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RECORTE 3 – PERCEPÇÕES ACERCA DA LINGUAGEM PELOS

4 DISCURSOS A PARTIR DE UM PROCESSO DE DRAMATIZAÇÃO DE

4.3 RECORTE 3 – PERCEPÇÕES ACERCA DA LINGUAGEM PELOS

ESTUDANTES

Este recorte é direcionado para a análise dos excertos que mencionam a linguagem como constitutiva das obras literárias, atentando principalmente para o tipo de linguagem utilizada na época da escritura dos textos. Os trechos apontam para o entendimento acerca da especificidade linguística utilizada nesses escritos.

Vigotski nos abre arestas para que possamos pensar para além das palavras, com a pretensão de que possamos vê-las não apenas como instrumento de comunicação, mas para além disso, vê-las como formas e meios de nos tornarmos humanos, sujeitos inscritos num mundo de muitas possibilidades e sentidos, os quais se dão pelas relações que estabelecemos, com os sujeitos e com o mundo. Para o referido autor, a linguagem é entendida não apenas como sistema

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de códigos, mero instrumento de comunicação, mas a linguagem como portadora dos significados e carregada de sentidos.

Esse movimento tensiona o diálogo que versa sobre o conceito de linguagem, o qual é substancialmente importante para compreendermos como se dão os processos de aprendizagem dentro do campo educacional.

Para Vigotski (2006), o pensamento humano não pode ser entendido como acontecimento isolado, uma vez que o mesmo pressupõe a linguagem; dessa maneira, o entremeio entre linguagem e o pensamento reverberam no sentido, na significação da comunicação. O autor parte da observação e da teorização dela para compreender o movimento de subjetivação/constituição do sujeito, o qual, a partir do outro, fala/diz/mostra-se. Esse movimento só acontece porque a produção do simbólico, dos significados, se dá a partir de uma relação intrínseca e constante com a palavra, mediante interação com o social. A linguagem, portanto, é interação que possibilita o contato social, troca de cultura, experiência, leitura. É ela que condiciona o sujeito a aprender.

Para o referido autor, todas as palavras são conceitos e têm significado, todavia esses significados podem ser negociados mediante o contexto e os sujeitos; sendo assim, podemos pensar a linguagem como lugar do equívoco, assim como postula Pechêux, pois para cada sujeito uma mesma palavra pode ter muitos sentidos, considerando-se sua inscrição histórica e ideológica. Seguindo essa ideia, a configuração do pensamento/linguagem, em um cotejo entre Vigotski e Pechêux, coloca as palavras como processo de subjetivação dos sujeitos a partir do outro, visto que, para a palavra circular, é necessária a intervenção do outro, portanto, da história, para que se produzam sentidos. Nessa perspectiva, o outro nos torna sujeitos; tudo o que o outro é, nos constitui.

Pechêux em seus escritos afirma que a linguagem não é transparente, o que significa dizer que por trás de cada palavra existem múltiplos significados, os quais se dão na enunciação, considerando que os sentidos dessas palavras emergem diante da bagagem cultural e conceitual tanto do sujeito que enuncia quanto do sujeito interlocutor. O sentido não está fixo na linguagem, ele se dá pelas interações, ou seja, pelos contextos e sujeitos, que imersos nos mais variados discursos que circundam sua memória, instauram os sentidos possíveis para as palavras.

O ser humano é histórico e para sua constituição enquanto sujeito necessita de interação e não apenas ação sobre o meio, pois se constitui na interação com o

outro e com o mundo; tudo o que é singular nesse sujeito foi construído e constitui- se a partir da interação com o outro, por isso os sujeitos são históricos e carregam consigo resquícios de suas relações interpessoais. Nessa negociação de sentidos é que ocorre o conhecimento, e é na e pela linguagem que há a mediação entre o sujeito e cultura. Essa linguagem funciona como entremeio entre a coisa e a compreensão da coisa. Nesse sentido, podemos pensar a educação, quando a mesma só é possível se houver relação de interlocução entre as partes, isto é, o conhecimento se instaura quando há diálogo, discussão acerca dos conceitos. Na Literatura, por exemplo, uma obra literária só faz sentido se a linguagem utilizada para escrevê-la for compreensível; isso implica na relação professor-aluno, quando o primeiro é responsável por apresentar o conteúdo posto na obra, pois a palavra é portadora dos significados sociais. Nesse sentido, entendemos que o simbólico está entreposto entre nós e o outro, nós e o objeto; nós humanos trabalhamos com o simbólico – a interposição da palavra.

