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6. RESULTADOS E DISCUSSÃO

6.1 Análise do Currículo: o conteúdo de dança no sétimo ano

O Currículo de Educação Física do Estado de São Paulo tem como base de sua organização um sistema denominado “Situações de Aprendizagem”. Esta forma de estrutura é explicitada no caderno do professor, em que o objetivo principal é que os alunos atinjam por meio das aulas desta disciplina, a diversificação, sistematização e aprofundamento dos conteúdos, conforme pontuado nas orientações iniciais do próprio material (SÃO PAULO, 2009).

Entende-se a partir destas diretrizes gerais, que o professor possua um subsídio básico para desenvolver os conteúdos selecionados para cada nível de ensino, e que os alunos por meio das situações de aprendizagem aprimorem seus conhecimentos. Conforme apresentado nas orientações para os professores sobre os conteúdos do primeiro bimestre do sétimo ano (antiga 6ª série):

Este caderno foi elaborado para servir de apoio ao seu trabalho pedagógico cotidiano com a 6ª série do Ensino Fundamental. As orientações e sugestões a seguir têm a intenção de oferecer-lhe subsídios para o desenvolvimento dos temas apresentados (SÃO PAULO, 2009, p. 9).

Todavia, ao longo do caderno do professor deste nível de ensino percebem- se algumas limitações nas propostas apresentadas, considerando que os conhecimentos acerca dos temas são resumidos em alguns momentos. Não se pode

afirmar os motivos que levaram a estas características, no entanto, sabe-se que elaborar um currículo para a Educação Física não é tarefa fácil.

O caderno do professor do sétimo ano do currículo de Educação Física do Estado de São Paulo está organizado em quatro bimestres distintos, e o conteúdo de dança, é apontado como uma das práticas corporais que deve ser abordada no primeiro bimestre, juntamente com o eixo de conteúdo esporte, e o eixo temático organismo humano, movimento e saúde.

A dança é desenvolvida no currículo dentro do eixo de conteúdos “atividades rítmicas”. No entanto, para o documento este tema “atravessa” os demais, visto que o ritmo é compreendido em sua etimologia original, possuindo relação direta com a organização temporal. Desta forma, a dança se constitui apenas em uma parcela dos conteúdos que devem explorados neste eixo.

A proposta explicitada no caderno do professor é que esta prática corporal seja empregada por meio da diversificação de ritmos, incluindo as danças folclóricas que caracterizam a cultura regional brasileira. O material não especifica qual foi o critério adotado na escolha das manifestações abordadas, nem o motivo pelo qual o sétimo ano foi selecionado como o primeiro espaço deste conteúdo no ensino fundamental.

Estes fatores indicam que na falta de um currículo oficial para a Educação Física no país, o critério adotado para sistematização acabou sendo de ordem pessoal, bem como, fruto das pesquisas e experiências de seus idealizadores, o que não é uma crítica, mas uma constatação.

O enfoque atribuído à dança no caderno do sétimo ano parte de uma perspectiva multicultural, ou seja, explorando a diversidade rítmica do Brasil por meio de manifestações folclóricas e tradicionais. Nas palavras do material, este eixo de conteúdo dará destaque: “[...] ao processo histórico das manifestações e das representações da cultura rítmica nacional, às danças folclóricas e regionais e a questão de gênero associada à dança” (SÃO PAULO, 2009, p. 8).

Neste escopo, a sugestão é desenvolver um trabalho com danças folclóricas que caracterizam cada uma das regiões do país. As manifestações propostas são: xaxado (Região Nordeste), siriri (Região Centro-Oeste), carimbó (Região Norte), catira (Região Sudeste) e chula (Região Sul). O documento afirma que estas são

apenas sugestões, e que o professor pode selecionar outras manifestações, desde que estejam de acordo com o objetivo geral de tratar a diversidade rítmica que caracteriza o Brasil e suas regiões.

Esta concentração de temas em uma única fase do currículo pode ser uma dificuldade para o professor, provocando algumas vezes um tratamento superficial destas manifestações, o que inclusive, se contrapõe a outras propostas, que apontam que o folclore deve/pode ser abordado em diversos anos do currículo (TOLEDO, et al., 2004; TOLEDO, 2011).

Considerando que o próprio caderno do professor aponta que este material servirá como um apoio pedagógico para o desenvolvimento dos conteúdos, a proposta de dança pode ser considerada sucinta. As danças folclóricas sugeridas podem não fazer parte de muitos currículos de formação inicial em Educação Física, e, além disso, a bibliografia disponível acerca destas manifestações é escassa.

Esperava-se, portanto, uma abordagem mais minuciosa acerca destas manifestações, contemplando entre outros aspectos, a origem, passos básicos, vestimentas típicas, sugestões de algumas atividades, entre outros. Contudo, as cinco danças folclóricas são apresentadas aos professores de modo sintetizado como é possível observar na imagem que segue.

Fon te: Cur ríc ul o de Ed uc aç ão F ís ic a do E stad o de S ão Pau lo ( SÃ O P A ULO , 2 00 9, p. 2 8- 29 ).

Neira (2011) afirma que uma breve leitura do currículo de Educação Física do Estado de São Paulo aponta problemas como a superficialidade no tratamento dos conteúdos, delineado por uma visão generalista, já que eles são abordados de modo resumido, e sem grandes aprofundamentos.

Talvez seja difícil para o professor desenvolver um conteúdo tão amplo como as danças folclóricas com um material simplificado, o que pode corroborar com um afastamento ainda maior deste conteúdo do contexto educacional, reforçando a necessidade de materiais complementares para o professor. Utiliza-se a palavra “talvez”, uma vez que, um professor com boas condições de formação inicial e continuada, ou ainda com experiências relacionadas a estas temáticas, pode conseguir tratar as danças folclóricas apenas por meio do material disponibilizado no currículo, o que não permite, portanto, generalizações.

