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CURRÍCULO ESCOLAR E LITERATURA: O LUGAR DO POSSÍVEL

3 ABORDAGEM ACERCA DO CONHECIMENTO LITERÁRIO E SUA

3.5 CURRÍCULO ESCOLAR E LITERATURA: O LUGAR DO POSSÍVEL

Colocando a Literatura como ponto arquimediano de conhecimento e aprendizagem, fortalecemos a concepção acerca do conhecimento literário imbuído pelos atravessamentos do currículo. Para isso é necessário compreender o percurso pelo qual passa a ideia de currículo para então compreender a inserção da Literatura nele. O léxico “currículo” provem do latim “curriere”, que significa “pista de corrida” (SILVA, 2015). A compreensão dessa tradução nos faz pensar em um caminho central e longo com muitas entradas periféricas. Essa metáfora de caminho a percorrer nos direciona para uma escrita de possibilidades, a qual intenta realizar o trajeto mais eficiente e interessante, todavia, assim como toda estrada possui entradas secundárias, pontuamos que esta é apenas uma escolha e uma interpretação a partir do lugar que ocupamos e acreditamos.

Os entendimentos e percepções acerca do currículo escolar seguem diferentes teorias e concepções de acordo com o período histórico e cultural em que é discutido. O que podemos considerar, e de certa forma afirmar, é que o currículo escolar hoje precisa sempre estar relacionado com o lugar e com os sujeitos, perspectiva essa que diz respeito às teorias críticas de currículo, a exemplo do que postula Freire (apud SILVA, 2015). Esse pertencimento não é fortuito, ele implica na formação e na constituição desses sujeitos, os quais nele estão imersos, e que então, mais do que nunca, urge a necessidade de nos interrogarmos sobre o que significa a constituição do currículo hoje, e de forma mais específica, por que a Literatura é tão importante nesse processo escolar. Segundo Silva (2015, p. 15), o currículo direciona para pensarmos sobre:

Qual é o tipo de ser humano desejável para um determinado tipo de sociedade? Será a pessoa racional e ilustrada do ideal humanista de educação? Será a pessoa otimizadora e competitiva de educação? Será a pessoa ajustada aos ideais de cidadania do moderno estado-nação? Será a pessoa desconfiada e crítica dos arranjos sociais existentes preconizada nas teorias educacionais críticas?

Antes de nossas considerações acerca do currículo e sua relação com a Literatura, é necessário situar a maneira como foram se tecendo as construções teóricas sobre ele. As considerações apontadas, nesse texto são pautadas pelos escritos de Silva (2015), o qual pontua que os estudos sobre o currículo surgem com Bobbitt por volta de 1918, e sua essência estava ligada ao modelo das fábricas; primava, portanto, pelo produto final, o qual se dava de forma mecânica e sistematizada. Já a concepção de Dewey (1902) sobre o currículo aponta para a necessidade em se pensar “no interesse e na experiência das crianças e jovens” (SILVA, 2015, p. 23), todavia, suas considerações sobre esse campo de estudo não refletiram tanto quanto as propostas de Bobbitt. Em 1949, com a publicação de um livro de Tyler, as ideias de Bobbitt se consolidam ao tratar o currículo como uma questão técnica e positivista.

Na década de 60, o movimento reconceptualista, que buscava uma ruptura com o pensamento tradicional de currículo se instaura, considerando as produções de Michael Young, Paulo Freire e Bourdieu, por exemplo. “As teorias críticas do currículo efetuam uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais” (SILVA, 2015, p. 29), pois questionam o status quo e conjeturam que esse modelo

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era responsável pelas “desigualdades e injustiças sociais” (p. 30). Esse movimento de reconceptualização marca a necessidade de pensar em um currículo mais aberto e que dispense a ideia de tecnocracia e mecanização; o currículo para os reconceptualistas precisava combater o status quo e questionar esse modelo que reafirmava as desigualdades sociais; acerca disso, dialogando o currículo com estudos referentes à dramatização, D’Onófrio (2002, p. 12) aponta que “a finalidade da obra dramática é sempre querer modificar o status quo, mesmo quando se tem consciência de que o conflito, pelo menos no momento presente, é insolúvel”.

