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ENTRE LEITURA E TRADUÇÃO: O ADVENTO DA TRANSCRIAÇÃO

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 103-121)

“A poesia è poesia quando porta in sé un segreto. Se fosse decifrabile in modo elementare non sarebbe più poesia”188. Essas palavras de Ungaretti, poeta e tradutor de poesia, ressaltam que a linguagem poética guarda algo que é comunicado na palavra, transcendendo- a. E Schlegel deixou escrito que “De poesia só se pode falar em poesia”189. Essas duas afirmações de estimados autores nos introduzem ao texto poético de uma maneira muito especial, porque nos mostram que a poesia contém algo que vai além do aspecto referencial da palavra, que vai além do strictu sensu literal: algo de segredo conforme Ungaretti e algo de metapoético segundo Schlegel. A partir disso, se pode depreender que o conteúdo do objeto poético se comunica não apenas através da referencialidade da palavra, mas também através de sua mesma forma. Como em um quadro em que as cores se combinam entre elas e preenchem o espaço geometricamente desenhado, cuja resultante beleza se destaca em um movimento artístico que golpeia o observador suscitando imagens mentais ou evocando emoções, na poesia, a língua é desveladora e evocadora na palavra e, ao mesmo tempo, remete a um conteúdo que emerge feito iceberg a uma leitura atenta e crítica. O objeto poético, ao mesmo tempo em que vela e protege seu conteúdo, proporciona para quem for atento, curioso e desejoso em explorar as profundidades do texto, uma dupla experiência do texto poético: de um lado a pessoal experiência emocional de quem lê evocada pelas palavras e de outro lado a possível ensimesmação com o texto e o autor, conhecido ou desconhecido que seja. De todo modo, é importante notar que o encontro entre leitor e texto acontece no texto. É a partir desse encontro, focalizado na materialidade do texto e caracterizado pela dialética entre a estranheza, devida ao tempo, e a familiaridade devida ao processo histórico de que autor e leitor são partícipes, que o leitor se depara com uma tensão no texto, criada pelas palavras. Leoncini nota que

Il senso del testo si costituisce secondo una aperta e costantemente riformulabile esperienza dialogico relazionale.190

188 Em 1961, em uma entrevista curada por Ettore Della Giovanna e transmitida pela RAI, Giuseppe Ungaretti, sobre a poesia afirmava que: a poesia é poesia quando porta em si um segredo. Se for decifrável de maneira elementar não seria mais poesia [traduç~o minha].

189 SCHLEGEL, Frederich. Conversa Sobre a Poesia. São Paulo: Iluminuras 1994, p. 30.

190 LEONCINI, Paolo. Testo, lettore e lettura in Gianfranco Contini. In: BORTIGNON Martina, DARICI Katiuscia, IMPERIALE Stefania (Orgs.). Il lettore in gioco. Finestre sul mondo della lettura. Innesti/Crossroads XL. v. 1. Veneza: Edizioni Ca Foscari, , pp. 29-40. A citaç~o é extraída de p. : O

A relação que se instaura entre leitor e texto leva à constituição do sentido como resultado da tensão dialógica mutuada pelo texto. Tanto o começo como o eixo da dinâmica interpretativa é sempre o texto. Mais ainda, ponto de partida e ponto de chegada. Na instância dialógica, o texto solicita o próprio leitor a empreender um caminho circular na leitura voltando sempre e de qualquer maneira ao texto. Miller paragona o professor ao poeta, o aluno ao leitor, e, como âmago do relacionamento entre eles, sinaliza a materialidade e a centralidade do texto, frisando que: “a obrigação ética primária do professor de literatura é para com a obra literária”191

. Trata-se, segundo o crítico, de levar em conta que “a obrigação para com a obra tem precedência, por uma implacável lei da leitura”192

. Entretanto, o professor, que também é um leitor, “deve contar [a obra] como é na realidade”193

