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A dramatização como estratégia de ensino e aprendizagem de obras literárias brasileiras

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

MESTRADO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

A DRAMATIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE OBRAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS

ALINE MARIA ZAMPIERI

Ijuí – RS 2018

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ALINE MARIA ZAMPIERI

A DRAMATIZAÇÃO COMO ESTRATÉGIA DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE OBRAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências – Linha de Pesquisa: Currículo e Formação de Professores, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientadora: Profa. Dra. Eva Teresinha de Oliveira Boff

Ijuí – RS 2018

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Z26d

Zampieri, Aline Maria.

A dramatização como estratégia de ensino e aprendizagem de obras literárias brasileiras / Aline Maria Zampieri. – Ijuí, 2018.

85 f. : il.; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Educação nas Ciências. Orientadora: Profa. Dra. Eva Teresinha de Oliveira Boff.

1. Educação. 2. Análise do Discurso. 3. Arte literária. 4. Currículo escolar. 5. Leitura. 6. Linguagem Literária. I. Boff, Eva Teresinha de Oliveira. II. Título.

CDU: 82.09 Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

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DEDICATÓRIA

Este estudo, a implicação contida nele é resultado dos olhos brilhantes dos meus pais, que compreenderam, sempre, o quão difícil e necessário é estudar. Esta conquista pertence a eles.

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AGRADECIMENTOS

Nesse tempo de produção acadêmica, muitas pessoas cruzaram – e muitas delas ficaram – no meu caminho. Àquelas que significaram de modo singular nessa travessia, deixo minhas palavras de carinho; estas, todavia, representam simbolicamente apenas parte de minha gratidão em poder ter partilhado a companhia.

Agradeço a Deus, por ter certamente me guiado nesta jornada. Agradeço ao Fábio, por compartilhar comigo os dias de angústias na produção da dissertação e por me amparar quando necessário.

Agradeço aos meus pais e irmãos que presenciaram todo o processo da dissertação.

Agradeço à minha avó, que sempre me perguntava como estava minha escrita, lembrando-me da importância em implicar-me nessa jornada.

Agradeço ao meu querido avô, que não pôde ver o fim desta travessia, mas que quando entre nós, sempre mandou energia positiva para meus estudos; a “Line” encerrou mais uma etapa. Agradeço aos professores, colegas, PPGEC e todos aqueles que passaram e deixaram comigo aprendizagens, experiências e amizades que certamente ajudaram a constituir-me enquanto sujeito.

Agradeço à Luana e o Diego, que foram e são mais que colegas: compartilharam alegrias e desafios da escrita e do mundo.

Agradeço a Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Bozano por permitir que minha pesquisa se realizasse nesse espaço, e também por compreender minhas ausências.

Agradeço à Maristela, que doou de seu tempo para me ajudar a construir uma escrita qualificada.

Agradeço de forma especial e particular a professora Eva, que me acolheu e me orientou com carinho mesmo sabendo das minhas falhas e fragilidades; obrigada por me guiar nesta jornada de aflições, dúvidas e ausências. Você possibilitou constituir-me, além de mestre, um sujeito-professor mais qualificado e implicado. Obrigada, sempre.

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“Toda pessoa é sempre as marcas de outras tantas pessoas. E é tão bonito quando a gente entende que a gente é tanta gente onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente que nunca está sozinho por mais que pense que está”.

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RESUMO

Esta pesquisa apresenta os desafios e as potencialidades enfrentadas na produção de dramatizações a partir de três obras literárias de autoria de Machado de Assis, a saber, os contos “A Cartomante”, “Uns Braços” e o romance “Dom Casmurro”. O estudo teve como objetivo identificar e analisar potencialidades e desafios de processo de ensino e aprendizagem decorrentes da produção e desenvolvimento de dramatização de obras literárias, bem como compreender de que maneira a dramatização pode reverberar em aprendizagem, por estudantes do ensino médio. Foram treze alunos do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Bozano, de Bozano/RS que participaram do processo de pesquisa. A pesquisa constitui-se como qualitativa do tipo estudo de caso, com referencial em Lüdke e André (1986) e fazemos uso do diário de bordo (ZABALZA, 2004) como instrumento de materialização dos discursos provenientes dos alunos e da professora pesquisadora. A Análise do Discurso (AD) de vertente francesa (Pêcheux) serviu de base teórico-metodológica; autores da perspectiva histórico-cultural e autores da Literatura ancoram teoricamente na realização das análises. Para este processo, foram elencados quatro recortes discursivos, onde apresentava-se recorrência de discursos: a) Relação entre a dramatização e aprendizagem, b) Linguagem, c) Localização histórica e temporal e ainda d) imagens advindas das apresentações. A partir dessa recorrência de discursos, percebemos que neles emergem o entendimento de conceitos literários, aproximação com a arte literária, melhora na escrita e na socialização dentro e fora da escola. Os resultados da pesquisa apontam indícios relevantes acerca da dramatização, como estratégia importante para o processo de leitura, escrita, criatividade e internalização de aprendizagens com produção de sentidos e significados. Esse processo nos permitiu perceber que se constitui em estratégia importante para a construção do conhecimento escolar; possibilitou também compreender como os discursos oriundos dos estudantes nos constituem como professores implicados no processo de ensino e aprendizagem literária.

Palavras-Chaves: Análise do Discurso. Arte literária. Currículo escolar. Leitura. Linguagem Literária.

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ABSTRACT

This research presents the challenges and potentialities faced in the production of dramatizations from three literary works written by Machado de Assis, namely, the short stories “A Cartomante”, “A Few Arms” and the novel “Dom Casmurro”. The purpose of this study was to identify and analyze the potentialities and challenges of the teaching and learning process resulting from the production and development of dramatization of literary works as well as to understand how dramatization can reverberate in learning by high school students. Thirteen high school students from the Bozano State High School, in Bozano, Rio Grande do Sul, Brazil, participated in the research process. The research is a qualitative case-study type, with a reference in Lüdke and André (1986) and a logbook (ZABALZA, 2004) has been used as an instrument for the materialization of discourses from the students and the researcher professor. The Discourse Analysis (DA) from the French aspect (Pêcheux) served as a theoretical-methodological basis; authors of historical cultural theory and authors of literature theoretically anchored the analysis. For this process, four discursive texts were included in which recurrences of speeches were presented: a) Relation between dramatization and learning, b) Language, c) historical and temporal location, and d) images coming from the presentations. From the recurrence of those discourses, we noticed that, from them, the understanding of literary concepts emerge, also the approach with the literary art, improvement in the writing and the socialization inside and outside the school setting. The results of the research point out to relevant clues about dramatization as an important strategy for the process of reading, writing, creativity and internalization of learning with the production of senses and meanings. This process allowed us to perceive that it constitutes an important strategy for the construction of school knowledge; that has made it possible to understand how the discourses derived from the students and made us professors involved in the process of literary teaching and learning.

Keywords: Discourse Analysis. Literary Art. School Curriculum. Reading. Literary Language.

