a conhecer de forma pertinente - novos sentidos. Isto é possível porque na

obra poética a densidade do texto permite novos percursos interpretativos da mesma coisa.

Por meio de sua semântica o texto gera e provoca novos objetos formados pelas relações

formais nele contidas e a anagogia atua justamente como conexão entre o sentido literal (ou

histórico) e o sentido figurado do texto.

Já na linguagem lógica de Aristóteles, o enaltecimento da linguagem vinha sendo

expresso por meio do conceito de indução23 com o significado de „subida‟, „ascensão‟ rumo

ao universal, no processo do sensível para o inteligível.

Anagogia é um vocábulo de origem grega, ἀ αγϖγή, composto por “aná” que significa “sobre/alto” mais uma derivação do verbo „ágein‟ que significa “conduzir” e, portanto, trata de conduzir rumo ao alto. Conforme dicionário de filosofia de Abbagnano, o termo anagógico

é

(gr. Anagógê; in. Anagogic; fr. Anagogíque, al. Anagoge, it. Anagogico). Um dos significados da Escritura (como distinguidos, p. ex., por HUGO DE SÂO VÍTOR,

De scripturis, III), mais precisamente o que consiste em proceder das coisas visíveis às invisíveis e, em geral, das criaturas à sua Causa primeira.24

Assim começa delinear-se o campo de atuação da anagogia. A partir do sentido literal,

procura-se o significado espiritual que transcende a letra. Através de uma imagem poder-se-ia

dizer que a anagogia é o barco que de uma margem do rio onde estão as coisas sensíveis

(sentido literal) leva à outra margem do rio onde estão as coisas inteligíveis (sentido

alegórico) e na navegação das águas do rio se cumpre toda atividade de conhecimento.

22 Sobre a inesgotabilidade do conteúdo da obra poética valem os ensinamentos de Walter Benjamin e de

modo particular o ensaio A tarefa do tradutor in: BENJAM)N, Walter. A tarefa-renúncia do tradutor.

Tradução de Susana Kampff Lages. In: ____. A tarefa do tradutor: quatro traduções para o português. Lucia Castello Branco (Org.). Belo Horizonte: Fale/UFMG, 2008, pp. 66-81.

23 Conforme dicionário de filosofia da Treccani a anagogia, na linguagem lógica de Aristóteles, significa

induç~o e, portanto, com o significado de subida, ascens~o rumo ao universal, indica sobretudo na linguagem neoplatônica o processo através dos graus da realidade, do sensível ao inteligível . Consultável em: http://www.treccani.it/enciclopedia/anagogia_(Dizionario-di-filosofia)/ (consultado em 12/05/2015). Cf. também ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone

Castilho Benedetti. ª Ed. revista e ampliada. S~o Paulo: Martins Fontes, , p. : INDUÇÃO (gr. étiaycoyn; lat. Inductio, in. Induction; fr. Induction; al. Induktion; it. Induzione). A indução é o procedimento que leva do particular ao universal: com esta definição de Aristóteles (Top., I, 12, 105 a 11) concordaram todos os filósofos. .

(29)

Continuando na indagação, a Enciclopédia Dantesca, por meio de Francesco Tateo,

explica que

O termo anagógico (cfr. o latim anagogicus, adaptação do grego ἀ αγϖγιχός indica o que “conduz para o alto”, “levanta”, e aplicado à hermenêutica bíblica, da qual é termo técnico, designa aquele procedimento interpretativo (sentido anagógico), para o qual o texto das Escrituras, lido à luz das verdades supremas, torna-se um

instrumento de conhecimento superior. O mesmo que Dante chama de

suprassentido.25.[negrito meu]

Utilizando ainda a imagem do barco e as águas do rio como texto, a anagogia pode ser

explicada como o processo de conhecimento que explora o texto em todas suas nuances

tornando-se “instrumento de conhecimento superior”, pois produz um espaço novo, uma

tenção dentro do texto.

Os autores latinos medievais, porém, não traduziram o termo grego „anagoge‟ com um

termo correspondente da língua latina, mas fizeram uma mera transliteração nas letras latinas,

acrescentando-o, assim, ao vocabulário e utilizando-o, sobretudo, na hermenêutica. Na Idade

Média europeia, a cultura era prevalentemente latina e cristã e a anagogia foi adquirindo cada

vez mais consideração à medida que o tempo passava. No espaço importante da exegese da

Sagrada Escritura, dentro da teoria dos quatro sentidos (literal, alegórico, tropológico e

anagógico ou místico), ela frisa o caráter escatológico do texto sagrado.