Na Sd 1, o estudante nos mostra indícios de aprendizagem sobre a importância que tem a linguagem da época, quando afirma que:

Sd 1 “Possui uma linguagem bastante característica, com o uso de palavras rebuscadas, formais e apresenta termos não utilizados atualmente. Com isso, na hora de escrever o roteiro, precisamos atentar para isso, pq isso é importante para a realidade da ficção essas palavras diferentes” (A10).

A partir desse excerto percebemos que o A10 consegue perceber que uma das diferenças da escrita do século XVIII/XIX encontra-se na linguagem da época. Esse entendimento reverbera em aprendizagem, quando percebe que na construção do roteiro para a dramatização é preciso atentar para a linguagem, esta que deve estar em consonância com a época da escritura da obra. Essa observação demonstra que o aluno percebe a peculiaridade da obra e entende “a língua não só como uma estrutura, mas sobretudo como acontecimento” (ORLANDI, 2013, p. 19), pois aponta para a importância na preservação da linguagem literária, a qual denota a particularidade do enredo. Nessa mesma perspectiva outros alunos deliberam que:

Sd 2 “A história é do tempo do realismo, a linguagem não é como as histórias de hoje, ela é mais complexa...” (A10).

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Este aluno, a partir de seu discurso, conseguiu produzir um conceito, o qual se refere ao Realismo, período ao qual pertencem os textos dramatizados. De acordo com Ivic e Coelho (2010, p. 23), “o sistema de conceitos científicos é um instrumento cultural portador, ele também, de mensagens profundas e, ao assimilá- lo, a criança muda profundamente seu modo de pensar”. Isso significa dizer que o aluno internalizou essa palavras, a mesma agora faz sentido para ele.

Também, em relação à linguagem, o estudante afirma que a mesma é “mais complexa”, isso por que existem palavras que não usamos mais hoje ou então palavras mais rebuscadas. O lugar de inscrição desse sujeito diz respeito, também, ao repertório linguístico dele, que não teve acesso às muitas leituras, por isso a restrição linguística dele. Diante disso, consideramos positivo o aspecto de ter internalizado novas palavras e de ter reconhecido que a linguagem é mais erudita; isso demonstra que esse estudante atentou para o modo como o texto foi redigido.

Sd 3 “A forma de linguagem dos contos é muito diferente da que usamos. Assim como a escrita, que também se diferencia da que costumamos usar, sendo mais formal e complexa...” (A4).

No trecho da Sd 3, o primeiro grifo demonstra que o aluno compreendeu o gênero textual estudado, a saber, o conto. Percebe também, como na análise anterior, que a linguagem utilizada é encharcada de palavras mais eruditas, característica também daquele período literário, considerando o período histórico em que foi escrito.

Sd 4 “Na construção do roteiro precisamos ficar atentos ao tipo de linguagem do texto, por que se não seguirmos ela, o texto não fica parecido com o original, perde o sentido. A literariedade precisa continuar” (A4).

Essa Sd denota o entendimento do aluno sobre a importância da manutenção da linguagem da época nas apresentações, afirmando que o roteiro construído precisa ficar como o texto original, pois a literariedade do texto está justamente na disposição das palavras e na seleção delas. Percebemos que um conceito foi internalizado: literariedade. O texto literário só o é porque há literariedade, ou seja, se não mantiver isso, o roteiro produzido ficará deficitário. Vigotski (2010, p. 48), sobre a produção de conceitos, defende que “a questão central desse processo é o emprego funcional do signo ou da palavra”, e isso foi

percebido no discurso do estudante. Entender que a literariedade precisa continuar, é entender que “o fato literário caracteriza-se, entre inúmeras outras marcas, por uma dupla dimensão articulada: a dimensão semiótica, ligada aos signos de que se faz o texto, e a dimensão transfiguradora do real. Uma e outra, integradas, estão, por seu turno, na base da dimensão estética que o caracteriza. O texto literário é, ao mesmo tempo, um objeto linguístico e um objeto estético” (FILHO, 2007, p. 40). Esse recorte, o qual rememora questões ligadas à linguagem, trouxe discursos que apontaram para a compreensão de que os textos literários realistas são linguisticamente diferentes dos escritos atuais por manterem palavras e expressões mais complexas. Esse indício nos faz perceber que os estudantes conseguiram fazer a assimilação desse contexto, e que compreendem que essa linguagem é importante para situar a obra no tempo e no espaço.

Percebemos durante as análises, que muitos dos excertos poderiam pertencer a mais de um recorte, isso por que em muitas Sds há um emparelhamento de ideias, as quais se assentam sobre a mesma temática, mesmos atravessamentos. Por entender que esses enunciados funcionem/operem de determinada forma e não de outra, é que os dispusemos em determinados recortes.