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9 LISTA DE ABREVIATURAS AD Análise do Discurso DB Diários de Bordo EM Ensino Médio FD Formação Discursiva FI Formação Ideológica

RS Rio Grande do Sul

Sd Sequência discursiva

TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Quadro 1 – Dramatização: contribuições para o ensino e aprendizagem escolar... 17

Figura 1 – Visita à cartomante ... 71

Figura 2 – Jogo de xadrez: conversa e sedução ... 72

Figura 3 – Borges e Inácio: uma relação conflituosa ... 73

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 12

1 PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE A DRAMATIZAÇÃO: PERCEPÇÕES EM DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO ESCOLAR ... 16

2 CONTEXTO DA PESQUISA E OS PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS ... 23

2.1 A PRODUÇÃO DOS DADOS EMPÍRICOS ... 25

2.1.1 Primeiro Momento ... 25

2.1.2 Segundo Momento ... 26

2.1.3 Terceiro Momento ... 26

2.1.4 Quarto Momento ... 27

2.2 ANÁLISE DE DISCURSO: DISPOSITIVO DE ANÁLISE TEXTUAL ... 29

2.2.1 Quadro Conceitual da Análise do Discurso de Vertente Francesa ... 30

3 ABORDAGEM ACERCA DO CONHECIMENTO LITERÁRIO E SUA INSERÇÃO NO CURRÍCULO ESCOLAR ... 33

3.1 A LITERATURA COMO CAMPO DE ESTUDO ... 33

3.2 LITERATURA E SUA FUNCIONALIDADE ... 35

3.3 O LUGAR DO LEITOR ... 37

3.4 MIMESIS E DRAMA: A ARTE DE REPRESENTAR A REALIDADE ... 39

3.5 CURRÍCULO ESCOLAR E LITERATURA: O LUGAR DO POSSÍVEL ... 41

3.6 CONTRIBUIÇÕES PARA A ARTE LITERÁRIA NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL ... 46

4 DISCURSOS A PARTIR DE UM PROCESSO DE DRAMATIZAÇÃO DE OBRAS LITERÁRIAS BRASILEIRAS ... 50

4.1 RECORTE 1 – PERCEPÇÕES DA RELAÇÃO ENTRE DRAMATIZAÇÃO E APRENDIZAGEM DOS ESTUDANTES E PROFESSORA PESQUISADORA ... 51

4.2 RECORTE 2 – PERCEPÇÃO DA HISTORICIDADE E LOCALIZAÇÃO TEMPORAL DAS OBRAS A PARTIR DO ENTENDIMENTO DOS ESTUDANTES ... 64

4.3 RECORTE 3 – PERCEPÇÕES ACERCA DA LINGUAGEM PELOS ESTUDANTES ... 66

4.4 RECORTE 4 – PERCEPÇÕES ACERCA DOS REGISTROS FOTOGRÁFICOS: O QUE AS IMAGENS REVELAM ... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 76

REFERÊNCIAS ... 79

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INTRODUÇÃO

O ato de educar sempre me fascinou, todavia, nessa travessia como educadora, muitos percalços e dificuldades foram se apresentando. Professora da educação básica da rede pública de ensino, vejo cada vez mais os adolescentes se distanciarem da leitura impressa, da leitura literária; essa angústia e preocupação me fez pensar em maneiras de atrair e manter esse público mais perto dos livros literários.

Segundo Bordini (2015, p. 21), no ensino médio a leitura se dá essencialmente pela Internet, e os Best Sellers estrangeiros são os mais atrativos entre os jovens, principalmente aqueles que versam sobre “o humorismo, o sexo, o esporte, amor e aventura, ficção científica e Psicologia”. Diante desses dados, é notório que os professores precisam considerar as especificidades da idade para propor aulas interessantes e bem-sucedidas; para isso é imprescindível estimular atividades de leitura, desenvolver a habilidade de ler e compreender o mundo a partir das vivências, aproximar o texto da vida cotidiana do aluno, mostrar a herança literária/cultural como forma de apreensão e compreensão do mundo, apresentar o senso crítico, as possibilidades de entendimento de questões existenciais. Todos esses elementos direcionam o aluno à leitura de forma mais prazerosa e eficaz; papel este que a dramatização busca fazer.

A pesquisa foi pensada a partir de angústias relativas à refutação e a falta de interesse dos alunos do ensino médio de uma escola estadual na cidade de Bozano/RS em ler textos não contemporâneos. Diante dessa situação, percebemos a urgência em se pensar possibilidades e estratégias para que eles tomassem gosto pela manipulação desse material, visto que, na disciplina de Literatura, muito se trabalha com essa materialidade textual/discursiva. A partir dessa percepção, pensamos em um movimento que pudesse reverberar em interesse e, consequentemente, em aprendizagem literária: sugerimos a construção de dramatizações acerca das obras que precisavam ser estudadas no 2º ano do ensino médio, pois pressupomos que a inserção da apresentação cênica nas aulas conduziria os estudantes à leitura, já que a partir dela precisariam organizar um momento para a comunidade escolar; atividade esta que foi pensada justamente

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para provocar e sensibilizar os alunos que seriam os atores principais da construção do conhecimento literário.

Outra justificativa para a ação é que é a escola o tempo-espaço de aprendizagem de conceitos/tradições que permeiam a vida em sociedade; uma dessas aprendizagens se dá pelo viés literário, ou seja, a partir do conhecimento e exploração da Literatura, temos acesso à arte, a materiais que dificilmente nos são apresentados em outros espaços. Conhecer a arte nos possibilita ampliar e rever nosso modo de pensar e agir, ela proporciona conhecimentos e experiências únicas e infinitas que ultrapassam e se sobrepõem a aspereza da vida cotidiana.

A arte é a manifestação cultural dos sujeitos; a Literatura, por sua vez, faz parte desse grupo e é uma das mais importantes demonstrações de sentimentos, valores e crenças. A Literatura como criação estética explora uma linguagem artística com intuito de provocar reflexão, gozo, deleite e fruição. Nessa acepção, trazemos como mote de pesquisa a dramatização de obras literárias, de modo mais específico, algumas obras de Machado de Assis, autor este que é considerado um dos maiores escritores brasileiros de literatura, pela sua escrita e pelas temáticas apresentadas. A escolha por este autor não é fortuita, visto que o mesmo é considerado reconhecido por trazer questões sociais e universais em suas obras.

A palavra estética vem do grego “aisthesis” e versa acerca da compreensão dos sentidos. Essa palavra remete à provocação, movimento de interrogação e reflexão. A Literatura, nesse sentido, propõe-se a provocar, emocionar, divertir e fazer sentir. Há, pela leitura literária, um descortinamento de um espaço fantasioso; ela não modifica a realidade, todavia, tensiona e pode reavaliar ações e comportamentos humanos, e estes produzem transformações sociais.

As narrativas escolhidas sobre os contos “A cartomante”, “Uns Braços” e o romance “Dom Casmurro” foram escolhidos pelos alunos que, a partir de leituras prévias, entenderam que essas histórias seriam mais interessantes tanto pelo enredo, quanto pelos personagens e a possibilidade de organização do texto teatral, o roteiro. Também, levou-se em consideração a relação que os mesmos fizeram com o período literário a que o autor pertence.

Partindo, então, da premissa de que estar na escola é estar diante dos conhecimentos ali apresentados e internalizá-los, consideramos que somente estar na escola não garante que o aluno apre(e)nda. Para além da disponibilização do conhecimento, é necessário que ao estudante sejam oferecidas as condições para

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compreender e significar os conceitos trabalhados em sala de aula. Nessa perspectiva, as contribuições do referencial histórico cultural, com suas bases em Vigotski (2008) e os preceitos teóricos advindos da Análise do Discurso (AD) deram suporte para a compreensão de como os estudantes interagem com obras literárias, no sentido de entendê-las e mostrá-las através de dramatizações.

A compreensão sobre a apropriação de conceitos literários e entendimento das obras esteve fundamenta pelos preceitos de Vigotski (2008), teoria sociointerativista que permitiu verificar, nos discursos dos estudantes, o que se compreende das obras literárias no âmbito linguístico, histórico, espacial e temporal, principalmente.

Outra teoria-metodológica que sustenta este trabalho é a Análise do Discurso (AD), a qual aponta que não se teve intenção de gerar uma nova rede discursiva, mas produzir novos sentidos ao que já se tem dito sobre essa temática, aqui, na perspectiva literária. Constituímo-nos, portanto, autores no momento em que nos colocamos dentro do processo discursivo, discursos estes que nos possibilitam pensar em diferentes e outros sentidos possíveis para a temática deste trabalho. Nesse sentido, nos valemos das contribuições da AD para afirmar que esta é apenas uma escolha e uma interpretação das inúmeras que poderiam ser ditas e exploradas nos meandros desta escrita.