No plano terminológico, é importante o chamado de atenção de Maria Corti – erudita

estudiosa italiana e autora de importantes estudos sobre Dante – em relação à clareza, para

não confundir-se e entender que o

sistema esegetico che é costruito sui quattro sensi della Scrittura (letterale, allegorico, ético o tropologico, anagogico), [è un] sistema giustificato dalla divina fondamentale polisemia del testo sacro. Chiarissimo al proposito san Tommaso che all‟inizio della Summa (I, Qu. I, art. 10) spiega come l’esistenza di quattro sensi non produca equivocatio: la multiplicatus è dovuta al fatto che “ipsae res

significatae per voces aliarum rerum possunt esse signa”ν e postilla che bisogna sempre partire dal senso letterale, non dall‟allegorico.”26

. [negrito meu]

25 AA.VV. Enciclopedia Dantesca. Roma: )stituto dell Enciclopedia )taliana Fondata da Giovanni Treccani, 1970, Vol. 1 A-CIL., p. 246. [tradução minha].

26 CORTI, Maria. Scritti su Cavalcanti e Dante. La felicità mentale. Percorsi dell invenzione e altri saggi.

Turim: Einaudi, , p. : sistema exegético que é constituído com base nos quatro sentidos da Escritura (literal, alegórico, ético ou tropológico, anagógico), [é um] sistema justificado pela divina fundamental polissemia do texto sagrado. Claríssimo, nesse propósito, São Tomás que no começo da

Summa (I, Qu. I, art. 10) explica de que modo a existência dos quatro sentidos não produza aequivocatio: a

(30)

Daí é interessante se pensar a polissemia como uma característica fundadora na poesia

dantesca. Na desconexão entre inteligência e língua caracterizada pela inefabilidade, a

anagogia, como quarto sentido da interpretação textual, tende a forjar um suprassentido que

permite, de uma perspectiva linguística, explodir a palavra, criando constelações de

significados. É importante compreender que a razoabilidade da multiplicidade de sentidos do

texto poético está nas características textuais que não apresentam uma equivocidade, mas

estabelecem uma trama de relações com a cultura. Além disso, na obra dantesca de modo

peculiar, instaura-se uma relação entre literatura e a teologia27. Há muitos autores medievais

que recorrem ao sistema tradicional da quadripartição dos sentidos do texto, um por todos o

abade beneditino Rabano Mauro (nascido no redor de 780 d.C., ele pertenceu à renascença do

sistema de escolas instaurado pelo imperador Carlos Magno, do Sacro Império Romano), que

traz para a escrita todo seu conhecimento enciclopédico. Ainda hoje é considerado o maior

intelectual carolíngio. Papa Bento XVI – teólogo e extremo defensor do depositum fidei da

Igreja Católica – em 2009 destacou que o método do monge beneditino é

“de combinar todas as artes, o intelecto, o coração e os sentidos, que vinha do Oriente, teria tido um desenvolvimento enorme no Ocidente, atingindo níveis inigualáveis nos códices miniaturados da Bíblia e em outras obras de fé e de arte, que floresceram na Europa até à invenção da imprensa e além dela também” 28

.

Tendo firme seu objetivo de conduzir e educar a vida monástica de seus monges, em sua obra “De rerum naturis”, ao tratar do termo anagoge, Rabano pega em empréstimo o mesmo conceito de anagoge do Beda (sem mudar uma palavra sequer)29 para afirmar que a:

“Anagoge, id est ad superiora ducens, locutio est, quae de praemiis futuris, et ea quae in coelis est vita futura, sive mysticis seu apertis sermonibus disputat.”30

. [negrito meu]

27 Para o aprofundamento dessa relação Cf. CURTIUS, Ernst Robert. Poesia e Teologia, Capítulo XIIin: ____.

Literatura europea y Edad Media Latina, I. Cidade do México: Fondo de cultura econômica, 1955, pp. 305-320, em que o autor argumenta sobre a poética bíblica e a relação entre poesia e teologia na cultura medieval; e MAZZOTTA, Giuseppe. Nel cielo del sole: Dante tra San Bonaventura e San Tommaso (Paradiso X-XII). In: ____. Confine quasi orizzonte. Roma: Edizioni di Storia e Letteratura, 2014, em que o autor indaga a relação entre poesia teológica dantesca e filosofia e ética.

