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CONTRIBUIÇÕES PARA A ARTE LITERÁRIA NA PERSPECTIVA

3 ABORDAGEM ACERCA DO CONHECIMENTO LITERÁRIO E SUA

3.6 CONTRIBUIÇÕES PARA A ARTE LITERÁRIA NA PERSPECTIVA

É sempre interessante situar um autor para poder falar de suas contribuições para determinada área. Desse modo, pretendemos esboçar algumas informações acerca de Vigotski que servem de base para a compreensão do porquê o mesmo merece destaque ao falarmos em Literatura e chamá-lo para o diálogo.

No início do século XX, na Rússia, a psicologia tentava explicar os fenômenos da natureza humana; até então esses estudos eram delegados à Filosofia. Vigotski foi o primeiro psicólogo moderno a afirmar que as origens sociais da linguagem e do pensamento perpassavam pela cultura, pelo interacionismo

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(VIGOTSKI, 2007). O autor relacionou as mudanças na consciência e comportamento humano com o materialismo histórico de Marx, quando entende que as mudanças na história e na sociedade também mudam os sujeitos. De Engels traz a noção do uso do instrumento, pois a partir deste o sujeito transforma a si e a natureza.

O autor interacionista além de interessar-se pela Psicologia lecionou também Literatura e dirigiu uma seção de teatro em uma escola; para além, proferiu inúmeras palestras relacionadas à ciência e à Literatura. Neste mesmo período, fundou “Verask”, uma revista literária, quando nela publicou a primeira pesquisa no âmbito da Literatura: A Psicologia da arte. A ideia central dos estudos de Vigotski era compreender como o comportamento humano se constitui e se desenvolve na vida de um sujeito; para o referido autor, o desenvolvimento intelectual se dá primordialmente pelas relações sociais.

A produção vigotskiana deu-se em um momento de tensionamentos (LUCCI, 2006) na Rússia, após a revolução de 1917, quando houve a penalização da população, inclusive do próprio Vigotski, que contraíra tuberculose. Instaura-se então um regime comunista com a liderança de Lenin, em 1921. Muitos problemas circundavam o país, principalmente em relação à educação, visto que havia duas correntes marxistas que vigoravam, a saber, a mecanicista e a dialética (LUCCI, 2006).

Stalin, ao substituir Lenin após sua morte, em 1924, vê a educação sucateada e com resultados negativos, por isso inclui um currículo fechado e suspende os projetos. Stalin também cerceou os estudos psicológicos, inclusive os de Vigotski que só passaram a serem permitidos, após a morte do líder Stalin. Essas foram as condições nas quais ocorreu a produção intelectual de Vigotski (LUCCI, 2006). Para além dessas teorias, Lucci (2006) afirma que Vigotski pensa em uma nova Psicologia, a qual pudesse dar conta das questões cognitivas a partir do entendimento das funções mentais superiores, essas que, segundo ele, eram determinadas pela história e pela cultura. Isso significa dizer que sugere uma teoria “do funcionamento intelectual humano que inclui tanto a identificação dos mecanismos cerebrais subjacentes à formação e desenvolvimento das funções psicológicas, como a especificação do contexto social em que ocorreu tal desenvolvimento” (LUCCI, 2006, p. 4).

Na adolescência Vigotski interessava-se pelas artes, quando estuda “Hamlet” de Shakespeare (leitura esta que o leva a escrever o seu trabalho de conclusão de curso em Direito). Após a conclusão do curso, Vigotski inicia um grupo de estudos que intitulava-se “Segundas-feiras literárias”, onde discutia-se obras importantes que circulavam na época (LUCCI, 2006). Arte, para Vigotski, se efetiva quando há criação humana que extrapola os sentimentos; para o autor, todo ato de criação ocorre em determinado tempo/época, por isso a arte não é estanque. Nesse mesmo viés a AD contribui esclarecendo que a linguagem funciona de modo que “se constitui na relação com o simbólico, na história” (ORLANDI, 2013, p. 19), isso significa dizer que toda a bagagem discursiva nunca é homogênea e fixa, ela sempre é mutável, possível.

Dessa maneira, entende-se que o sujeito, na perspectiva histórico-cultural, é um ser que é constituído pela cultura que ele próprio cria; imbuído de linguagem, perpassado pela cultura, aprendizagem e interações, esse ser desenvolve-se ao passo que simboliza suas relações. Nessa perspectiva, conforme Ivic e Coelho (2010, p. 7), os estudos de Vigotski desenvolvem “uma teoria extremamente original e bem fundamentada do desenvolvimento intelectual”, a qual aponta, também, para uma teoria da educação.

Nesse sentido, considerando que todo conhecimento é mediado e que é na interação com o meio que acontece o desenvolvimento mental, o professor tem papel fundamental na constituição intelectual do indivíduo, principalmente ao falarmos de uma área tão importante quanto a Literatura.

Silva e Urt (2016, p. 3) destacam que Vigotski entende a arte como processo cultural e social, e:

Afirma ser comum atribuir à obra de arte um caráter ou um efeito de bom ou mau, consequentemente, um valor moral, ou seja, avalia-se como um objeto que contribui à construção moral das crianças e adolescentes, de forma que a escola passou a enxergar a educação estética como apenas um disciplinador de comportamentos, incluindo-se a literatura como o objeto principal.

Nesse sentido, entendemos que Vigotski já buscava desmistificar a ideia de que a arte é servil apenas para delegar comportamentos e valores, o autor compreende a arte como movimento de constituição do sujeito, ou seja, a intervenção da arte faz com que haja “sociabilidade do homem, interação social,

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signo e instrumento, cultura, história, funções mentais superiores” (IVIC; COELHO, 2010, p. 15). Segundo Wedekin (2016, p. 7), o pensamento de Vigotski converge para “educar o conhecimento, o sentimento”, e diante disso é possível perceber que significativamente a arte vai ganhando espaços de discussão, pois ela pode educar hábitos e possibilitar novas formas de apreensão do mundo e dos sujeitos. Dessa forma, pensar na Literatura como forma de ascensão do sujeito, é pensar nos atravessamentos que a arte literária promove, atravessamentos estes que condicionam o sujeito a aprender e a desenvolver-se. Dito isso, pensemos novamente no tocante da escola, a qual precisa disponibilizar as condições para que o aluno tenha acesso à arte e que dela possa usufruir para tornar-se cidadão do mundo. Reiteramos que é na escola o lugar primordial para que se apresente a arte e que se faça dela um instrumento de conhecimento, de aprendizagem.

No capítulo seguinte, faremos uso dessas contribuições de Vigotski e de outros autores já mencionados para apontar o processo de aprendizagem e apropriação literária via escola/dramatização.

4 DISCURSOS A PARTIR DE UM PROCESSO DE DRAMATIZAÇÃO DE OBRAS