Assim, o objetivo desta pesquisa foi identificar e analisar as potencialidades e os desafios decorrentes de um processo de produção e desenvolvimento de dramatização de obras literárias, bem como compreender de que maneira a dramatização pode reverberar em aprendizagem, de estudantes do ensino médio. Para isso, alguns movimentos foram instituídos para podermos analisar o processo de ensino e de aprendizagem via dramatização, a saber: mapear estudos que retratam questões ligadas à dramatização, constituição de grupos de estudo acerca das obras literárias, leitura das obras, construção do roteiro, escrita de diário de bordo, identificação dos conceitos centrais das obras trabalhadas e socialização para a comunidade escolar das experiências dramáticas. Então, a partir desses movimentos tivemos acesso às materialidades e indícios de que o processo de dramatização reverbera em ensino e aprendizagem literária, bem como favorece a socialização e inserção dos alunos nas atividades escolares.

A seguir, serão apresentados os quatro capítulos da dissertação. O primeiro deles refere-se a estudos já realizados e publicados acerca da dramatização; aborda

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artigos que retratam a dramatização como estratégia de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, foram escolhidos oito artigos que trazem essa questão como centralidade de pesquisa. No capítulo pretendemos reforçar a assertiva de que esse processo possibilita aprendizagens em diferentes disciplinas escolares. Destacamos que a escolha dos oito artigos deu-se através de busca por descritores pré-selecionados; esses trabalhos enfatizam de forma mais clara e específica a importância das atividades de dramatização no espaço escolar.

O segundo capítulo aborda o contexto da pesquisa e os pressupostos metodológicos; situamos aqui, a escola, os alunos, o projeto, a organização, enfim, todos os momentos da produção dos dados. Também, trazemos o tipo de pesquisa, a qual se configura como qualitativa do tipo estudo de caso. Apresentamos o diário de bordo, que serviu como instrumento da coleta de dados, e ainda trazemos a perspectiva teórico-metodológica que utilizamos para análise, que é a Análise do Discurso de vertente francesa, com filiação em Pechêux.

O terceiro capítulo traz a dimensão literária como centralidade da pesquisa, ou seja, o lugar da Literatura, sua importância e potencialidade como campo de estudo. São apresentadas aqui, as noções de mimesis e drama, as quais são vistas como a arte de representar a realidade; esses conceitos são centrais para entendermos o que significa a dramatização em âmbito escolar. Este capítulo mensura a essência e a importância da Literatura na vida dos sujeitos e da sociedade; ele aponta para as possibilidades inscritas na linguagem literária: lugar de múltiplas interpretações.

O quarto e último capítulo são dedicados às análises feitas a partir dos discursos oriundos dos diários de bordo dos estudantes e da professora pesquisadora, bem como imagens das apresentações das dramatizações. Neste capítulo, foram feitos quatro recortes discursivos, os quais remetem ao modo como as aprendizagens se deram, ou seja, cada recorte representa uma apropriação da obra literária dramatizada. Aqui há o diálogo entre os autores que sustentam a dissertação, essencialmente a teoria histórico cultural com bases em Vigotski, Orlandi e Reverbel.

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1 PRODUÇÕES ACADÊMICAS SOBRE A DRAMATIZAÇÃO: PERCEPÇÕES EM DIFERENTES ÁREAS DO CONHECIMENTO ESCOLAR

Apresentamos no presente estudo o recorte de uma revisão de literatura, através da qual foram encontrados trabalhos que buscam compreender, de que modo o teatro/dramatização têm se articulado à educação científica no Brasil, nos últimos 10 anos.

Muitas pesquisas, a exemplo das que apresentaremos a seguir, já foram realizadas objetivando compreender o lugar da dramatização na aprendizagem escolar. Nesse sentido, mapeamos algumas produções em busca de respostas para a problematização, a saber, de que forma a dramatização potencializa o ensino e aprendizagem em diferentes contextos e acerca de diferentes áreas do conhecimento escolar?

O levantamento bibliográfico deu-se por meio da consulta a publicações científicas que disponibilizam números on-line, no período de 2008 a 2017, as quais fazem parte de diversas instituições de ensino superior. Também utilizamos a classificação de periódicos no Qualis CAPES como um dos critérios, optando por revistas no extrato A1 – B4 na área de ensino. Tais revistas concentram-se na divulgação de trabalhos relacionados à área da educação. Também utilizamos artigos apresentados em eventos da área da educação como referência nesse estudo.

Durante o percurso de leituras desses materiais, averiguamos que existem diversas produções intentando contribuir com a qualidade da educação, e mais do que executar uma pesquisa científica considerando as deficiências e necessidades do campo educacional, é substancialmente pertinente desenvolver estudos que se efetivem nos espaços escolares. Pensando nesse sentido, nos tomamos pelas questões relacionadas à leitura e seus desdobramentos na escola, e a partir dessa inquietação surge a possibilidade de pesquisa para verificar maneiras de encaminhamento de práticas de leitura, considerando que ela se constitui elemento potencial de fundamental importância nos processos de ensino e de aprendizagem.

A partir desses entendimentos, delimitamos nossa problemática, a saber, em que aspectos a dramatização potencializa a aprendizagem de obras da literatura brasileira, o estímulo à leitura e a inserção dos estudantes nas atividades escolares.

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A partir desse recorte, condensamos as principais ideias de pesquisas anteriores sobre dramatização e aprendizagem.

O quadro abaixo revela de forma didática os materiais consultados e que rememoram a temática da aprendizagem pelo viés da dramatização. Os textos compilados foram recolhidos e escolhidos nas bases de dados já explicitadas, a partir dos descritores teatro, aprendizagem, dramatização, literatura, currículo, currículo escolar e Vigotski, palavras estas que foram associadas/combinadas aleatoriamente.

Quadro 1 – Dramatização: contribuições para o ensino e aprendizagem escolar

Título da produção Autor(es) Ano Periódico Descritores Perspectivas para o teatro

na educação como conhecimento e prática

pedagógica

CAVASSIN, Juliana 2008 Revista Científica FAP

Teatro, aprendizagem,

educação, currículo Jogos teatrais como

recurso pedagógico no incentivo à aprendizagem da leitura SILVA, C. A.; CASTRO E. M. 2012 Revista Lentes Pedagógicas Dramatização, leitura, literatura Teatro e educação: uma

relação a ser redesenhada BENTO, F.; MEN, L. 2009 IX Congresso Nacional de Educação PUCPR Dramatização, leitura, literatura O teatro como ferramenta

de aprendizagem da física e de problematização da natureza da ciência MEDINA, M.; BRAGA, M. 2010 Caderno Brasileiro de Ensino de Física Teatro, aprendizagem, educação Teatro e a escola: funções, importâncias e práticas MIRANDA, J. L.; CÂNDIDO, R.; FARIA, E. R. M.; SILVA, V. L.; FELICIO, W. A. S.