. Nessa notação de Miller, ao que parece, o sentido da obra literária é singelo, único, contido no texto e preexistente à leitura. A essa abordagem tradicional se contrapõe a proposta teórica de Wolfgang Iser, que funda na tensão dialógica a busca do significado que não é singular, mas plural. No caso de poesia, poder-se-ia entender a ação de leitura como ação que leva ao (re)conhecimento de algo comunicado que vai além do sentido literal da palavra, da simples referencialidade do significante, pois a poesia lida com a eclosão da palavra. Iser nota que

ao constituirmos o sentido na leitura, experimentamos um mundo que, embora não exista mais, se deixa ver e, embora nos seja estranho, podemos compreender.194 Entretanto, se poderia afirmar que a distância entre texto e leitor é diminuída no ato de constituição de sentido. Vale a pena frisar que a dinâmica dialógica de compreensão é racional e, portanto o leitor é movido pela razão na busca do significado. Nessa dinâmica, o exercício da liberdade é de fundamental importância pelas escolhas que se farão ao longo da leitura empreendida. Abre-se, então, a perspectiva de uma compreensão entendida como procedente da ação de leitura, envolvendo a dialética entre razão e liberdade. Trata-se de ação racional, como ação de captar o significado transcendente da linguagem na palavra, em que a razão é empenhada como capacidade intelectiva, enquanto a liberdade é empenhada como fator de abertura ou de fechamento da razão na dinâmica de aceitação do significado que significante e signo sugerirem. Ou, com as palavras de Miller:

sentido do testo se constitui segundo uma aberta e constantemente reformulável experiência dialógico- relacional. [traduç~o minha].

191 MILLER, J. Hillis. A Ética da Leitura. Ensaios 1979-1989. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1995, p. 85 192 Ibidem, p. 85.

193 Ibidem, p. 85.

194 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 1. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1996, p. 48.

Quando falo em leitura não canônica, não estou me referindo a um relativismo crítico ou a uma transferência de significado para a resposta do leitor [reader response, ou estética da recepção], uma liberdade de fazer a obra significar qualquer coisa que se queira – mas justamente o oposto. Estou me referindo a uma resposta à exigência feita pelas palavras na página, uma habilidade, infelizmente nada comum, de reagir ao que as palavras na página dizem e não ao que queremos que digam, ou esperávamos que dissessem quando abrimos o livro.195

Daí se pode depreender que, no ato de leitura, a responsabilidade atua como resposta a uma sequência de obrigações do leitor que, em sua leitura, é impelido a ter pela “exigência feita pelas palavras”. Mas no ato de leitura, que entrevê nexos e profundidade de sentido dentro de uma dinâmica interpretativa, há outro fator a ser considerado. No diálogo entre leitor e texto, Eco alerta que

o próprio ato da leitura é uma transação difícil entre a competência do leitor (o conhecimento do mundo do leitor) e o tipo de competência que um dado texto postula a fim de ser lido de forma econômica.196

O resultado de uma leitura econômica, ou em outras palavras, razoável e pertinente, segundo Eco, depende de duas competências, a saber: a primeira se refere à linguagem e ao conhecimento disponíveis em um dado momento, vistos como o patrimônio social e culturalmente dado. Enquanto a segunda é postulada pelas características intrínsecas do texto. Este conjunto de regras gramaticais, de enciclopédia, de convenções aceitas pela cultura, de interpretações anteriores, de visão do mundo que o leitor pode dispor é o que ele tem para atuar em sua própria estratégia de leitura, ou em outras palavras, sua ferramenta. A respeito desta “difícil transação” (Eco) entre competências do leitor e competências que o texto postula, Wolfgang Iser assinala que na relação entre leitor e texto há uma assimetria, porque “o texto não se adapta aos leitores que o escolhem para a leitura”.197 E também que “a relação

entre texto e leitor carece de um padrão de referências”198

. Essa falta referencial mostra a existência de um vazio “subjacente à toda inter-relação”199. Assim, a existência de lugares vazios no texto leva o leitor a pôr uma pergunta ao texto e o círculo pergunta-resposta- pergunta, no diálogo entre leitor e texto, pede uma postura de disponibilidade que deveria perpassar o ato de leitura, a fim de reconhecer o que o texto diz e o que tem a dizer. A

195 MILLER, J. Hillis. A Ética da Leitura. Ensaios 1979-1989. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1995, p. 86. 196 ECO, Umberto. Interpretazione e sovrainterpretazione. Milão: Bompiani, 1995, 3ª Ed. 2004. Em português brasileiro: ____. Interpretação e superinterpretação. 2ª Ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 80.

197 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 102.

198 Ibidem, p. 102. 199 Ibidem, p. 103.

pergunta do leitor é a resposta ao apelo que o texto faz ao leitor. Leoncini nos ajuda a entender como enfrentar o risco de um relativismo subjacente à interpretação do leitor enquanto sujeito da relação dialógica com o texto.