28 Para ter uma breve noção da vida deste monge medieval e sua incidência na cultura cristã medieval, remete-se ao que afirmou o Papa emérito Bento XVI (Joseph Aloisius RATZINGER), em sua pública audiência geral de quarta-feira em 03/06/2009. O texto é também disponível na página web:

http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/audiences/2009/documents/hf_ben-xvi_aud_20090603.pdf (consultado em 11/05/2015).

29 BEDA, o Venerável. De Tabernaculo et Vasis Ejus. In: Venerabilis Bedae. Opera Omnia. Tomus Secundus. Paris: J.P. Migne, 1850, PL 091, 410 D.

30 RABANO, Mauro. Opera Omnia. Tomus Secundus. Paris: J.P. Migne, , PL , B: Anagogia, isto é conduzir aos lugares mais altos, é a linguagem que por essa via explora o prêmio futuro e, rumo ao céu

(31)

A novidade trazida por Rabano consiste no fato de que, através da anagoge, ele

evidencia o caráter místico do texto, cujo escopo é de tratar do prêmio futuro e dos céus onde

a vida futura se conduzirá. O fato de ter sido colocado no IV céu do Sol, (Par. XII, 139) na

segunda coroa das almas sábias, nos leva a pensar que era bem conhecido por Dante. Com

efeito, há uma correspondência entre Rabano, que sustenta que a anagogia é a linguagem

(locutio) que trata do discurso místico, e Dante, que chama de suprassentido o sentido

anagógico. Em um passo famoso do Convivio que convém analisar, o poeta italiano afirma:

Lo quarto senso si chiama anagogico, cioè sovrasenso; e questo è quando spiritualmente si spone una scrittura, la quale ancora [sia vera] eziandio nel senso litterale, per le cose significate significa de le superne cose de l‟etternal gloria…31

Para o poeta italiano, o sentido anagógico é de certa forma a vereda que conduz ao

sentido místico de um texto e tem como seu ponto de partida o senso literal.

Continua Dante:

sì come vedere si può in quello canto del Profeta che dice che, ne l‟uscita del popolo d‟Israel d‟Egitto, Giudea è fatta santa e libera. Ché avvegna essere vero secondo la lettera sia manifesto, non meno è vero quello che spiritualmente s‟intende, cioè che ne l‟uscita de l‟anima dal peccato, essa sia fatta santa e libera in sua potestate. E in dimostrar questo, sempre lo litterale dee andare innanzi, sì come quello ne la cui sentenza li altri sono inchiusi, e sanza lo quale sarebbe impossibile ed inrazionale intendere a li altri, e massimamente a lo allegorico.32

Ele toma como exemplo o salmo 113 In exitu Israel de Egypto, que será também o

canto das almas que chegam ao Purgatório (Pur. II, 46), e o canto por ele retomado na

Epístula a Cangrande della Scala, para explicar os diferentes sentidos de um texto. Eis que na

explicação de um texto, para Dante é preciso recorrer ao sentido anagógico para que seja

compreendido seu significado espiritual. Este é um ponto importante para entender que a

anagogia desenvolve o papel de elo entre o sentido literal e o sentido espiritual, no processo

31 ALIGHIERI, Dante. Convivio. Tratado II, Capítulo I, 6. In: ____. Tutte le opere. Opere minori. Il convivio,

Epistole, Monarchia, Questio de acqua et terra. Fredi Chiappelli, Enrico Fenzi, Angelo Jacomuzzi, Pio Gaia (Orgs.). v. 2. Turim: UTET, 1997, p. 104. Tradução brasileira in: ALIGHIERI, Dante. Banquete. Tradução de

Ciro Mioranza. S~o Paulo: Editora Escala, , p. : O quarto sentido é chamado anagógico, isto é,

supra-sentido e este ocorre quando se expõe com propósitos espirituais uma escritura que, embora seja também verdadeira no sentido literal, por meio das coisas expressas se refere ao significado das supremas

coisas da glória eterna. .