2009 Revista CPPG Teatro, leitura, literatura

Teatro e educação: uma relação historicamente construída HANTED, T. C.; GOHN, M. G. 2013 Revista Científica Eccos Teatro, aprendizagem, educação Teatro na escola: considerações a partir de Vygotsky OLIVEIRA, M. E.; STOLTZ, T. 2010 Revista Educar UFPR Teatro, aprendizagem, educação, Vigotski A dramatização como estratégia de aprendizagem da linguagem escrita para o

deficiente auditivo PINOTTI, K. J.; BOSCOLO, C. C. 2008 Revista Brasileira de Educação Especial UNESP Dramatização, literatura, aprendizagem Vigotski e o teatro: descobertas, relações e revelações BARROS, E. R. O.; CAMARGO, R. C.; ROSA, C. A. 2011 Revista Psicologia em Estudo – Maringá Dramatização, aprendizagem, educação, Vigotski Teatro, literatura e audiovisual: linguagens em aproximação

CORREIA, C. A. 2010 Revista de Estudos Literários (REVELL) UEMS

Teatro, aprendizagem,

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O artigo intitulado “Perspectivas para o teatro na educação como conhecimento e prática pedagógica” da autora Juliana Cavassin (2008), retrata acerca da importância do teatro na escola, visto que, o mesmo é entendido como a condição para questionamentos sobre o mundo e sobre o homem. Nesse sentido, a autora defende a ideia de que se deve pensar mais sobre esta ferramenta tão poderosa que é o teatro via educação, já que “as atividades dramáticas liberam a criatividade e humanizam o indivíduo, pois o aluno é capaz de aplicar e integrar o conhecimento adquirido nas demais disciplinas da escola e, principalmente, na vida” (CAVASSIN, 2008, p. 3). Essa ideia de que o teatro é capaz de promover diferentes aprendizagens fica evidente quando Cavassin (2008, p. 3) afirma que:

O teatro aplicado à educação possui o papel de mobilização de todas as capacidades criadoras e o aprimoramento da relação vital do indivíduo com o mundo contingente. Isso significa o desenvolvimento gradativo na área cognitiva e também afetiva do ser humano.

Estes argumentos reforçam o paradigma de que a arte (aqui retratada pelo teatro) é substancialmente importante para o desenvolvimento do sujeito, visto que a mesma possibilita diferentes olhares através de diferentes personagens sobre o mundo.

Para Silva e Castro (2012), no artigo “Jogos teatrais como recurso pedagógico no incentivo à aprendizagem da leitura”, o teatro é uma das formas mais eficazes de promoção de incentivo à leitura, melhora a concentração, a oralidade, o vocabulário, enfim, propicia aprendizagens múltiplas. Para as autoras, a dramatização muitas vezes se reduz às apresentações para passatempo e/ou festas escolares e se perde a essência desta arte que produz conhecimento. Defendem que:

No incentivo à leitura os jogos teatrais se constituem em um rico material, já que tem sempre um texto por trás dos personagens é a história que ganha vida. Antes do início de todo ensaio, há uma roda de leitura, uma mesa redonda na qual é realizada a leitura coletiva dos textos que em seguida ganha vozes, personagens, trilha sonora, figurino, então o texto sai do papel e encanta os olhos de quem vê. A leitura passa a ser uma leitura visual, auditiva e até sentimental, pois a troca de emoções ao se assistir a um bom espetáculo, leva o público ao delírio, às vezes ri, às vezes chora. A grande tarefa da educação é ensinar a ler e se esta puder unir leitura e prazer, esta missão está um passo mais perto de se tornar bem sucedida (p. 2).

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Por este viés fica evidente a riqueza de sentidos instituídos na dramatização, a qual é revelada de diferentes formas: teatro de sobras, com fantoches, dedoches, máscaras, de varas, de bonecos. A grande dificuldade se pauta quando parcela dos professores e pais entende que o teatro configura-se apenas como um método de recreação; não o veem como estratégia de aprendizagem e produção de conhecimento.

Para Bento e Men (2009), em seus escritos “Teatro e educação: uma relação a ser redesenhada”, há o entendimento de que “o teatro na escola, além de propiciar o acesso à cultura e o gosto pela arte, pode contribuir na formação do aluno de maneira humanizada, apoiando no aperfeiçoamento de diversos campos do saber” (p. 12), isso significa dizer que a leitura, a interpretação, a imaginação, a criticidade, a criatividade circundam esse fazer. Ao mesmo tempo em que apontam para um trabalho interessante e rico, apontam também para os equívocos que se têm acerca dessa materialidade de ensino e aprendizagem, a saber, o entendimento avesso de que o teatro é apenas uma forma de recreação dos estudantes, e para além disso, questionam sobre a formação e/ou entendimento que os próprios professores têm dele. Ultimando a escrita, frisam a necessidade da compreensão de que a dramatização vai além do aprendizado de conceitos; ele possibilita o diálogo com a arte, e por isso humaniza a quem por ele percorre.

Relacionar arte e ciência ao retratar conceitos físicos por meio da dramatização, sugere e dimensiona a importância desse instrumento na escola. Medina e Braga (2010) intentam no texto intitulado “O teatro como ferramenta de aprendizagem da física e de problematização da natureza da ciência” apontar estratégias de produção de conhecimento pelo viés do teatro, quando afirmam que essa atividade se dá para além do espetáculo: se dá nos corredores da escola, na pós-apresentação, nas discussões em sala de aula, na organização da atividade. Percebe-se, portanto, que até mesmo aquelas disciplinas caracterizadas como duras e estanques têm feito movimentos de aproximação do científico com a arte para dar sentido real aos conceitos oriundos da área da natureza. Os autores trazem como subtítulos “Ensaios: o ensino não formal dentro da escola” e “Os conteúdos não ensinados que foram aprendidos”, quando, a partir deles podemos vislumbrar a relevância da dramatização de qualquer ordem dentro do espaço escolar. Considerando o primeiro subtítulo, percebemos de antemão a valorização de outros movimentos que não somente os escolares; o outro subtítulo aponta para os

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conhecimentos que estão subjacentes aos específicos da peça teatral; conhecimentos que se apresentam a partir de dúvidas que surgem através da atividade de dramatizar. Outro ponto levantado pelos autores faz referência ao modelo arcaico de avaliação que são as provas, as quais são demasiadamente reducionistas, pois elas dizem respeito apenas a uma nota e que os conhecimentos ali colocados são decorados para até o momento dela, depois não são mais importantes. A dramatização, por conseguinte, intenta o prazer, o deleite artístico e cultural, quais estes que não têm como fim somente a nota.

Miranda et al. (2009), no artigo “Teatro e a escola: funções, importâncias e práticas” destacam a importância do teatro como instrumento pedagógico na escola. Partem de um aparato histórico que retrata acerca do surgimento e da evolução da dramatização; nesse movimento, afirmam que mais que um espetáculo, o teatro em sala de aula deve apresentar contribuições para a aprendizagem dos estudantes, sendo significativo e prazeroso.

Hansted e Gohn (2013) no artigo intitulado “Teatro e educação: uma relação historicamente construída” tecem considerações mencionando o início do teatro e sua evolução histórica tanto na arte quanto na educação. Essa escrita evidencia a pluralidade de possibilidades de aprendizagens que a dramatização possui pelo viés de diferentes tempos e autores, enfatizando que a mesma necessita de olhares mais alargados sobre ela, valorizando-a, visto que os PCNs já apontam para este fazer.

Baseando-se na teoria de Vigotski, Oliveira e Stoltz (2010) no texto “Teatro na escola: considerações a partir de Vygotsky” referem-se ao teatro como uma prática educativa motivadora de aprendizagem, o qual configura-se também como propulsor de criatividade, relações e crescimento social e cognitivo. As autoras defendem, ao longo do texto, acerca da potencialidade da dramatização, valendo-se das contribuições vigotskyanas, quando mencionam alguns conceitos oriundos da teoria do referido autor que explique os motivos pelos quais o teatro encontra-se em um lugar tão privilegiado e importante. Um desses conceitos, e o mais mencionado, é o de zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que se apresenta quando a dramatização está sendo trabalhada, pois a interação organizacional faz com que o educando aprenda pelo momento e pelo outro.

Em “A dramatização como estratégia de aprendizagem da linguagem escrita para o deficiente auditivo” (PINOTTI; BOSCOLO, 2008) é apresentado um estudo com quatro adolescentes com deficiência auditiva, os quais foram instigados a

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participar do teatro “O gato e o cachorro”. Percebeu-se, através de questionários, que, vivenciando o texto, eles conseguiram compreender e interpretar a história em voga; desse modo, as autoras julgam ser sumamente importante o apoio visual, a saber, a dramatização, como ferramenta de aprendizagem da linguagem escrita, visto que elas afirmam que os participantes melhoraram 100% a compreensão textual via teatro.

