• Nenhum resultado encontrado

3.4 Teorias restritivas ou diferenciadoras de autoria

3.4.2. Críticas à teoria objetiva-formal

Um das mais importantes críticas dirigidas à teoria objetiva-formal é a de que essa teoria não soluciona o problema da autoria mediata. A autoria mediata, como se viu, é uma forma de autoria em que o autor mediato serve-se de um interposta pessoa como instrumento para a realização da ação típica.

No famoso caso da enfermeira, citado no capítulo primeiro do presente trabalho, o médico não pode ser considerado como autor porque não executa, total ou parcialmente, a conduta descrita no tipo penal. Tampouco não pode ser o médico considerado com partícipe, porque entre ele e a enfermeira inexiste o liame subjetivo, elemento imprescindível para a configuração do concurso de agentes. A enfermeira, por sua vez, não poderia ser considerada autora ou partícipe, por ter ele agido, no máximo, culposamente.

Os partidários do conceito formal-objetivo não são unânimes em relação aos argumentos que rebatem essa crítica.

Zimmerl, ante a impossibilidade de se adaptar a teoria objetiva-formal à autoria mediata, propõe descartá-la e encarar essa figura a partir dos estudos sobre

indução. Nas palavras do autor: “lo mejor es excluir totalmente la autoría mediata y concebir tales casos como supuesto de inducción”200 .

O argumento de Zimmerl não se sustenta. A indução pressupõe necessariamente liame subjetivo entre o indutor e o induzido. Referido liame inexiste nas hipóteses de autoria mediata. Se A conecta à fechadura de seu vizinho e desafeto B um artefato explosivo com o objetivo de explodir seu apartamento e consequentemente causar a sua morte, imediatamente após a fechadura ser acionada por alguém, não se pode afirmar que A tenha induzido o eventual visitante a cometer crime201.

Há, por outro lado, alguns teóricos do critério objetivo-formal que sustentam que o autor mediato realiza também uma ação executiva. Neste sentido, por exemplo, Beling.

Otra cosa sucede cuando Secundus ha obrado “como instrumento”

de Primus; ya sea que estuviese obligado jurídicamente (orden superior obligatoria, C. P. M. 47) o que estuviese inconsciente, o que careciese de imputabilidad, o que se encontrase en un error que le ocultara el proceso causal y que con respecto la producción del evento obrase, por ello, sólo imprudentemente o sin culpa alguna. En estos casos, el comportamiento de Secundus de “transmite” a

Primuns juntamente con el resultado producido, exactamente como si

en vez de Secundus, es eslabón de la cadena causal hubiese sido una máquina, un perro, etc.

Estos principios se deducen inmediatamente del contenido de los delitos-tipos . Pues el uso verbal corriente aceptado por el legislador en la expresión “matar”, etc., comprende también el hecho de matar “por medio de otro hombre”, cuando éste último está de tal modo bajo el influjo de Primus que no posee plena responsabilidad primaria, (…).

En consecuencia, p. ej., Primus “mata” a X o a Y por mano de X, cuando X es un enfermo mental. Esta figura se llama “autoría mediata”, la cual, en el sentido de la ley, es “autoría”, y no constituye una concepto distinto de ésta202.

200 ZIMMERL: Zur Lehre vom Tatbestand. (Übersehene und vernachlässigte Probleme), Strafrechtliche Abhandlungen, t, 237, Breslau, 1928, p. 120. Apud, ORDEIG, Gimbernat Enrique.

Autor y cómplice en derecho penal, p. 22.

201 ORDEIG, Gimbernat Enrique. Autor y cómplice en derecho penal, p. 23/24.

Esse argumento igualmente não se sustenta. A autoria mediata exige, para a sua configuração, que a pessoa “instrumento” realize, total ou parcialmente, a conduta descrita no verbo reitor do tipo. A ação executiva jamais poderá ser realizada pelo autor mediato. Nem sempre a utilização de uma pessoa como “instrumento” para a prática de um crime, como já se viu, configura a autoria mediata. Assim, por exemplo, o agente executor que empurra uma pessoa contra a prateleira de uma loja com o objetivo de destruí-la. Aqui, uma pessoa foi utilizada como “instrumento” para a prática de um crime de dano. Contudo, nessa hipótese, estamos diante de uma autoria direta e não mediata, haja vista que a pessoa “instrumento” não realizou, total ou parcialmente, a conduta descrita no verbo reitor do tipo penal. A ação executiva do crime de dano foi realizada pelo agente que empurrou uma pessoa contra a prateleira. Autoria direta, portanto.