32 Ibidem, Capítulo I, 6-8, op. cit., p. 104-105. Tradução brasileira in: ALIGHIERI, Dante. Banquete.

Traduç~o de Ciro Mioranza. S~o Paulo: Editora Escala, , p. : )sso pode ser verificado naquele canto

do profeta que diz que, na saída do povo de Israel do Egito, a Judéia se torna santa e livre. Embora seja também realmente verdade segundo a letra, não menos verdadeiro é aquele que espiritualmente se entende, isto é, que na saída da alma do pecado, ela se torna santa e livre em sua atividade. E ao demonstrar isto, o literal deve sempre preceder, como aquele em cuja sentença os outros estão incluídos,

(32)

de conhecimento do sensível ao inteligível. É a partir do sentido literal que surgem os outros sentidos, como também o sentido “segundo a letra”. τ sentido migra de um significado histórico (ou mítico) – a libertação do povo de Israel do Egito – a um significado anagógico: a

libertação do pecado. Aqui, evidentemente, os planos de significação se sobrepõem em uma

construção verbal e espiritual múltipla, arquitetada com base na tradição teológica e poética

que na Comédia adquire no terceto sua forma métrica, cujo encadeamento infinito dos versos

segue um firme rigor. Conforme nota Curtius,

La escolástica y la retorica concurren en un solo punto: en la exposición de los modi tractandi. La creación de Dante está estructurada por una arquitectura simétrica, evidente aun en su tabla de “modos”. De la gran cantidad de modos conocidos, Dante ofrece una selección bien meditada, que comprende diez elementos, esto es, un número perfecto; está dividida en dos series de cinco; la primera, como vemos ahora, se refiere al aspecto poético-retórico de la obra, y la segunda al aspecto filosófico. La formula et cum hoc enlaza las dos series de manera programática; quiere decir: “mi obra contiene poesía y a la vez filosofía”. De este modo, Dante reivindica para su poema la función científica que la escolástica negaba a la poesía en general.33

No decorrer da Comédia, teologia (ou filosofia) e poesia se entrelaçam continuamente

e é preciso recorrer às duas tradições para entender os sentidos múltiplos contidos no poema.

Os autores medievais, como Rabano, nos introduzem no contexto cultural da época de Dante

e observar o uso que eles têm feito do sentido anagógico nos mostra a concepção que eles

tinham da relação entre a res sensível e a res inteligível. Cabe frisar, en passant, que no

sublime dantesco podem se encontrar elementos marcadamente medievais que favorecem a

interpretação anagógica transcendendo o sentido literal. Entretanto, é importante ver quais

foram os exegetas medievais, que escreviam em grego ou em latim, e que utilizaram o sentido

anagógico ou o conceito de anagogia e seus derivados. Nos textos gregos de pseudo-Dionísio,

V século d.C. e portanto em plena Primeira Idade Média, a anagoge abrange o campo

semântico da elevação e do enaltecimento do evento poético. Na carta ao confrade Timóteo

que pertence à Hierarquia Celeste o autor escreve:

Infatti, semplicemente la Sacra Scrittura ha usato le sacre forme poetiche per la rappresentazione di intelligenze senza figura, avendo considerato, come si è detto, la

33 CURTIUS, Ernst Robert. Literatura europea y Edad Media Latina, II. Cidade do México: Fondo de cultura

económica, , p. : A escol|stica e a retórica concordam somente em um ponto: na expressão dos

modi tractandi. A criação de Dante é estruturada por uma arquitetura simétrica, evidente também em sua

seleç~o de modos . Do grande n’mero de modos conhecidos, Dante oferece uma seleç~o bem meditada,

composta por dez elementos, ou seja, um número perfeito; é dividida em duas séries de cinco; a primeira, como foi visto agora, refere-se ao aspecto poético-retórico da obra, e a segunda se refere ao aspecto filosófico. A expressão et cum hoc liga as duas séries de maneira program|tica, como a dizer: meu

(33)

nostra intelligenza e avendo provveduto a un innalzamento proprio del connaturale a lei e infine avendo formato per essa i simboli sacri che l’innalzano.34 [negrito meu]

Enaltecer equivale a tornar alto, (e)levar algo a um nível superior. No caso de Dante,

ele extrema o vulgar elevando-o a língua poética. Assim, a anagogia é usada por Dante como

recurso linguístico para escrever a respeito da viagem no mundo ultraterreno criando, nas

palavras, aquelas tensões que representam sua própria experiência.