O artigo intitulado “Vigotski e o teatro: descobertas, relações e revelações”, cuja autoria é atribuída a Barros, Camargo e Rosa (2011), versa sobre a relação de Vigotski com a arte, em especial com o teatro, visto que o mesmo é constitutivo do arcabouço teórico construído pelo autor. Nesse texto há referenciação de estudos que falam de/sobre o autor, um deles já fora supracitado nesta pesquisa, a saber, o texto de Oliveira e Stoltz (2010). O artigo em pauta traz informações acerca da vida e obra de Vigotski e, para além disso, reforça a ideia de que o teatro estimula o prazer pela arte, já que o referido autor foi instigado pela família em estudar o teatro.

Para Correia (2010, p. 14) existe uma aproximação profícua entre a literatura, o teatro e o cinema, visto que, “a literatura lança mão da imaginação, a arte teatral associa a imaginação e transcende a realidade, a linguagem audiovisual, por sua vez, transforma palavras em imagens (...) aproximando-se da literatura e do teatro”. A ideia central nesse estudo é relacionar os três campos artísticos mencionados anteriormente e a partir disso, mostrar que nessa relação um tipo de linguagem não se sobrepõe ao outro, cada um tem sua singularidade e que são materialidades que promovem a reflexão e a aprendizagem.

É essencial destacar que todas as produções citadas referem-se ao teatro como uma poderosa estratégia de aprendizagens. Esses trabalhos corroboram com o intuito deste estudo, isto é, eles mensuram a importância da dramatização no currículo escolar, visto que apontam para diferentes possibilidades de trabalhar com a materialidade: a física, a deficiência auditiva, a língua e determinam sua funcionalidade nessa área. Enfim, há muito que se investir nessa atividade pedagógica, a qual mostrou de antemão que contribui demasiadamente com o processo de ensino e aprendizagem no espaço escolar. Dessa forma, é salutar registrar que este trabalho pretende instaurar uma análise que vá ao encontro do que já vem sendo pesquisado, ou seja, reafirmar a potência da dramatização, do teatro e, para além disso, deseja abrir novas arestas para pensar em outras

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possibilidades e associações na escola: a dramatização de obras da literatura brasileira.

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2 CONTEXTO DA PESQUISA E OS PRESSUPOSTOS

TEÓRICO-METODOLÓGICOS

Neste capítulo abordamos o caminho pelo qual percorremos para realizar esta pesquisa; trouxemos a maneira como a mesma foi sendo delineada, a saber, desde as leituras para delimitação do tema até o embasamento teórico-metodológico para a análise dos dados obtidos.

O estudo foi realizado com 13 alunos de uma turma do 2º ano do ensino médio da Escola Estadual de Ensino Médio Dr. Bozano, a qual fica localizada às margens da BR 285, no município de Bozano/RS. A turma em voga é constituída 80% por meninas e 20% por meninos; os estudantes encontram-se em uma faixa etária de 15 a 18 anos, são filhos de agricultores, servidores públicos e pequenos empresários do município; essas famílias pertencem à classe média-baixa, com pouca escolarização e praticamente nenhum acesso à arte.

A escolha desta turma justifica-se, pois no 2º ano teriam que estudar Machado de Assis (autor este que pertence ao período literário realista), conforme preconizam os planos de estudo da escola. Esse autor também tem peso significativo na instituição, já que dá nome à biblioteca e também ao grêmio estudantil do educandário; nada mais justo então poder realizar pesquisa em uma escola pública, enfatizando a questão da leitura machadiana e certamente também, sua implicação na vida comum em sociedade.

Joaquim Maria Machado de Assis é um autor brasileiro que tem vastíssima escrita e que é considerado um dos maiores literatos brasileiros; “[...] aos cinquenta anos era considerado o maior escritor do país, objeto de uma reverência e admiração gerais, que nenhum outro romancista ou poeta brasileiro conheceu em vida, antes e depois dele”, destaca Cândido (2004, p. 16). O autor nasceu em 1839 no Rio de Janeiro e faleceu em 1908; era filho de pai pintor e mãe dona de casa. Machado de Assis sempre foi autodidata; iniciou carreira como aprendiz-tipógrafo, foi redator e ingressou no funcionalismo público. Casou-se aos trinta anos com Carolina Augusta de Novais, moça esta de família de intelectuais, mas não tiveram filhos. O autor escreveu cerca de 800 textos entre romances, teatros, poemas, crônicas e contos. Coutinho (2004, p. 152) atesta que:

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A sua importância, na vida intelectual brasileira, não encontra paralelo, pela qualidade e abundância da obra e pelo caráter inconfundível do escritor, que atravessou incólume todos os movimentos e escolas, constituindo um mundo à parte, um estilo composto de técnicas precisas e eficazes, e uma galeria de tipos absolutamente realizados e convincentes.

Pelas palavras de Coutinho (2004), percebemos a importância de Machado de Assis para a Literatura e para a cultura brasileira; o escritor se sobrepunha em muitos aspectos em sua criação e produção e por isso ocupa um lugar privilegiado entre os autores de Literatura brasileira. As temáticas trabalhadas em pleno século XVIII enfatizam a irreverência do autor em escrever Literatura.

Machado de Assis está vinculado ao período literário denominado “Realismo”, período este que tem como características centrais denunciar as mazelas da sociedade burguesa do século XVIII-XIX. Para isso, os autores realistas têm como centralidade a objetividade e a racionalidade pra descrever a realidade: observam uma burguesia fútil e hipócrita, o que é, então, representado pela Literatura para compreender a realidade da época. Eça de Queirós, autor realista, já apontava que “o Realismo é a anatomia do caráter. É a crítica do homem. É a arte que nos pinta a nossos próprios olhos – para condenar o que houver de mau na nossa sociedade”.

As características do movimento literário e a afirmação de Eça de Queirós nos mostram uma sociedade burguesa suja e sem escrúpulos. Essa temática certamente desencadeia nos estudantes um olhar curioso e comparativo com a história atual, isto é, causa ao mesmo tempo estranhamento, por considerar a época em que as história foram escritas, e associações com acontecimentos cotidianos. Esse é um indício de que os alunos buscam compreender e entender o período literário, as histórias, a História.

Esta pesquisa configura-se como qualitativa do tipo estudo de caso, método este que surge entre os séculos XIX e XX, primeiramente com a sociologia e antropologia. Só nas décadas de 60 e 70 abrange o campo educacional com intuito de analisar uma unidade de forma descritiva. O estudo de caso configura-se pela delimitação do caso, retratando a particularidade e a complexidade da situação em voga, assim como postulam Lüdke e André (1986, p. 17), “o caso é sempre bem delimitado (...), pode ser similar a outros, mas é ao mesmo tempo distinto, pois tem um interesse próprio, singular”.

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Nesta pesquisa, o estudo de caso partiu de uma investigação acerca da produção de dramatizações literárias, para que o analista perceba as potencialidades e os limites dessa produção investigativa, a fim de verificar como se dá a apropriação das obras literárias propostas para o estudo.

Ao pensar na possibilidade de fazer análise acerca das produções dramáticas na escola, precisamos mapear estudos que já foram realizados nessa perspectiva para que pudéssemos delimitar a pesquisa. Esse foi o primeiro passo do nosso trabalho, o qual denotou a pertinência da temática e ajudou-nos a realinhar movimentos teóricos e metodológicos. Seguido disso, iniciaram-se as leituras teórico-metodológicas e o desenvolvimento da atividade, motivo desta pesquisa.

A pesquisa passou pelo comitê de ética e foi aprovada, conforme parecer nº 1.882.597; também, todos os alunos participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), o qual respalda a aplicação e andamento da pesquisa na escola. Para os alunos menores de idade, os pais assinaram o termo, autorizando a participação na atividade.

