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ANÁLISE DE DISCURSO: DISPOSITIVO DE ANÁLISE TEXTUAL

2 CONTEXTO DA PESQUISA E OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-

2.2 ANÁLISE DE DISCURSO: DISPOSITIVO DE ANÁLISE TEXTUAL

Além dos constructos teóricos de Vigotski e de autores vinculados à Literatura, ocuparemo-nos da Análise de Discurso francesa (doravante AD), cunhada por Michel Pechêux, para analisar os excertos selecionados dos diários de bordo dos estudantes e da professora/pesquisadora.

A AD surge na década de 60, na França, quando Pechêux tensiona a linguagem em funcionamento e a produção de sentidos; reclama o discurso como seu objeto de estudo, quando aponta que “discurso é efeito de sentido entre interlocutores” (ORLANDI, 2013, p. 21) e que todo discurso é um objeto histórico- ideológico que produz novos e outros sentidos a cada enunciado produzido, e que considera a posição-sujeito para produzir esses sentidos. A teoria em voga configura-se no entrelaçamento entre a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise: a primeira institui que a linguagem não é transparente, que ela não pretende atravessar o texto para emergir sentidos de trás dele. O Materialismo histórico pressupõe a história, ou seja, os fatos evocam sentidos; e da Psicanálise se traz a noção de sujeito, este que, na história, constitui-se pelo simbólico e que é atravessado pelo inconsciente. Então:

A Análise do Discurso é herdeira das três regiões do conhecimento – Psicanálise, Linguística, Marxismo – não o é de modo servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz ao objeto da Linguística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise. Interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e demarca da Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2013, p. 20).

Seguindo essa acepção, entendemos a AD como uma teoria que busca pelos sentidos instituídos nos discursos. Compreendemos esses sentidos a partir do lugar do qual falamos e dos constructos teóricos que sustentam a referida teoria e que foram apropriados por nós.

2.2.1 Quadro Conceitual da Análise do Discurso de Vertente Francesa

Para adentrar na teoria em voga, apontamos para os principais fundamentos teóricos que a mesma preconiza, pois, a partir deles alicerçaremos as análises dialogando com preceitos vigotskianos e literários.

A noção de sujeito é uma das principais da AD, pois parte-se do sujeito para analisar outras instâncias discursivas. Para a referida teoria, o sujeito é assujeitado, não é um sujeito físico, pois enuncia do lugar social que ocupa; diante disso, pensa- se num sujeito imaginário que representa um lugar discursivo, que faz emergir de si sentidos de acordo com sua posição. Nessa acepção, sujeito e sentido constituem- se mutuamente, pois são dependentes para ter e fazer sentido. Essa construção de sentidos se dá via discurso, que compreende outra dimensão conceitual da AD e que, segundo Orlandi (2013, p. 21) caracteriza-se como “efeito de sentidos entre interlocutores”.

O discurso está sempre na rede da dispersão, no interdiscurso, lugar este que abarca todos os discursos possíveis: o interdiscurso serve de suporte para tudo o que será proferido “sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 2013, p. 31), pois nele encontram-se o já-dito e esquecido e o vir a ser, visto que as palavras só fazem sentido porque já o fizeram em outros tempos/lugares/sujeitos. Pêcheux (2011, p. 73) afirma que “as palavras mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam. Nesse momento, podemos precisá-lo: as palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva para outra”.

O sujeito, atravessado por questões históricas e ideológicas busca nesse lugar – interdiscurso – aqueles discursos compatíveis com a posição que ocupa. Esses lugares discursivos representam as formações ideológicas (FI) e formações discursivas (FD): a primeira “é entendida como um complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos às posições de classes em confronto umas com as outras” (CAZARIN, 1998, p. 34), isto é, FI são os enunciados pertencentes a uma mesma posição; é o modo como o sujeito vê e se apropria do mundo. Formação discursiva, por sua vez, é entendida como a regularidade dos discursos e, ao apropriar-se desses discursos, há inscrição do sujeito em determinada FD.

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As condições de produção dizem respeito ao contexto, sugerem, portanto, o extralinguístico, pois a exterioridade é constitutiva do discurso e implicam o sujeito e a situação. Esse constructo teórico aponta para que:

Quando se diz algo, se diz de um lugar da sociedade para alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação. Há nos mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. Diante disso, é preciso considerar o lugar social dos interlocutores (CAZARIN, 1995, p. 22).

Outro ponto a ser destacado é a noção de autoria, que é retratada como efeito de, porque, segundo Orlandi (2013, p. 35), “quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam”; diante disso, podemos entender o movimento de autoria como um apanhado de discursos que se encontram no interdiscurso, e que, a partir da organização e coerência desses, instaura-se o efeito de autoria.

Encerrando esse contexto de apresentação de noções teóricas advindas da AD, trouxemos as concepções de leitura e interpretação, as quais rememoram a compreensão textual perante a construção de sentidos. Ao ler mobilizamos diferentes conceitos para que os sentidos possíveis se “revelem”. É relevante destacar que as leituras e interpretações sempre podem ser outras, pois o que determina os sentidos são as Formações Discursivas (FD) e Formações Ideológicas (FI) do sujeito. Ao recolher do interdiscurso os enunciados já estamos fazendo o movimento de interpretação, e para transformar esses enunciados dispersos em textos, há que se costurar as ideias produzindo um texto que parece estar acabado com inicio, meio e fim, aparentemente homogêneo. Essa costura configura um efeito-texto, pois visivelmente não há “nada faltando e nada sobrando” (INDURSKY, 2001, p. 33). Nessa perspectiva, entendemos que sempre há um a dizer nas escrituras, os textos nunca são fechados e homogêneos. Sobre o efeito-texto, então, consideramos que em sua leitura, nem sempre os entendimentos e percepções convergem, visto que cada sujeito – autor e interlocutor - ocupa um lugar discursivo.

Na perspectiva da AD, metodologia e corpus já configuram-se como parte da análise, assim como afirma Cazarin (2005, p. 46), “corpus e metodologia constituem- se já como momentos de análise e a metodologia usada na pesquisa resulta da

reflexão (análise) utilizada sobre o corpus”. Dessa forma, percebemos que o analista constitui sua própria metodologia, pois a organização do corpus é que dará indícios de como configurar-se-á a metodologia. Diante disso, já é um gesto interpretativo a própria escolha do corpus, e nesse sentido Orlandi (1999, p. 60) atesta que “uma mesma palavra, na mesma língua, significa diferentemente, dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma ou outra formação discursiva”. Portanto, as condições de produção e o contexto sócio-histórico permitirão que nossas análises signifiquem de determinada maneira.

Relativo ao corpus e a metodologia, primeiramente é necessário escolher o material a ser analisado, este chamar-se-á arquivo; depois selecionamos os enunciados que serão analisados, os quais constituem o corpus da pesquisa. Estes, nas análises, denominam-se sequências discursivas (Sds), as quais podem ser separadas em blocos ou recortes discursivos, dependendo da relação temática que possuem.

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3 ABORDAGEM ACERCA DO CONHECIMENTO LITERÁRIO E SUA INSERÇÃO