Outro exegeta é Honório de Autun (1090-1152) e uma das definições que ele dá de

anagogia é a seguinte:

“Anagoge vero est superior sensus ducens ad Deum, et ad futurum saeculum”35 .

E traduzindo em português brasileiro: “A anagogia é então o sentido superior que nos

conduz a Deus e ao século futuro”. Para Dionigi, Beda, Rabano e Honório de Autun, portanto,

a linguagem anagógica ou mística, explorando o sentido espiritual e religioso ínsito na

transferência entre planos (humano / sobre-humano – sensível / inteligível), eleva, transporta

ou sublima um sentido que nos conduz em um plano sobrenatural e transcendente. Dante,

consciente de que o sentido anagógico pertencia ao sistema da hermenêutica teológica, opera

uma ruptura transformadora com a tradição literária sem, todavia, se afastar da cultura e

doutrina cristã. A ruptura concerne à utilização da anagogia em termos de linguagem poética. Daí, a palavra poética não se restringe simplesmente ao caráter metafórico e à “bela mentira”, mas pelo seu caráter polissêmico, que abre para novos sensos e sentidos, querendo representar

a experiência real do desejo e do amor através da ficção. A combinação de palavras realizada

pelo poeta em uma alquimia de criação linguística, através de jogos de rimas, assonâncias e

dissonâncias, aliterações e quiasmos constrói imagens que anagogicamente pretendem

transformar o sentido literal para compreender o senso religioso e místico da experiência

humana. Ele força a linguagem (como se verá). O resultado é de uma arquitetura que tem na

tenção anagógica seu alimento principal. É interessante se pensar que a partir dessa tenção,

cuja origem latina (tentio, onis) traz a intenção, a tendência (radical de tendente sob a forma

tend- + -ência, e tendente vem do latim tendens, entis, particípio presente de tendere), surge a

34D)ON)G) L AREOPAG)TA. Gerarchia Celeste. In: ____. Tutte le opere. Piero Scazzoso e Enzo Bellini (Orgs.). Introdução de Giovanni Reale. Ediç~o bilíngue. Mil~o: Bompiani, , B, p. . Com efeito, a Sagrada

Escritura usou simplesmente as sagradas formas poéticas para a representação de inteligências sem figura, tendo considerado, como foi dito, a nossa inteligência, e tendo providenciado exatamente um enaltecimento conatural a ela e, finalmente, tendo formado para ela os símbolos sagrados que a

enaltecem. . [traduç~o minha].

(34)

necessidade de criar neologismos na tessitura dos significantes que diminuem o espaço da

desconexão entre intelecto e palavra. Em uma escritura que utiliza uma língua in fieri, como

aquela dantesca, nas novas palavras encontra-se a possibilidade de diminuir a desconexão

marcante que se situa na relação entre intelecto e língua. Se de um lado a inefabilidade

procedente dessa desconexão tende a distanciar e a romper a ligação entre pensamento e

língua dando origem à incompletude na comunicação, por outro, um espaço novo metafórico

é produzido onde a tenção entre linguagem e pensamento alimenta uma extensão do sentido.

Para Agamben36 o sentido anagógico

–com‟é implicito nel suo nome (anagogiasignifica movimento verso l‟alto) – non è un senso accanto agli altri, ma indica il passaggio a un’altra dimensione (nella formulazione di Nicola di Lyra, esso indica quo tendas, “dove devi andare.”)37. [negrito meu]

O dístico citado por Agamben e referido por ele a Nicola de Lyra, na realidade,

conforme afirma o teólogo Henri de Lubac, hoje é atribuído a Agostinho de Dácia e sua forma

completa é a seguinte:

Littera gesta docet, quid credas allegoria,

Moralis quid agas, quo tendas anagogia38.

“Quo tendas anagogia”, ou seja: a anagogia ensina ao que tender. Assim, de modo geral, a anagogia se refere à tenção do movimento criada no texto pelas palavras que tendem a “enaltecer a letra” em direção ao ponto de chegada. σesse caminho, o intelecto é interessado em um conhecimento superior, cujo conteúdo parte de uma expectativa movida pelo desejo de

felicidade. Na Epístula a Cangrande della Scala39, o mesmo Dante frisa que o escopo da

Comédia é afastar os viventes do estado de miséria e conduzi-los a um estado de felicidade.

