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Análise de decisões jurisprudenciais favoráveis à teoria do domínio do fato no

Há uma tradicional tendência, em nossa jurisprudência favorável à teoria do domínio do fato como critério da delimitação da autoria, em afirmar que essa é a teoria acolhida, descrevendo, resumidamente, em que consiste essa teoria para, em seguida, aplicá-la ao caso concreto. Veja-se, por exemplo, os seguintes julgados490

do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais:

EMENTA: APELAÇÃO - ROUBO MAJORADO - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - CONDENAÇÃO MANTIDA - INCIDÊNCIA DA MAJORANTE DO CONCURSO DE PESSOAS - RECONHECIMENTO DA PARTICIPAÇÃO DE MENOR

489 PLASENCIA, José Ulises Hernández. La autoría mediata en derecho penal. p. 63.

490 O uso de jurisprudências em um trabalho científico deve ser feito sempre com muito cuidado. Não se deve confundir trabalho científico com peça processual. Como bem observa Salo de Carvalho, nos trabalhos científicos, há certa tendência em se fazer essa confusão. “Ocorre que a atividade como operador do direito é absolutamente distinta da acadêmica. São campos de atuação e de conhecimento autônomos, com características próprias. Todavia é muito comum as técnicas e os estilos de narrativa do labor cotidiano do ator judicial ingressarem em forma de argumentação na esfera acadêmica. O uso da jurisprudência exemplifica perfeitamente esta situação. Conforme trabalharei posteriormente, o estudo de casos jurisprudenciais permite ao pesquisador dar concretude e vida ao seu trabalho. Mas estudos de caso ou de correntes jurisprudenciais de argumentação não podem ser confundidos com o uso instrumental de julgados, típicos da atividade como sujeito processual”. CARVALHO, Salo de. Como (não) se faz um trabalho de conclusão: provocações úteis

para orientadores e estudantes de direito (especialmente das ciências criminais). Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2011, p. 19. Buscaremos, através dos julgados que ora apresentamos, expor certa tendência dos nossos tribunais em se posicionar de maneira dogmaticamente incompleta e não uniforme, quando do tratamento e acolhimento da mesma teoria da autoria para a delimitação da autoria no estudo do concurso de pessoas para a prática de um crime. Para esse propósito, apenas dois julgados seriam suficientes, pensa-se.

IMPORTÂNCIA APLICADO NO GRAU ADEQUADO, TENDO EM VISTA AS CIRCUSNTÂNCIAS DO DELITO. 1 - Tratando-se de delito praticado na clandestinidade, como o roubo, é de dar-se especial relevância às palavras das vítimas como elemento de prova, desde que não destoem do conjunto probatório e que não se encontrem, nos autos, indícios ou provas de que elas pretendam incriminar pessoas inocentes. 2 - Pela teoria do domínio final ou funcional

do fato, se considera autor todo aquele que, com sua conduta, após uma prévia divisão de tarefas, além de influir subjetivamente direta e decisivamente no êxito da empreitada criminosa, poderia evitá-la491. (Grifos nossos).

EMENTA: ROUBO QUALIFICADO PELO CONCURSO DE PESSOAS - AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS - TEORIA DO DOMÍNIO FINAL DO FATO - AGRAVANTE DA EMBOSCADA. Pela Teoria do Domínio Final do fato, autor é

aquele que possui o domínio do fato, ou seja, dentro de sua parcela de competência (divisão de tarefas), possui o controle do transcurso da ação. Domina o fato quem pode decidir ou mesmo influenciar, a qualquer momento, sobre a consumação do crime, sobre se a ação deve prosseguir ou deve ser interrompida. Incide a agravante da emboscada quando a forma de

execução impossibilita ou torna reduzida a defesa do ofendido (Artigo 61, inciso II, alínea ""c"", do CP)492. (Grifos nossos).

EMENTA: FURTO QUALIFICADO - CONDENAÇÃO MANTIDA - CO- AUTORIA CARACTERIZADA - PARTICIPAÇÃO DE MENOR IMPORTÂNCIA - INAPLICABILIDADE - APLICAÇÃO DE PENA - REVISÃO DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59, CP - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

Deve ser afastado o pleito absolutório diante de elementos probatórios suficientes acerca da autoria do crime.