O material de dança do sétimo ano apresenta ainda, outras sugestões de trabalho que são apontadas ao longo do corpo do texto. Uma delas envolve o desenvolvimento de projetos interdisciplinares com os demais professores, como o de história, artes e geografia, por exemplo. O objetivo é que os alunos elaborem pesquisas em grupo acerca das danças folclóricas, e que ao final realizem um grande espetáculo que proporcione um panorama geral acerca destas manifestações. Apesar da relevância da sugestão, o currículo poderia apresentar algumas descrições de possibilidades didáticas que facilitassem a execução de propostas com este cunho.

O caderno do professor aponta também que as aulas sejam desenvolvidas com meninos e meninas em conjunto, ao sinalizar em seu texto a relevância da formação de grupos mistos tanto na realização das pesquisas quanto nas coreografias, reforçando o que foi proposto nas orientações iniciais.

A questão de gênero presente em certas danças também é relevante ao tratarmos das atividades rítmicas. O controle do ritmo (o homem é condutor nas danças em pares) ou até mesmo a exclusividade da dança pelo gênero masculino, como ocorre no xaxado pode ser analisado sob o ponto de vista do preconceito ou da timidez com relação ao dançar (SÃO PAULO, 2009, p. 27).

Todavia, apesar de existir uma situação de aprendizagem específica para este tema, faltam alguns subsídios para que este trabalho com a coeducação seja concretizado durante as aulas de Educação Física.

Sabe-se que a dificuldade acerca da participação dos meninos em aulas de dança ainda é extremamente forte, o que se constitui em mais um problema enfrentado pelo professor para inserir este conteúdo (GASPARI, 2005). A própria história da dança ressalta que a sua inserção nos currículos escolares foi efetuada apenas para as meninas, enquanto que para os meninos foram designados os exercícios mais viris, que exigiam força e velocidade (CHAVES, 2002).

A cultura sexista na Educação Física ainda é muito grande, diversos estudos como o de Costa, Silva e Ávila (2000) comprovam como as aulas ainda são majoritariamente “lideradas” pelos meninos, e assim as meninas são submetidas às suas deliberações. A construção cultural consolidada ao entorno da dança lhe atribuiu uma caracterização feminina sólida, e assim, a dificuldade de inserção de ambos os sexos ainda é grande. Stinson (1998) ao desenvolver uma pesquisa no ambiente escolar com meninos de dez a quinze anos, encontrou dados que revelam a opinião deles sobre este conteúdo: “dança é aula de menina”.

Desta forma, o currículo poderia propor algumas atividades que tratassem desta temática, como, por exemplo, por meio de estratégias metodológicas que evitassem a exposição dos alunos, bem como, textos complementares para discussão das construções culturais que existem entorno da dança, facilitando a inserção deste conteúdo no contexto escolar.

Ao final do caderno propõem-se materiais adicionais como livros, artigos, filmes e sites, para complementar o trabalho do professor, o que se constitui em uma estratégia interessante. No entanto, estas propostas referem-se a uma perspectiva mais geral da dança, ou seja, não há relação direta com os conteúdos propostos para o ano em questão. Por exemplo, no que diz respeito especificamente aos filmes, sugere-se a exibição de “Vem dançar” (Take the Lead), contudo, esta produção não se relaciona com a proposta de desenvolver um trabalho com danças folclóricas brasileiras. Não é o propósito afirmar que o filme é inadequado para discutir alguns temas relacionados à dança, no entanto, a sugestão não está integrada com a proposta do bimestre que envolve as danças tipicamente brasileiras e a sua construção cultural.

Uma possibilidade interessante seria a sugestão de alguns vídeos das danças sugeridas para o bimestre, alternativa didática que poderia auxiliar o professor,

todavia, não são ofertados links com este propósito. Além disso, disponibilizar algumas músicas seria outra proposta interessante, visto que a acessibilidade a canções folclóricas não é tarefa fácil.

Estes exemplos de estratégias didáticas alocadas em um mesmo ambiente virtual de fonte confiável poderiam proporcionar ao professor maiores possibilidades no desenvolvimento das danças folclóricas, o que foi possível verificar na elaboração do blog proposto. Cabe evidenciar, no entanto, que um material didático nunca será completo, afinal, ele se trata de uma seleção no interior da cultura que é muito mais ampla e complexa, sendo passível de limitações e problemas.

A impressão obtida por meio desta análise é que no caderno do sétimo ano os conhecimentos acerca dos conteúdos devem ser desenvolvidos principalmente pelos alunos, visto que as pesquisas sobre estas manifestações são direcionadas majoritariamente a eles.

A partir de investigações sobre o conteúdo de dança presente no caderno do professor do sétimo ano do Currículo de Educação Física, entende-se que a maioria dos professores que vão tematizar a dança no contexto escolar serão aqueles que já possuem conhecimentos e experiências com este conteúdo, ou ainda, aqueles que conseguirem tempo hábil em sua jornada de trabalho para pesquisar sobre cada uma das manifestações sugeridas.

Encontrar material de qualidade e estudar sobre o assunto, ler artigos e livros, assistir vídeos, filmes e/ou documentários, selecionar músicas, elaborar estratégias didáticas, enfim, construir um planejamento para tratar um conteúdo do qual não se possui muitos conhecimentos, torna-se um grande desafio. Isso fica ainda mais evidente considerando todas as dificuldades do trabalho docente, e em específico do professor de Educação Física com relação à dança (GASPARI et al., 2006). Este cenário aponta para um difícil quadro em que se encontra a Educação Física e o processo de inserção da dança em seu contexto.