La dinamica tensiva testo lettore mentre rinvia ad un significato relazionale del testo,che si realizza di volta in volta nelle articolazioni della circolarità domanda- risposta-domanda, sottrae il lettore all‟arbitrio del soggettivismo solipsistico, trasformando la soggettività esistenziale in soggettività etica in quanto ermeneutica.200

É interessante notar que o leitor não se bloqueia em frente a esse vazio, mas procura restabelecer um equilíbrio através da interpretação. Continua Iser: “τ equilíbrio só se deixa reconstruir se a carência for superada, razão pela qual o vazio constitutivo está sendo constantemente ocupado por projeções”201

. Na Comédia, Dante se dirige várias vezes ao leitor, indo além da mera apóstrofe enquanto figura retórica conhecida pelos clássicos e medievais, muito usada para captar a atenção do ouvinte. Dante se refere expressamente ao leitor e, portanto, considera a escritura um meio muito importante para o diálogo metalinguístico e metapoético com seu leitor. No canto X do Paraíso, o apelo ao leitor não é simplesmente uma apóstrofe como se fosse apenas uma questão de estilo, mas ao que parece, Dante usa da suspensão da narrativa para convidar expressamente o leitor a participar da experiência do autor e reconstituir o texto com suas próprias projeções:

Leva dunque, lettore, a l‟alte rote meco la vista, dritto a quella parte dove l‟un moto e l‟altro si percuote;

e lì comincia a vagheggiar ne l‟arte di quel maestro che dentro a sé l‟ama, tanto che mai da lei l‟occhio non parte.

[Levanta a vista, então, leitor, e mira

juntamente comigo àquela parte

200 LEONCINI, Paolo. Testo, lettore e lettura in Gianfranco Contini. In: BORTIGNON Martina, DARICI Katiuscia, IMPERIALE Stefania (Orgs.). Il lettore in gioco. Finestre sul mondo della lettura. Innesti/Crossroads XL. v. 1. Veneza: Edizioni Ca Foscari, , pp. -40. A citaç~o é extraída de p. : A dinâmica tensiva texto-leitor, ao passo que remete a um sentido relacional do texto, que se realiza cada vez nas articulações da circularidade pergunta-resposta-pergunta, subtrai o leitor ao arbítrio do subjetivismo solipsista, transformando a subjetividade existencial em subjetividade ética enquanto hermenêutica. [traduç~o minha].

201 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 103.

onde um moto sobre o outro o impulso atira;

e deixa-te enlevar na esplêndida arte do Mestre que a sua obra preza e ama tanto que de si mesmo a faz comparte.]

(Par. X, 7-12)

Estamos no Paraíso e, portanto, a viagem leva à experiência da contemplação do amor, marcada pelo verbo “vagheggiare” (contemplar, enlevar-se). O poeta convida o leitor a contemplar a obra (arte) do divino artífice. O amor do homem pode ser a resposta ao amor divino que nunca deixa de amar sua obra (“tanto che da lei l‟occhio non parte”) (tanto que de si mesmo a faz comparte). Depois do convite a participar da experiência do poeta, Dante alerta que o leitor deve continuar sozinho a reflexão sobre aquilo que o poeta acabou de escrever e o leitor de ler:

τr ti riman, lettor, sovra ‟l tuo banco, dietro pensando a ciò che si preliba, s‟esser vuoi lieto assai prima che stanco.

Messo t‟ho innanzi: omai per te ti cibaν ché a sé torce tutta la mia cura

quella materia ond‟ io son fatto scriba.

[E, pois, leitor, à tua banca posto,

medita no que estou a demonstrar, por que prazer te cause e não desgosto.

Deixo ao teu apetite este manjar,

que o meu cuidado já se volve à empresa que neste canto me propus cantar.]

(Par. X, 22-27)

O registro linguístico familiar, marcado pelo pronome da segunda pessoa do singular, caracteriza o diálogo intimo e pessoal que Dante pretende ter com seu leitor. Que Dante convida o leitor a continuar a reflexão é marcado pelo verbo pensar (“dietro pensando”) para ser feliz (“lieto”). O convite trata de continuar a refletir sobre o que foi apenas acenado brevemente – “preliba”. O verbo “prelibare” indica a degustação de uma comida ou de um

argumento. Vale sinalizar o jogo com o pronome “tu” nas suas formas átona e tônica/obliqua (t‟ – te – ti) com o qual o poeta acentua que o leitor agora (“omai”) está nas condições de se alimentar sozinho: “Messo t‟ho innanzi: omai per te ti ciba” (Eu já servi o alimento para ti, a fim de que tu – sozinho – te possas alimentar). A metáfora do alimento convida o leitor a se nutrir da matéria que lhe foi dada, ou seja, de contemplar os céus e seus movimentos, as esferas celestiais (“alte rote”) do verso 7.