Nesse emaranhado de autores e teorias, surgem nomes bem expressivos para o campo do currículo, os quais desenvolveram muitos conceitos que hoje direcionam esses atravessamentos. A partir da discussão sobre as concepções de currículo, trazemos como forma de alargar e enriquecer esse trabalho, a relação entre a concepção crítica e o campo da Literatura. Silva (2015, p. 14) questiona “qual conhecimento deve ser ensinado” e sobre essa assertiva destacamos os indícios de que o conhecimento em pauta tem um papel fundamental na constituição dos sujeitos, e indo mais além, ela é constitutiva de um currículo que não se propõe apenas a reproduzir, mas sim (re)pensar.

Lembramos que a Literatura já foi “sinal distintivo de cultura” (PCN, p. 51), o que se subentende, em uma primeira leitura, que o acesso a ela era restrito, e indo além, que era material seleto, ou seja, quem a conhecia demonstrava conhecimento e cultura; que aqueles que a ela tinham acesso, eram sujeitos respeitados e invejados. Hoje, todavia, assume um papel secundário no currículo, vista apenas como reprodução histórica, cultural e literária de um povo. O advérbio “apenas”, aqui, tem o sentido justamente de menorizar uma disciplina que já foi tida como elemento importante para uma sociedade pouco letrada. Indo mais além, a mesma ultrapassa “a lógica do conhecimento produzido pela humanidade” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 72), ela permite alargar nosso entendimento de mundo e possibilita ressignificar as (nossas) histórias.

Com isso, precisamos perceber que a Literatura exige leituras muito mais intensas e interpretativas, visto que a linguagem literária possibilita:

A ampliação de horizontes, o questionamento do já dado, o encontro da sensibilidade, a reflexão, enfim, um tipo de conhecimento diferente do conhecimento científico, já que objetivamente não pode ser medido. O prazer estético é, então, compreendido como conhecimento, participação, fruição (BRASIL, 2008, p. 55).

Entende-se a Literatura como forma artística e fictícia de apresentação da realidade, para além disso:

A arte rompe com a hegemonia do trabalho alienado, do trabalho-dor. Nesse mundo dominado pela mercadoria, colocam-se as artes como meio de educação da sensibilidade; como meio de atingir um conhecimento tão importante quanto o científico – embora se faça por outros caminhos; como meio de pôr em questão o que parece ser ocorrência, decorrência natural; como meio de transcender o simplesmente dado, mediante o gozo da liberdade que só a fruição estética permite; como meio de acesso a um conhecimento que objetivamente não se pode mensurar; como meio, sobretudo, de humanização do homem coisificado: esses são alguns dos papeis reservados às artes, de cuja apropriação todos tem direito. Diríamos mesmo que tem mais direito aqueles que têm sido, por um mecanismo ideologicamente perverso, sistematicamente mais expropriados de tantos direitos, entre eles até o de pensar por si mesmos (op. cit., p. 52-53).

Nesse sentido, o propósito da Literatura e o que postula Silva (2015), encontra-se ao situar que o currículo é responsável pelas desigualdades e injustiças da sociedade, entretanto, o papel da Literatura nas escolas é de fazer essa inversão, ou seja, depositar naqueles sujeitos à margem, que se apropriem dos conhecimentos para que possam entender sobre o lugar que ocupam e muito além disso, para colocarem-se em uma posição diferente. Esse trecho deixa evidente que a Literatura tem um papel fundamental no currículo escolar, pois “trata-se, prioritariamente, de formar o leitor literário, melhor ainda, de “letrar” literariamente o aluno, fazendo-o apropriar-se daquilo a que tem direito” (BRASIL, 2008, p. 54).

