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3.2 Teoria unitária da autoria

3.2.1 Críticas à teoria unitária de autoria

Contra a teoria unitária da autoria, que inicialmente pode parecer prática, há inúmeras críticas e dentre essas críticas merecem destaques as que seguem.

Jescheck, reconhecendo a eventual praticidade do conceito unitário de autor, adverte que, através da reformulação da integralidade das contribuições prestadas

138 BATISTA, Nilo. Concurso de agentes: uma investigação sobre os problemas da autoria e da

participação no direito penal brasileiro, p, 26

139 REALE Jr., Miguel. Instituições de direito penal: parte geral. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 310.

140 Por todos, GRECO, Luis; LEITE, Alaor. O que é e o que não é a teoria do domínio do fato sobre a

ao fato na produção de lesão ao bem jurídico tutelado, se perde, segundo essa concepção, “el especifico injusto de acción del tipo correspondiente". Restaria afetada, assim, a função de garantia dos tipos penais141.

Ainda segundo Jescheck, o conceito unitário de autor conduz a uma indesejável extensão da punição, haja vista que a tentativa de contribuição é punível em todas os casos nos quais está previsto, no tipo, a pena dessa forma imperfeita de execução142. Assim, o partícipe estaria submetido à plena punibilidade do crime

tentado praticado pelo autor, o que materialmente não se justifica143.

Nesse mesmo sentido, Miguel Díaz y García Conlledo pondera: 144

Otra de las críticas más comunes al concepto unitario consiste en afirmar que el mismo conduce a una ampliación intolerable de la punibilidad de la tentativa. El razonamiento es el siguiente: como en un concepto unitario las formas de participación de los conceptos restrictivos se convertirían en formas de autoría de igual peso, lógicamente lo que en los sistemas diferenciadores sería tentativa (impune) de participación se convertiría en tentativa punible de autoría lo cual no es aconsejable, sobre todo en lo que sería la tentativa de complicidad, en la que no se ven razones serias para que sea castigada. Más discutible es el caso de la tentativa de inducción.

Ainda sobre a indesejável extensão da punibilidade proporcionada pelo conceito unitário de autoria, Jakobs apresenta a seguinte advertência:

En el estadio de la preparación (antes de la cesura que señala el comienzo de la tentativa; p. ej., procurarse útiles para el robo), nadie considera la posibilidad de punir en geral las acciones de preparación que han quedado aisladas en tanto que una sola persona debe ejecutar por sí sola todo o necesario para el delito. Si se divide el trabajo (el primero que toma parte se ocupa de la preparación, el segundo del llevar el hecho a tentativa y a consumación), según el concepto unitario de autor, la acción preparatoria, sin embargo, se

141 JESCHECK, Hans-Henrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 695.

142 Nas palavras do autor: “El concepto unitario de autor conduce, además, a una extensión indeseable de la punibilidad porque la tentativa de intervención se hace punible en todos los casos en lo que en el tipo está el castigo de tal forma imperfecta de ejecución, mientras que la participación intentada sólo aparece conminada con pena dentro de unos límites estrechos (§§ 30, 120 III, 159)”. JESCHECK, Hans-Henrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de derecho penal, p. 695.

143 MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz. Derecho penal; parte general. p. 289. 144 DÍAZ Y GARCÍA CONLLEDO. Miguel. La autoría en derecho penal. p. 133/134.

convierte en una aportación concluida al delito, que, sin exigencia de acessoriedad, tendría que ser punible como tentativa de delito, aun cuando después no ocurra nada más. Así pues, se transforman los actos preparatorios en tentativas145.

Donna146 destaca que nos crimes próprios (específicos ou especiais)147

deverão ser considerados como autores os agentes que, de alguma forma, contribuírem com o resultado, ainda que eles não reúnam as condições ou qualidades exigidas nesses tipos penais148.