2.1 A PRODUÇÃO DOS DADOS EMPÍRICOS

Foram eleitos, através dos alunos, os textos dos quais faríamos o estudo, a saber: A cartomante (conto), Uns Braços (conto) e Dom Casmurro (romance). Dizemos que a escolha se deu pelos alunos porque foram eles que, a partir da leitura de cinco romances e cinco contos selecionados como sugestão pela professora, escolheram as obras. Citemos os textos disponibilizados pela professora: contos “Missa do Galo”, “Pai contra Mãe”, “Uns Braços”, “A Cartomante” e “O Alienista”; romances “Dom Casmurro”, “Esaú e Jacó”, “A Mão e a Luva”, “Quincas Borba” e “Memórias Póstumas de Brás Cubas”.

A partir disso, passaremos a representar a tessitura da atividade desenvolvida, que aconteceu substancialmente na sala de aula, as quais foram organizadas em quatro momentos.

2.1.1 Primeiro Momento

Na intenção de possibilitar o entendimento sobre o período literário do qual falaríamos e do autor específico que leríamos, foi proposto que os alunos fizessem,

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aleatoriamente, a escolha dos títulos literários para a apresentação, quando foi proposta a (re)leitura dos três materiais escolhidos e mencionados anteriormente. Enquanto todos liam as obras, elaboramos seminários contemplando a escola literária da qual fazia parte Machado de Assis, vida e obra do autor, período histórico em que escreve e particularidades de sua escrita; nesse movimento os novos leitores começavam a fazer cotejos entre as ficções e as informações advindas dos seminários e pesquisas. Todos, na data marcada, vieram com as leituras feitas para que assim pudéssemos dividir o grupo e começar a pensar nas dramatizações.

2.1.2 Segundo Momento

Cada estudante pôde, diante o conhecimento das histórias, escolher com qual obra gostaria de trabalhar; feito isso, mediante alguns acordos, houve a organização dos grupos. O passo seguinte foi mais duro, pois exigia dos grupos, releitura e capacidade de síntese das ideias: era hora de organizar o roteiro, transformando o romance em peça teatral. Nessa atividade precisariam perceber partes centrais e periféricas da obra, preservar características temporais e espaciais, atentar para as características físicas e psicológicas das personagens e conseguir dar conta do enredo sem perder elementos essenciais do texto. Além disso, precisariam considerar as características específicas do gênero drama, como por exemplo, suprimir o narrador dos textos. Ao terminar a escrita dos roteiros, começou a organização para escolha dos personagens, local de ensaio, busca pelas roupas e objetos que denotariam o tempo-espaço do texto original.

2.1.3 Terceiro Momento

Cada estudante recebeu um caderno para que pudesse fazer anotações de todo o processo de ensaio, quando deveriam escrever aquilo que os tomasse, anotações de todas as ordens, pois a partir delas montaríamos o corpus do trabalho e onde nos debruçaríamos para a realização das análises. E os ensaios continuavam intensamente. Marcamos a data para a apresentação, a culminância de meses de estudo e trabalho: 31 de agosto de 2017. Antes disso, teriam que entregar os cadernos com as anotações. Cada caderno, ou melhor, cada aluno, recebeu um nome fictício, este que será utilizado na análise dos fragmentos. Os nomes seguem

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a ordem da chamada, ou seja, o primeiro aluno da chamada denomina-se A1; o segundo, A2; o terceiro, A3 e assim por diante.

Em tempo, destacamos que as dramatizações foram tão satisfatórias, ecoaram pela comunidade escolar de modo que os alunos foram convidados pelo Clube de Mães da escola para apresentarem-se no jantar beneficente da instituição; jantar este que foi promovido para a arrecadação de dinheiro para a reconstrução de parte da escola, a qual foi danificada pelos fortes temporais que atingiram a cidade no mês de outubro de 2017. Esse convite revela o sucesso e a importância do movimento tanto para os alunos, que aceitaram a ideia das apresentações, quanto da comunidade, que demonstrou interesse e importância na atividade. Essa nova apresentação exigiu mais ensaios; a mesma ocorreu no dia 28 de outubro de 2017.

2.1.4 Quarto Momento

O evento de apresentação das dramatizações fazia parte da programação da semana da escola, por isso toda a comunidade escolar foi convidada para prestigiar o momento. Foi aí que, enquanto professora condutora da atividade e pesquisadora, pude ver a beleza e o potencial pedagógico de todo o trabalho; tudo organizado pelos alunos, muita expectativa para mostrar um trabalho minucioso e qualificado, cuja dedicação reverberou em um verdadeiro espetáculo.

Como instrumento de produção de dados, fizemos uso de diários de bordo, os quais foram escritos pelos alunos participantes da atividade. A professora orientadora da atividade (e pesquisadora) também fez uso desse material para registrar as etapas do processo de construção da dramatização. A partir desses diários montamos o arquivo da pesquisa e diante do material, elencamos os enunciados que usaríamos para análise, as sequências discursivas (Sds – as quais serão apresentadas no próximo capítulo); as mesmas foram compiladas de acordo com suas especificidades e particularidades – os blocos ou recortes discursivos.

Salientamos que as escolhas realizadas para a articulação dessa pesquisa, perpassam indubitavelmente, pelos preceitos da Análise de Discurso, visto que:

Cada material de análise exige que seu analista, de acordo com a questão que formula, mobilize conceitos que outro analista não mobilizaria, face a suas (outras) questões. Uma análise não é igual a outra porque mobiliza conceitos diferentes e isso tem resultados cruciais na descrição dos materiais. Um mesmo analista, aliás, formulando uma questão diferente,

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também poderia mobilizar conceitos diversos, fazendo distintos recortes conceituais (ORLANDI, 2013, p. 27).

Por isso, reiteramos que múltiplas possibilidades de interpretação são possíveis, faremos uma de muitas, de acordo com nossa bagagem teórica, nossas filiações ideológicas e perspectivas de pesquisa.

Para obtenção do material a ser analisado, fizemos uso do instrumento denominado diário de bordo, o qual se configura como local onde se registram as anotações das impressões e percepções das atividades desenvolvidas. Esse instrumento possui grande riqueza informativa, uma vez que o diário possibilita a escritura da expressão pessoal, isso aponta para o entendimento (ou não) daquilo que se registra referente ao objeto em estudo. Nesse sentido, conseguimos dimensionar os entendimentos, cotejos, relações que os estudantes fizeram para compreender os conceitos imbricados na atividade. Com as anotações, podemos perceber como se deu o processo de aprendizagem através da dramatização. Além disso, com o diário de bordo do professor, o mesmo consegue também registrar as potencialidades e limites da produção. Nessa perspectiva, Zabalza (2004, p. 11) afirma que “os diários contribuem de uma maneira notável para o estabelecimento dessa espécie de círculo de melhoria capaz de nos introduzir em uma dinâmica de revisão e enriquecimento de nossa atividade como professores”.

As anotações eram realizadas ao término de cada ensaio ou aula direcionada às dramatizações, e eram escritas de acordo com as percepções que os estudantes tiveram acerca desses momentos. Cada um deveria registrar aquilo que, sobre o assunto, se sobressaiu naquele dia.

Todo esse processo de produção das dramatizações acontecia em sala de aula, uma hora semanal, durante as aulas de Literatura. Por muitas vezes, ocupamos aulas de outras disciplinas para efetuar ensaios, terminar roteiros, organizar materiais; também, por diversas vezes os alunos ficavam em turno-inverso na escola para fazer alguma atividade relativa aos teatros. Vemos como pesquisadores, essa implicação dos estudantes como positiva, pois a mesma denotava interesse pelo desenvolvimento da atividade, consequentemente, melhoria na qualidade da leitura e da escrita.

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2.2 ANÁLISE DE DISCURSO: DISPOSITIVO DE ANÁLISE TEXTUAL

Além dos constructos teóricos de Vigotski e de autores vinculados à Literatura, ocuparemo-nos da Análise de Discurso francesa (doravante AD), cunhada por Michel Pechêux, para analisar os excertos selecionados dos diários de bordo dos estudantes e da professora/pesquisadora.