Adotada a teoria do domínio funcional do fato, a definição da autoria na hipótese de concurso de agentes não mais se restringe à análise do desenvolvimento da ação típica, mas, sim, na avaliação se a ação conjunta resultou do caráter comum da decisão do fato, bem como se as contribuições dos concorrentes eram indispensáveis para o alcance do resultado finalisticamente objetivado, de acordo com o plano concreto traçado, ou se apesar de representar algum auxílio, não representa função independente. Na primeira hipótese, ocorrerá a autoria e na segunda, participação.

É autor aquele que dirige o veículo levando os comparsas para o local da prática do furto, bem como viabiliza o transporte da res furtiva com seu veículo. É inaplicável o benefício da participação de menor importância ao coautor.

491 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINAS GERAIS. Apelação Criminal 1.0024.11.322749-0/001, Relator(a): Des.(a) Paulo Cézar Dias, 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 20/11/2012, publicação da súmula em 28/11/2012.

492 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINIAS GERAIS. Apelação Criminal 1.0216.06.036701-0/001, Relator(a): Des.(a) Paulo Cézar Dias , 3ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 08/06/2010, publicação da súmula em 13/08/2010

Revistos os conteúdos de algumas circunstâncias judiciais do art. 59, CP, deve ser reduzida a pena-base493. (Grifos Nossos).

Conforme se observa, os três julgados se posicionam de maneira expressa em favor da teoria do domínio do fato como critério da delimitação da autoria e da distinção entre autoria e participação no concurso de pessoas. Contudo, depreende- se que os referidos julgados se apoiam em concepções distintas da teoria do domínio do fato.

O primeiro julgado acolhe, de acordo com a nossa opinião, a teoria do domínio do fato segundo a concepção de Welzel. Relembre-se, novamente, que, na concepção de domínio de fato de Welzel é imprescindível, para fins de delimitação da coautoria, a resolução comum dos fatos (contribuição prestada na fase preparatória) e é de suma importância (mas não é imprescindível) a execução conjunta desse fato.

Já quanto ao segundo julgado, pode-se afirmar que há o acolhimento da teoria do domínio do fato segundo a concepção de Maurach. Relembre-se, mais uma vez, que Maurach acolhe uma concepção eminentemente elástica da teoria do domínio do fato, ou seja, para ele, não interessa se o agente tenha contribuído ou não nas fases preparatória e executória do crime. O que interessa para a delimitação da autoria, de acordo com a teoria do domínio do fato de Maurach, é, definitivamente, o fato de o agente “ter em suas próprias mãos o controle sobre a marcha causal do evento típico”.

Por fim, pode-se afirmar que o último julgado se apoia na concepção de domínio do fato de Roxin. Como visto, Roxin entende que, a despeito de ser essencial o ajuste de vontades na fase de preparação do crime e a contribuição na fase de execução, o domínio objetivo do fato não pode ser atingido, segundo esse autor, por intermédio apenas da contribuição da agente na fase preparatória do crime. Para Roxin, assim, a contribuição da agente apenas na fase de preparação do crime não o coloca na posição do coautor. Nessa condição, o agente estaria afastado da posição central e não haveria como afirmar e provar qu,e nessa

493 TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE MINIAS GERAIS. Apelação Criminal 1.0434.10.002908-2/001, Relator(a): Des.(a) Alexandre Victor de Carvalho, 5ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 02/10/2012, publicação da súmula em 08/10/2012.

situação, esse agente teria o domínio sobre o fato. O domínio conjunto do fato se faz presente, segundo ele, apenas quando há uma contribuição imprescindível do agente na fase de execução do crime.

Afirmar simplesmente que se acolhe a teoria do domínio do fato como critério de definição da autoria e da distinção entre autoria e participação no estudo do concurso de pessoas não significa, em princípio, absolutamente nada, ou seja, não é suficiente afirmar que se acolhe a teoria do domínio do fato para esse fim. É necessário, ademais, posicionar-se em relação a qual concepção da teoria do domínio do fato se apoia, pois, conforme ficou demonstrado, há diferentes concepções a esse respeito.

Nessa esteira, cumpre registrar que aderimos à teoria do domínio do fato como critério para a caracterização da autoria segundo a concepção de Roxin. Esse autor, conforme se demonstrou, construiu uma teoria do domínio do fato absolutamente autêntica e muito bem sistematizada.

7.3 Estudo de caso a partir da teoria do domínio do fato segundo a