36 AGAMBEN, Giorgio. Il fuoco e il racconto. Roma: Nottetempo, 2014, p. 36.

37 Ibidem, pp. 36- : – como é implícito no seu nome (anagogia significa movimento em direção ao alto) não é um sentido ao lado dos outros, mas aponta a passagem para outra dimensão (na formulação de Nicola de Lyra, ele indica quo tendas, aonde deve ir. [tradução minha].

38 DE LUBAC, Henri. Esegesi Medievale. I quattro sensi della scrittura. v. 2. Seção quinta. Escritura e

Eucarestia. Opera omnia, v. . Roma: Edições Paoline, . Mil~o: Jaka Book, , p. : A letra ensina os fatos, a alegoria o que crer, a moral o que fazer e a anagogia ao que tender . [tradução minha]. 39 Cfr. ALIGHIERI, Dante. Epístula XIII, 39. In: ____. Tutte le opere. Opere minori. Il convivio, Epistole,

Monarchia, Questio de acqua et terra. Fredi Chiappelli, Enrico Fenzi, Angelo Jacomuzzi, Pio Gaia (Orgs.). v.

(35)

Como o ponto de partida é sempre o sentido literal do texto, nesse processo hermenêutico o

intelecto se depara com um significante cujo significado é polissêmico em virtude de a

comunicação, como dito antes, não ser transitiva, mas intransitiva.

Nesse processo de comunicação Agamben40 afirma que

Il senso letterale e il senso mistico non sono due sensi separati, ma omologhi: il senso mistico non é che l‟innalzarsi della lettera oltre il suo senso logico, il suo trasfigurare nella comprensione – cioè la cessazione di ogni senso ulteriore.”41

A compreensão do sentido espiritual ou místico do texto acontece através do

decodificar o signo da sententia e é nesse processo, que podemos chamar de desconstrução,

que vem à tona “o enaltecer da letra além do seu sentido lógico”, e “o seu transfigurar na compreensão” de Agamben pode ser entendido como o processo de reconstrução da sententia realizado pelo leitor, encarando tanto o suprassentido como a polissemia da palavra que

conduz à compreensão de possíveis multissentidos devidos à possibilidade de várias

perspectivas. Agamben enfatiza o processo de compreensão como escopo do processo de

leitura à luz do efeito anagógico, na busca de um sentido último ou absoluto. No entanto, a

partir de uma perspectiva linguística, que nos parece ser mais interessante pelas aberturas de

significado possíveis, o processo anagógico não delimita a multiplicidade dos sentidos e nem

é guardião de um sentido absoluto (evidente ou oculto), mas realiza um deslocamento do

universo significante. Ao utilizar a anagogia como recurso linguístico, Dante opera um

enaltecimento da linguagem e um deslocamento do significado em significantes que criam

uma tensão na comunicação do incomunicável. Ao navegar nas águas do texto rumo à outra

margem a anagogia tende a tecer os possíveis fios do processo de significação na tentativa de

reestabelecer uma possível comunicação do que a língua diz, cientes com Corti que

L‟omologia fra forma quae dat esse rei e forma locutionis é crollata dopo la torre di Babele, quando il rapporto all‟interno del segno verbale è divenuto ad placitum

(“loquela a nostro beneplacito reparata”, dirà Dante in I, ix 6). Il destino dell‟imprecisione si impossessa dell‟uomo, delle sue lingue naturali, non più universali, ma come lui variabili e mortali”42

.

40 AGAMBEN, Giorgio. Il fuoco e il racconto. Roma: Nottetempo, 2014, p. 36.

41Ibidem, p. 36- . [...] O sentido literal e o sentido místico n~o s~o dois sentidos separados, mas homólogos: o sentido místico não é senão o enaltecer da letra além do seu sentido lógico, o seu transfigurar na compreensão isto é, a cessaç~o de qualquer sentido ulterior. [tradução minha]

42 CORTI, Maria. Scritti su Cavalcanti e Dante. La felicità mentale. Percorsi dell invenzione e altri saggi.

Turim: Einaudi, , p. : A homologia entre forma quae dat esse rei e forma locutionis quebrou-se depois da torre de Babel, quando a relação dentro do signo verbal se tornou ad placitum loquela a nostro beneplacito reparata , dirá Dante no De Vulgari Eloquentia, I, ix 6). A destinação da imprecisão tomou

posse do homem, das suas línguas naturais, n~o mais universais, mas como ela, vari|veis e mortais.