Ainda, não se deve confundir atos preparatórios – meramente impuníveis, via de regra –, com atos executórios. No citado exemplo de Zimmerl, o que realiza a ação executiva não é o que conecta à fechadura de seu vizinho o artefato explosivo. Essa conduta configuraria ato meramente preparatório de um crime de homicídio e por força do Princípio da Lesividade, essa conduta não pode ser punível. Em verdade, a ação executiva foi realizada pela pessoa que acionou a fechadura203.

Há, ainda, alguns teóricos do critério objetivo-formal que sustentam a existência de dois conceitos de autor

Autor es por regla general, se dice, el que realiza un acto ejecutivo; pero también lo puede ser, excepcionalmente, el que, aun sin ejecutar, ha si a “causa” del resultado producido (Finger, Frank, v. Hippel), o tiene la “preponderância” en el acontecimiento delictivo (Hegler), o es el que, “desde un punto de vista normativo, realiza o más grave” (Sauer) 204.

É também insustentável esse argumento de um possível duplo conceito de autor. O argumento poderia até solucionar o problema da autoria mediata. Contudo, colidiria com o fundamento básico utilizado pelo critério objetivo-formal para

203 ORDEIG, Gimbernat Enrique. Autor y cómplice en derecho penal, p. 25. 204 ORDEIG, Gimbernat Enrique. Autor y cómplice en derecho penal, p. 25.

distinguir autoria e participação, qual seja, a realização pessoal da ação executiva205.

Além da irrebatível crítica relacionada à não explicação da autoria mediata, a teoria objetiva-formal tem dificuldades de delimitar, com maior nível de segurança, o critério da realização da ação executiva como elemento definidor da autoria.

Nos delitos em que o tipo penal não define os meios para se alcançar o resultado – como ocorre por exemplo no homicídio – não se consegue definir, com a necessária precisão, qual ou quais atos devem ser considerados como de execução para fins de se definir quem realiza a ação típica. Esse problema se faz presente nas hipóteses de coautoria.

Nesse sentido, Stratenwert afirma que

Sin embargo, al igual que allá, también aquí se hace necesario delimitar con más detalle, por su parte, el concepto de “acción ejecutiva”: ¿Ejecuta el delito de homicidio doloso también aquel que hace caer en la trampa a la víctima, o solamente aquel que dispara el tiro mortal? Los defensores de la teoría formal-objetiva respondieron en primer lugar que autor es sólo quien realiza el tipo “en su propia persona”. Pero, por un lado, con ello no quedaron superadas las

dificultades: ¿con qué derecho se puede decir, en el caso del ejemplo, que sólo el que disparó ha ejecutado la acción típica en su propia persona?, o la inversa: ¿con que derecho, que también hay que incluir al otro?206

Para se defenderem dessa crítica, os partidários da teoria objetiva-formal precisam reconhecer como satisfatória, para fins de delimitação da coautoria, a realização de apenas parte da ação executiva207. Beatriz Vargas Ramos reage a

essa crítica afirmando que

Se os defensores da teoría formal-objetiva parecem contentar-se, como querem os adeptos do critério finalista, com parte da execução

205 ORDEIG, Gimbernat Enrique. Autor y cómplice en derecho penal, p. 25/26.

206 STRATENWERTH, Günter. Derecho penal; parte general I – el hecho punible. p. 369.

207Nesse sentido, Nilo Batista afirma que “(...) o critério formal-objetivo se contenta, na verdade, não com a integral realização da conduta executiva, e sim com a realização de um ‘trecho’ dessa conduta; com a mera interferência em parte da execução; seu compromisso com a tipicidade, pois, não é tão profundo quanto apregoado por seus seguidores (BATISTA. Nilo. Concurso de agentes: uma

para caracterizar a coautoria, os fautores (sic) da teoria finalista, por sua vez, parecem satisfeitos com uma fração de domínio do fato, para os mesmos fins.208

Por fim, uma última e igualmente importante crítica dirigida à teoria objetiva- formal é que nesse critério o mentor intelectual de um crime deve ser considerado sempre como partícipe em virtude de não praticar ele, nem total nem parcialmente, qualquer ato de execução209.

Sobre esse crítica, Maurach afirma que a teoria formal objetiva

Como estaba adherida a lo formal, no le era posible tomar con suficiente consideración una forma especialmente peligrosa de la coautoría, esto es, el de la división del trabajo consentida en el acontecer delictivo. Ella no podía castigar como autor, sino solamente como cómplice, al jefe de la banda que dirigía el asalto ordenando y controlando, dado que éste, sin intervenir por propia mano, dejaba la parte menos importante del asalto a sus cómplices. Ella significaba por lo mismo un absurdo premio del autor más peligroso210.