A AD surge na década de 60, na França, quando Pechêux tensiona a linguagem em funcionamento e a produção de sentidos; reclama o discurso como seu objeto de estudo, quando aponta que “discurso é efeito de sentido entre interlocutores” (ORLANDI, 2013, p. 21) e que todo discurso é um objeto histórico-ideológico que produz novos e outros sentidos a cada enunciado produzido, e que considera a posição-sujeito para produzir esses sentidos. A teoria em voga configura-se no entrelaçamento entre a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise: a primeira institui que a linguagem não é transparente, que ela não pretende atravessar o texto para emergir sentidos de trás dele. O Materialismo histórico pressupõe a história, ou seja, os fatos evocam sentidos; e da Psicanálise se traz a noção de sujeito, este que, na história, constitui-se pelo simbólico e que é atravessado pelo inconsciente. Então:

A Análise do Discurso é herdeira das três regiões do conhecimento – Psicanálise, Linguística, Marxismo – não o é de modo servil e trabalha uma noção – a de discurso – que não se reduz ao objeto da Linguística, nem se deixa absorver pela Teoria Marxista e tampouco corresponde ao que teoriza a Psicanálise. Interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o Materialismo perguntando pelo simbólico e demarca da Psicanálise pelo modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (ORLANDI, 2013, p. 20).

Seguindo essa acepção, entendemos a AD como uma teoria que busca pelos sentidos instituídos nos discursos. Compreendemos esses sentidos a partir do lugar do qual falamos e dos constructos teóricos que sustentam a referida teoria e que foram apropriados por nós.

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2.2.1 Quadro Conceitual da Análise do Discurso de Vertente Francesa

Para adentrar na teoria em voga, apontamos para os principais fundamentos teóricos que a mesma preconiza, pois, a partir deles alicerçaremos as análises dialogando com preceitos vigotskianos e literários.

A noção de sujeito é uma das principais da AD, pois parte-se do sujeito para analisar outras instâncias discursivas. Para a referida teoria, o sujeito é assujeitado, não é um sujeito físico, pois enuncia do lugar social que ocupa; diante disso, pensa-se num sujeito imaginário que reprepensa-senta um lugar discursivo, que faz emergir de si sentidos de acordo com sua posição. Nessa acepção, sujeito e sentido constituem-se mutuamente, pois são dependentes para ter e fazer constituem-sentido. Essa construção de sentidos se dá via discurso, que compreende outra dimensão conceitual da AD e que, segundo Orlandi (2013, p. 21) caracteriza-se como “efeito de sentidos entre interlocutores”.

O discurso está sempre na rede da dispersão, no interdiscurso, lugar este que abarca todos os discursos possíveis: o interdiscurso serve de suporte para tudo o que será proferido “sustentando cada tomada de palavra” (ORLANDI, 2013, p. 31), pois nele encontram-se o já-dito e esquecido e o vir a ser, visto que as palavras só fazem sentido porque já o fizeram em outros tempos/lugares/sujeitos. Pêcheux (2011, p. 73) afirma que “as palavras mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam. Nesse momento, podemos precisá-lo: as palavras “mudam de sentido” ao passar de uma formação discursiva para outra”.

O sujeito, atravessado por questões históricas e ideológicas busca nesse lugar – interdiscurso – aqueles discursos compatíveis com a posição que ocupa. Esses lugares discursivos representam as formações ideológicas (FI) e formações discursivas (FD): a primeira “é entendida como um complexo de atitudes e representações que não são nem individuais nem universais, mas se relacionam mais ou menos às posições de classes em confronto umas com as outras” (CAZARIN, 1998, p. 34), isto é, FI são os enunciados pertencentes a uma mesma posição; é o modo como o sujeito vê e se apropria do mundo. Formação discursiva, por sua vez, é entendida como a regularidade dos discursos e, ao apropriar-se desses discursos, há inscrição do sujeito em determinada FD.

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As condições de produção dizem respeito ao contexto, sugerem, portanto, o extralinguístico, pois a exterioridade é constitutiva do discurso e implicam o sujeito e a situação. Esse constructo teórico aponta para que:

Quando se diz algo, se diz de um lugar da sociedade para alguém também de algum lugar da sociedade e isso faz parte da significação. Há nos mecanismos de toda formação social regras de projeção que estabelecem a relação entre as situações concretas e as representações dessas situações no interior do discurso. Diante disso, é preciso considerar o lugar social dos interlocutores (CAZARIN, 1995, p. 22).

Outro ponto a ser destacado é a noção de autoria, que é retratada como efeito de, porque, segundo Orlandi (2013, p. 35), “quando nascemos os discursos já estão em processo e nós é que entramos nesse processo. Eles não se originam em nós. Isso não significa que não haja singularidade na maneira como a língua e a história nos afetam”; diante disso, podemos entender o movimento de autoria como um apanhado de discursos que se encontram no interdiscurso, e que, a partir da organização e coerência desses, instaura-se o efeito de autoria.

Encerrando esse contexto de apresentação de noções teóricas advindas da AD, trouxemos as concepções de leitura e interpretação, as quais rememoram a compreensão textual perante a construção de sentidos. Ao ler mobilizamos diferentes conceitos para que os sentidos possíveis se “revelem”. É relevante destacar que as leituras e interpretações sempre podem ser outras, pois o que determina os sentidos são as Formações Discursivas (FD) e Formações Ideológicas (FI) do sujeito. Ao recolher do interdiscurso os enunciados já estamos fazendo o movimento de interpretação, e para transformar esses enunciados dispersos em textos, há que se costurar as ideias produzindo um texto que parece estar acabado com inicio, meio e fim, aparentemente homogêneo. Essa costura configura um efeito-texto, pois visivelmente não há “nada faltando e nada sobrando” (INDURSKY, 2001, p. 33). Nessa perspectiva, entendemos que sempre há um a dizer nas escrituras, os textos nunca são fechados e homogêneos. Sobre o efeito-texto, então, consideramos que em sua leitura, nem sempre os entendimentos e percepções convergem, visto que cada sujeito – autor e interlocutor - ocupa um lugar discursivo.

Na perspectiva da AD, metodologia e corpus já configuram-se como parte da análise, assim como afirma Cazarin (2005, p. 46), “corpus e metodologia constituem-se já como momentos de análiconstituem-se e a metodologia usada na pesquisa resulta da

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reflexão (análise) utilizada sobre o corpus”. Dessa forma, percebemos que o analista constitui sua própria metodologia, pois a organização do corpus é que dará indícios de como configurar-se-á a metodologia. Diante disso, já é um gesto interpretativo a própria escolha do corpus, e nesse sentido Orlandi (1999, p. 60) atesta que “uma mesma palavra, na mesma língua, significa diferentemente, dependendo da posição do sujeito e da inscrição do que diz em uma ou outra formação discursiva”. Portanto, as condições de produção e o contexto sócio-histórico permitirão que nossas análises signifiquem de determinada maneira.

Relativo ao corpus e a metodologia, primeiramente é necessário escolher o material a ser analisado, este chamar-se-á arquivo; depois selecionamos os enunciados que serão analisados, os quais constituem o corpus da pesquisa. Estes, nas análises, denominam-se sequências discursivas (Sds), as quais podem ser separadas em blocos ou recortes discursivos, dependendo da relação temática que possuem.

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3 ABORDAGEM ACERCA DO CONHECIMENTO LITERÁRIO E SUA INSERÇÃO NO CURRÍCULO ESCOLAR

Este capítulo situa a Literatura como campo de estudo, a qual marca o lugar das possibilidades de interpretação. Serão abordados os conceitos advindos do campo literário, bem como trazer o percurso da construção da noção de currículo, para então, pensar este em consonância com a Literatura enquanto arte da palavra.