Contudo, a possibilidade de preencher o vazio pode fracassar, se o leitor não for disponível em modificar suas representações. Na dinâmica da leitura, “ele poderá experimentar algo que ainda não se encontra dentro de seu horizonte”202

. No texto, portanto, segundo Iser estão presentes espaços vazios latentes que permitem a iniciativa do leitor para seu preenchimento. Assim acontece no canto XXIX do Purgatório (97-102), em que o poeta se desculpa por não poder descrever suficientemente, e convida o leitor a ler Ezequiel (1, 4- 11):

A descriver lor forme più non spargo rime, lettorν ch‟altra spesa mi strigne, tanto ch‟a questa non posso esser largoν

ma leggi Ezechiel, che li dipigne come li vide da la fredda parte

venir con vento e con nube e con igne; [E, destarte, leitor, me pouparei

de mais os explicar, posto que à frente outro tema me atrai, como direi;

mas lê Ezequiel que exatamente os descreveu, vindos do Setentrião,

por entre o vento e as nuvens, no ar candente,]

(Pur. XXIX, 97-102)

Este é o caso de uma intertextualidade explícita que socorre à falta de narrativa e em que o leitor é envolvido em uma relação com o texto que lhe pede uma postura de adesão capaz de corrigir as suas próprias representações, e passa por “tal experiência [que] abarca

202 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 104.

tanto a objetivação e o distanciamento daquilo em que ele está envolvido quanto a evidência da experiência de si mesmo que não permitia ao leitor envolver-se na vida pragmática.”203 No processo de leitura de poesia, o reconhecimento de algo presente no texto é, se assim se pode dizer, um acontecimento, uma experiência de verdade do leitor, no sentido de que o texto comunica algo de autoral que permite uma verdadeira experiência. Sabemos que a relação entre leitor e texto sempre implica uma operação interpretativa e Volli, no que se refere a textos normativos e narrativos, afirma que

In ogni caso interpretare i testi è necessario, e si tratta di sollecitarli (questo, usato spesso da Lévinas, è uno dei significati possibili di derash, il livello più frequentato del commento), o addirittura di “accarezzarli”.204

A solicitação de Volli deixa transparecer uma relação de alteridade para com o texto que se impõe como presença e que, de certo modo, o leitor pode ouvir falar e se relacionar com ela. E é dessa escuta paciente que a palavra volta de seu recôndito lugar para trazer luz e o leitor, através de seu labor criativo, seleciona características do significante para delas retirar novos aspectos e sentidos. Para o sucesso da comunicação entre texto e leitor, Iser frisa que “é preciso que a atividade do leitor seja de alguma maneira controlada pelo texto”.205

. A relação de comunicação entre leitor e texto é determinada pela constituição de sentidos e as instâncias controladoras do texto são seus próprios vazios, pois o processo de comunicação se põe mediante a dialética de mostrar e ocultar. Ao leitor cabe preencher os vazios encontrados com a constituição de um sentido e

tal sentido dificilmente poderá ser equiparado com referências já existentes, sendo no entanto capaz de questionar o significado de estruturas existentes de sentido e modificar experiências anteriormente feitas.206

Antes, vimos com Leoncini que a produtividade do leitor está ligada à passagem de uma “subjetividade existencial” a uma “subjetividade hermenêutica” estimulada pelo texto. Esta resposta do leitor, que se dá em termos de linguagem, é uma operação interpretativa e

203 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 104.

204 VOLLI, Ugo. Al principio. Interpretazione oltre l'interpretazione - Un esempio ebraico. In: I piani della semiotica. Espressione e Contenuto tra analisi e interpretazione. Versus n. 103-104-105 (jan-dez 2007). Milão: Bompiani, 2008, pp. 149-191. A citação é extraída de p. 179: De qualquer maneira, interpretar os textos é necessário, e se trata de exortá-los (isto, muitas vezes usado por Lévinas, é um dos possíveis significados de derash, o nível mais frequentado do coment|rio , ou até mesmo acarici|-los . [traduç~o minha].