Ainda segundo o autor argentino, o mesmo ocorre com os chamados crimes de mão própria149. Aqui, o simples fato de o agente contribuir com a realização

desse crimes já o converte em autor. Em resumo, no crime de falso testemunho, segundo a concepção unitária da autoria, o terceiro que instiga o autor a prestar depoimento falso, será considerado igualmente autor do delito de mão própria150.

A teoria unitária proporciona, ademais, o inconveniente de se punir a participação de estranhos em condutas que lesionam bens jurídicos próprios, como ocorre, por exemplo, nas autolesões e no suicídio. Isso ocorre em virtude de que o partícipe lesiona, nessas situações, bens jurídicos que lhes são alheios. Esse

145 JAKOBS, Günther. Derecho Penal Parte General, p.719/720.

146 DONNA, Edgardo Alberto. La autoría y la participación criminal. p. 17.

147Segundo Jorge de Figueiredo Dias crimes próprios, específicos ou especiais “são aqueles que só podem ser cometidos por determinadas pessoa, às quais pertence uma qualidade ou sobre as quais recai um dever especial”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal; parte geral. T. I. 2ª ed. portuguesa, 1 ed. Brasileira. Coimbra/São Paulo: Coimbra Editora/Revista dos Tribunais, 2007, p. 304.

148 No Brasil, por força dos arts. 29 e 30 do CPB, o agente que contribui com a prática de um crime próprio, como por exemplo o crime de peculato (art. 313 do CPB), responde por esse mesmo crime, ainda que não reúna a condição ou qualidade exigida por esse tipo penal, qual seja, ser funcionário público.

149 Segundo Jorge de Figueiredo Dias, crimes de mão própria são os tipos de ilícito “em que o preceito legal quer abranger como autores apenas aqueles que levam a cabo a açção através de sua própria pessoa, não através de outrem (...)”. DIAS, Jorge de Figueiredo. Direito penal; parte geral. T. I., p. 305.

150 Jescheck resume as críticas direcionadas à análise dos crimes próprios e crimes de mão própria à luz da teoria unitária da autoria da seguinte forma: “(...) em los delitos especiales y em los de propia mano también los intervenientes extraños deberían ser considerados como autores por la mera causalidade de sua colaboración, a pesar de que, respectivamente, ni han actuado de propia mano ni están cualificados como autores”. JESCHECK, Hans-Henrich; WEIGEND, Thomas. Tratado de

inconveniente não ocorre quando se acolhe o princípio da acessoriedade, porquanto o partícipe restaria impune, nessa situação, por força da ausência de um fato principal151.

Muarach pondera que, pela via do conceito unitário de autoria, a desvantagem de uma dogmática de medição judicial da penal incompleta e insuficientemente desenvolvida, seria traspassada pelos pressupostos da pena, ou seja “sobre la base de razones formales de un tratamiento igualitario, se abandonaría un elevado desarrollo dogmático, hasta ahora alcanzado al menos en el ámbito de la teoría del delito”152.

Mir Puig, por seu turno, afirma o acolhimento da teoria unitária da autoria coaduna com a perspectiva de um direito penal fundado na periculosidade do agente, na medida em que nivela a contribuição do todos os intervenientes da empreitada criminosa, considerando igualmente perigosos todos os níveis de contribuição153.

Por fim, pensamos que a teoria unitária da autoria é incompatível com a atual redação do art. 29 do CPB. Conforme exaustivamente evidenciado, o art. 29 do CPB diferencia, em nível de importância, autoria e participação. Segundo o art. 29, § 1º, do CPB, a participação terá, em relação à autoria, pena necessariamente menor. Não resta dúvida, conforme realçado, sobre a opção do legislador reformador no sentido de se acolher a distinção entre autoria e participação154. Assim,

considerando que a teoria unitária rechaça veementemente a acessoriedade e, considerando ainda que essa teoria nivela, quanto à importância, as contribuições prestadas por todos os intervenientes do fato criminoso, não há como pretender aplicá-la atualmente em nosso país.