3.1 A LITERATURA COMO CAMPO DE ESTUDO

Falar em Literatura é falar em polissemia; polissêmico também é o vocábulo em voga. O entendimento do conceito da palavra Literatura requer um processo de retomada etimológica para que o mesmo fosse entendido em sua complexidade e instaurar o sentido que ele terá nessa tessitura teórica. A palavra Literatura, ao longo da história, foi sofrendo alterações semânticas, e que, precisamos então, entender em qual sentido a usamos nessa escrita.

Até o século XVIII, o léxico Literatura significava “instrução, saber relativo à arte de escrever e ler, ou ainda gramática, alfabeto, erudição” (AGUIAR E SILVA, 1979, p. 22). Foi a partir do século XVIII que a literatura ganha um novo arranjo e passa a desvincular-se da ideia sobre a cultura de um sujeito, ela passa então a fazer parte do conjunto das obras literárias produzidas em um país. Ao final do século a palavra circunscreve-se ao fenômeno literário conhecido em âmbito geral, não mais restringindo-se a uma nacionalidade. Passa-se a pensar a Literatura como produção estética, arte de escrever.

Diante disso, interessa destacar que de todos os sentidos instituídos pela palavra Literatura, nos interessa a Literatura como produção/atividade estética. Esse tipo de texto traz em seu conteúdo a literariedade, que são características específicas que fazem um texto ser literário, o qual possibilita ao leitor, linguagem e sentidos diversos: é a multissignificação das palavras e expressões.

A linguagem literária é produzida por signos linguísticos denotativos, isto é, as palavras usadas para a construção do texto literário pertencem ao repertório linguístico real, mas ao passo de sua construção, da forma como as palavras são organizadas e o texto construído, estende-se ao nível da linguagem conotativa, a qual é encharcada de sentidos e possibilidades de interpretação. Essa linguagem

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abre portas para o possível, “onde o ser se funde com o não ser, o existente com o inexistente, o possível com o impossível” (AGUIAR E SILVA, 1979, p. 45).

Esse campo do saber, comumente rebaixado, tem grande valia para o estudante, que, em meio à produção capitalista, necessita de sensibilidade, reflexão e deleite. A Literatura, então, humaniza, e postula Cândido (1995, p. 249):

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante.

Assim como preconiza Cândido, a Literatura está na escola e na sociedade para mostrar que há um outro mundo paralelo ao real e que serve como “transporte”, ela atravessa o sujeito e o torna (ou busca torná-lo) mais aberto para um mundo comum; a Literatura abre arestas para que o homem se torne melhor, capaz de compreender e atuar no mundo.

Estudar Literatura, ler obras literárias torna-se cada vez mais necessário e ao mesmo tempo desafiador, pois esse campo de estudo fomenta o pensamento crítico, reflexivo; “ler é conhecer o outro, mas também conhecer-se; é integrar e integrar-se em novos universos de sentido; é abrir e ampliar perspectivas pessoais; é conscientizar-se de um papel individual e coletivo na sociedade” (BORDINI, 2015, p. 16). Nesse sentido, Bordini (2015) caracteriza o porquê conhecer e apropriar-se do campo literário, apontando para a essência literária, a qual não é produto mercadológico, mas útil para a constituição humana, a constituição de um sujeito que pensa e age em sociedade.

A Literatura, portanto, entendida como compilado de obras que provocam deleite cultural é servil àqueles que não buscam uma funcionalidade objetiva para as obras. Ela precisa ser entendida como possibilidade de existência que tem como legado a fruição e a formação humanística e estética, as quais dão sentido aos sujeitos na Literatura imersos.

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3.2 LITERATURA E SUA FUNCIONALIDADE

Sobre a função da Literatura, Aguiar e Silva (1979, p. 79-80) destaca que:

É relativamente moderna a consciência teorética da validade intrínseca e, consequentemente, da autonomia da literatura – como qualquer outra arte – possuir os seus valores próprios, de construir uma atividade independente e específica que não necessita, para legitimar a sua existência, de se colocar ao serviço da polis, da moral, da filosofia, etc.

A partir das palavras do autor, podemos perceber a função estética da linguagem literária, a qual não se serve do utilitarismo, mas sim do plano e conjectura artística. Se pensarmos em utilidade, podemos elencar que a Literatura desencadeia no sujeito, percepções de mundo para além do vivido, do real, e nesse sentido, ela possibilita que o leitor tenha deleite, sinta-se vivo, usufrua de um tempo-espaço imaginário. Logo, não é função da Literatura apenas “ter” esse conhecimento, o mesmo precisa ser lapidado, sentido. Nessa perspectiva, ela não tem uma única finalidade ou funcionalidade, ela existe para provocar nos sujeitos sentimentos e experiências diversas, novas e inesperadas, visto que cada sujeito é sempre encharcado de vivências que possibilitam entendimentos e percepções distintas. E esse é justamente o “jogo” da Literatura: sentir; sentir a partir das possibilidades, das particularidades e das especificidades apresentadas nela/dela/sobre ela.

A ideia de Literatura tal qual como a concebemos hoje é oriunda dos estudos dos filósofos Platão e Aristóteles. Para eles toda criação literária assentava-se na imitação da realidade, quando surge o termo mimese. Para Platão “a mimese é considerada como um <<divertimento, não uma coisa séria>>, através da qual o artista reproduz a aparência – não a verdade profunda- das coisas e dos seres” (AGUIAR E SILVA, 1979, p. 142); Aristóteles (2004, p. 42) preconiza que “imitar é natural nos homens desde a infância e nisto diferem dos outros animais, pois o homem é o que tem mais capacidade de imitar e é pela imitação que adquire seus primeiros conhecimentos”. Para ambos a arte está intrinsicamente ligada à realidade, ou seja, só se faz Literatura a partir do existente; a realidade é reinventada, há uma imitação verbal dela a partir da sensibilidade e imaginação do autor.

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A Literatura situa-se em um campo do saber que requer movimentos de reflexão, pois configura-se como o lugar das possibilidades de pertencimento e mediação do possível. Conceituar o texto literário implica evocar muitas ideias intrínsecas a ele. A Literatura entendida como arte das palavras (Aristóteles) se dá pela multissignificação de sentidos, linguagem conotativa e imersão interpretativa. Isso significa dizer que ela se dá um universo cultural extremamente alargado, pois possibilita que a linguagem se amplie e se ressignifique.

Falar em conhecimento literário pressupõe, portanto, uma infinita gama de possibilidades de reproduzir e recriar o mundo através de uma linguagem especial encharcada de vozes, elementos implícitos e ambiguidade: “é um objeto de linguagem ao qual se associa uma representação de realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na configuração de um objeto estético” (FILHO, 2007, p. 8). Tomando-se dessa definição, compreendemos a Literatura como lugar de subjetivação dos sujeitos e de inserção no mundo; cabe, então, à escola apresentar e instigar os estudantes a fazer parte deste vasto universo cultural e intelectual, visto que é nela que se tem acesso à materialidade linguística literária. Conceber a Literatura como conhecimento necessário, implica dizer que a mesma possibilita pensar para além dos escritos, conhecimento que emerge das leituras, fascina seus seguidores e instaura novos olhares sobre o mundo e sobre nossas ações nele.

O currículo escolar, portanto, deve estar em consonância com os preceitos da Literatura, porque ela defende a singularidade dos sujeitos, a heterogeneidade cultural e social e a construção identitária dos mesmos. Logo, a arte literária deve ter um espaço privilegiado na escola; precisa ser reconhecida e apreciada como conhecimento necessário e não apenas como conhecimento vazio, que não serve “para nada”.

Compagnon (2010) defende que a Literatura tem um lugar específico na continuidade cultural na/para a compreensão humana, pois o homem só conhece e desvenda o mundo a partir da literatura; ela proporciona experiências que geram conhecimento, que subjetiviza o sujeito. Através da leitura literária, outros mundos são desvelados e (re)produzidos, “ela esclarece o povo” (p. 36). Nesse sentido, D’Onófrio (2002, p. 10) postula que:

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