(36)

A ruptura estética e linguística operada por Dante se coloca no cruzamento de uma

fundamental mudança de mundos e visões da leitura que caracteriza o fim da Idade Média. E

nas palavras de Curtius:

El espiritu y el alma de Dante, su pensamiento arquitectónico y su corazón ardiente, la tensión de su voluntad, que exigió de él portentos increíbles y lo forzó a lo indecible: tales son las fuerzas que confirieron forma, mágicamente, a “diez siglos de silencio”. Un solo hombre, un hombre único se enfrenta a todo un milenio de historia y lo transforma.43

43 CURTIUS, Ernst Robert. Literatura europea y Edad Media Latina, II. Cidade do México: Fondo de cultura económica, 1955, p. 542. O espírito e a alma de Dante, seu pensamento arquitetônico e seu coraç~o ardente, a tenção de sua vontade, a qual exigiu dele maravilhas incríveis e o forçou ao indizível: tais são as

(37)

3 INEFABILIDADE44

A Comédia de Dante se apresenta ao leitor como um relato autobiográfico de uma

viagem no além-mundo e termina com a visio Dei. O argumento do poema pode ser

identificado na representação e nas descrições das almas no além-mundo que habitam o

Inferno, o Purgatório e o Paraíso. No Inferno, o poeta constrói uma taxonomia das penas a

partir do grau moral do pecado cometido em vida pelo pecador. De forma cônica com o

vértice em baixo, o espaço da cratera é dividido em círculos, cuja circunferência vai

diminuindo até chegar ao vértice habitado por Lúcifer. O Purgatório, cuja forma é exatamente

o contrário do inferno, é representado por uma montanha dividida em degraus que marcam o

nível do pecado de gravidade decrescente da base ao cume. O Paraíso se encontra fora do

espaço terrestre localizado no céu. De topologia esférica, o espaço é dividido em nove esferas

que correspondem a sete céus que tomam os nomes a partir dos planetas, o céu das estrelas fixas e o céu do “Primeiro Móvel”. “Céu dos céus, o Empíreo”45 é a sede do Altíssimo, um não lugar onde não há medida do tempo como na Terra. Como nas outras cantigas, a alocação

das almas bem-aventuradas dos beatos em cada um dos nove céus e sua proximidade ao

Empíreo é estabelecida a partir do mérito; portanto, os mais próximos do Empíreo são os mais

merecedores. Em sentido alegórico-anagógico, um dos argumentos do poema que podemos

identificar é o homem livre que, por exercitar seu próprio livre arbítrio, será objeto de um

juízo final de prêmio ou punição. Portanto, ao escrever sua experiência intelectual e mística, o

poeta se depara com a necessidade de enfrentar o topos da inefabilidade. No sentido de

negação, a inefabilidade marca, semanticamente, essa impossibilidade de falar a respeito de

algo, porque ou é indizível e, portanto impronunciável, ou é indescritível por uma

impossibilidade devida à incapacidade da língua de expressar seu conteúdo. Ainda, o lexema

destaca a incompreensibilidade de algo que pode ser misterioso, arcano. Na obra de Dante

apresenta-se uma situação paradoxal: a inefabilidade é ligada, de uma parte, à indizibilidade

do que foi vivenciado e, por outra, à missão de relatar sua experiência. É importante retomar

novamente o que Dante, no Convivio, afirma a respeito da inefabilidade.

Però che li miei pensieri, di costei ragionando, molte fiate voleano cose conchiudere di lei che io non le potea intendere, e smarrivami, sì che quasi parea di fuori alienato [...] E questa è l‟una ineffabilitade di quello che io per tema ho preso; e

44 O topos da inefabilidade foi indagado por muitos críticos entre os quais, Ledda e Colombo. Na perspectiva da semiótica da religião são importantes os estudos realizados por Volli.

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