205 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 104.

Volli nos ajuda a focalizar sua complexidade:

L‟operazione interpretativa è pensata dalla tradizione ebraica in termini assai complessi […] Scrive per esempio Elie Wiesel (2006), pp. 15-16: “Commentare un testo significa prima di tutto stabilire fra se stessi e il testo una relazione di intimità: io esploro le sue profondità in modo da cogliere il suo significato trascendente. In altri termini, nel commentare un testo, abolisco le distanze. Leggo una frase che venne formulata al di là degli oceani e dei secoli [...] e per comprenderne l'intento originale la faccio passare attraverso altre frasi, fino a emergere nella mia mente” […] Il tema da sottolineare qui è quello dell'interpretazione come trarre alla luce.207 Trazer à luz (Volli) ou constituir um sentido preenchendo os vazios (Iser). De todo modo, a atividade de leitura, através do processo de comentário, leva à superação da distância entre leitor e texto que se manifesta inicialmente com a percepção de uma estranheza. De qualquer maneira, o ponto firme continua sendo a materialidade do texto em cuja centralidade a palavra eclode e cria uma tensão entre significante e significado. Se a busca do que a palavra poética carrega em si mesma pressupõe um sentido dado, a operação de busca deste sentido não é meramente arqueológica, no sentido de procurar o sentido absoluto ou único. Segundo Iser, o não dito “estimula os atos de constituição, mas ao mesmo tempo essa produtividade é controlada pelo dito e este por sua vez deve se modificar quando por fim vem à luz aquilo a que se referia.”208

. Esta relação íntima entre leitor e texto favorece o processo tradutório, pois é a partir dela que o tradutor – que é um leitor sui generis – pode “colher seu significado transcendente” (Volli) e dar à luz, em sua língua, um texto que se apresenta como um novo texto, de certa maneira „original‟. σo processo criativo da tradução poética, a responsabilidade para com o texto é a baliza demarcatória que determina as características do objeto final. Responsabilidade como qualidade de quem é responsável, que pela sua perspectiva etimológica nos remete a de “que garante, que responde”209

. Entretanto, as respostas às questões que surgirem durante quaisquer leituras de quaisquer textos literários,

207 VOLLI, Ugo. Al principio. Interpretazione oltre l'interpretazione - Un esempio ebraico. In: I piani della semiotica. Espressione e Contenuto tra analisi e interpretazione. Versus n. 103-104-105 (jan-dez 2007). Milão: Bompiani, 2008, pp. 149-191. A citação é extraída de p. : Pela tradiç~o hebraica, a operaç~o interpretativa é pensada em termos muitos complexos […] Escreve, por exemplo, Elie Wiesel , pp.15- : Comentar um texto significa, antes de tudo, estabelecer, entre si mesmo e o texto, uma relaç~o de intimidade: eu exploro suas profundidades de modo a captar seu significado transcendente. Em outras palavras, ao comentar um texto, eu anulo as distâncias. Leio uma frase que foi formulada além dos oceanos e dos séculos [...] e, para compreender seu intuito original, a faço passar através de outras frases, até emergir na minha mente […] O tema a ser sublinhado aqui é aquele da interpretaç~o de como trazer à luz. [traduç~o minha].

208 ISER, Wolfgang. O Ato da Leitura. Uma Teoria do Efeito Estético. v. 2. Tradução de Johannes Kretschmer. São Paulo: Editora 34, 1999, p. 106.

209 RESPONSÁVEL. In: INSTITUTO ANTÔNIO HOUAISS. Dicionário da língua portuguesa. Versão monousuário 2009.3. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2009. CD-ROM: fr. responsable 'que garante, que responde', der. do lat. responsus, part.pas. de respondère 'afirmar, assegurar, responder' para servir de adj. ao verbo répondre 'responder'.

ainda mais em caso de leitura de poesia, determinarão a compreensão do texto lido. Mas os riscos inerentes à leitura que o leitor enfrenta não cessam diante de possíveis teorias de leitura. Em seu ensaio “Leggere è un rischio” (“Ler è um risco”), Berardinelli nota que “Per Steiner il “leggere bene” non è un fatto tecnico nel senso dei metodi di analisi e

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 103-121)