Ao tratarmos de aula de Literatura, precisamos considerar que sim, ela é uma disciplina em que a centralidade está nos textos literários, os quais exigem condições para que possam ser compreendidos e analisados. Para isto, nos ocupamos das ideias críticas de currículo, destacando que há a necessidade do enfrentamento de uma tessitura curricular menos engessada e que se paute pela apropriação dos conhecimentos para que os sujeitos tornem-se mais críticos e ativos, currículo esse que precisa considerar as transformações, ser libertário e emancipatório. Visto isso, valemo-nos da proposição de Paulo Freire, o qual critica a educação bancária, onde o aluno é apenas receptor de conhecimentos. A literatura pauta-se justamente pelo contrário, ela possibilita novos e diferentes olhares sob uma mesma materialidade; a escola precisa permitir que o educando encontre e se encontre nas obras literárias, possibilitando a ele, a construção de sua própria identidade. Isso pode não acontecer quando há um enquadramento em que não há

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lugar para a interpretação, apropriação e subjetivação desses sujeitos. Sobre esses aspectos, utilizemos as palavras de Silva (2015, p. 55), o qual afirma que:

O currículo envolve a construção de significados e valores culturais. O currículo não está simplesmente envolvido com a transmissão de “fatos” e conhecimentos “objetivos”. O currículo é um lugar onde, ativamente, se produzem e se criam significados sociais.

As teorias críticas, por sua vez, elevam e permitem transformações e teorizações acerca das práticas educacionais, que se pautam, essencialmente pela resistência e pela libertação dos paradigmas educacionais. Esse pensamento, considerando a Literatura, propõe a apropriação e a ressignificação conceitual e histórica, permitindo ao sujeito particularizar-se e questionar-se acerca do seu lugar e seu fazer no mundo. Todas essas ponderações que transitam entre o conceito de currículo e o lugar da Literatura dão conta da importância desta disciplina ser reconhecida. Tanto a noção de currículo quanto a disciplina em questão devem considerar as necessidades, peculiaridades e intenções do contexto dos sujeitos e da escola; o currículo é mais que um norteador das ações pedagógicas, ele implica na formação e na constituição dos sujeitos.

Precisamos acentuar a necessidade da apropriação dessas leituras na construção dos saberes escolares, pensando a Literatura como parte essencial ao currículo e como disciplina que visa não apenas o letramento literário parece pertinente uma discussão/provocação em relação ao modo de condução das práticas de leitura, bem como o lugar dessa disciplina no currículo escolar. A Literatura fortemente organizada e direcionada deve nos libertar de amarras para que haja mudanças sociais, empoderamento do sujeito e não apenas reprodução de uma cultura elitista, pois desta forma, não há possibilidade de ascensão pessoal ou cultural dos nossos estudantes.

Reiteramos que cada vez mais a Literatura está rarefeita no âmbito da escola, seja pela falta de qualificação/formação do professor ou ainda pelo mero desconhecimento de teorias literárias que nos fazem entender seu papel.

A Literatura é útil para a transformação social e cultural dos sujeitos. Assim como afirma Marques (2011, p. 17), que “nada existe de verdade, que não termine em livro”, podemos compreender a dimensão que a Literatura pode atingir, tecendo e ressignificando caminhos e escolhas; entendemos, portanto, que “esse

conhecimento (episteme) busca explicar o mundo e definir as melhores formas de atuar nesse mesmo mundo” (LOPES; MACEDO, 2011, p. 71). Deixar a disciplina como coadjuvante não possibilita àquilo a que ela se propõe, o que:

Entendo aqui por humanização (...) o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante (CÂNDIDO, 1995 apud BRASIL, 2008, p. 249).

O currículo, portanto, é um aparato muito forte e determinante naquilo que queremos propagar. É de responsabilidade do professor pensar e eleger aquilo que conduz sua práxis de forma a contribuir com o sujeito, com a sociedade, com o mundo. Por este viés, reiteramos que a Literatura é irremediavelmente importante para um público que está se constituindo e construindo sua identidade, e também que a introdução da dramatização no campo educacional pode possibilitar o enfrentamento às adversidades pessoais e construir pontes entre o conhecimento e a aprendizagem.

Para que seja possível atividades de leitura menos dogmáticas, portanto, é necessário que a escola organize seu currículo de forma que o mesmo possa contribuir com o aprendizado verdadeiramente, não somente signifique algo imposto, ordenado e falacioso.

3.6 CONTRIBUIÇÕES PARA A ARTE LITERÁRIA NA PERSPECTIVA HISTÓRICO-