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Capítulo IV – Resultados do Trabalho de Campo

4.4. Análise dos dados recolhidos durante a investigação empírica

No capítulo I da segunda parte, apresentámos as questões que estiveram na base da nossa investigação, bem como os objectivos subjacentes. Pretendemos agora debruçar-nos sobre os resultados obtidos, depois de realizado o trabalho de campo.

Primeiras questões da investigação:

a) O que é o Centro de Emergência Social?

b) Como funciona o Centro de Emergência Social?

Objectivo: Recolher informações sobre o local onde residem crianças maltratadas.

O Centro de Emergência Social de Alverca, sendo uma organização de apoio social, acolhe crianças que vivem em situação de perigo. Tendo entrado em funcionamento no início do ano de 1996, prestando esse apoio a apenas uma criança, viu este número ir aumentando gradualmente, até completar a sua lotação.

Os residentes deste centro provêm, não só do concelho de Vila Franca de Xira, mas de outros 6 concelhos próximos. Uma vez concretizado o acolhimento das crianças, a intervenção do CES é direccionada para os vários domínios do desenvolvimento das mesmas, concorrendo para colmatar as deficiências anteriores, através da prestação de cuidados básicos, inerentes às idades de cada uma dessas crianças.

Priorizam-se sempre os direitos e os interesses das crianças, os quais são considerados aquando do planeamento do seu futuro. Este consigna-se num documento intitulado Projecto de Vida, no qual se ponderam as perspectivas a proporcionar a cada criança. Estas podem englobar uma de três possibilidades distintas: a reintegração junto da família biológica, a adopção ou o internamento definitivo, num outro Centro, considerando que o CES apenas permite uma permanência provisória.

De acordo com as nossas observações, podemos concluir que a intervenção deste centro corresponde integralmente aos intentos a que se propõe, já que o tratamento e o seguimento dado às crianças que ali residem assumem um nível de qualidade digna de reparo. A alimentação é variada e confeccionada nas melhores condições; a educação é prestada segundo os parâmetros de qualidade a que o CEBI já habituou os seus utentes; o pessoal técnico e auxiliar adopta, em todas as circunstâncias, posturas afáveis e familiares; as condições de habitabilidade atingem parâmetros semelhantes aos de uma

casa de família clássica e a prestação dos cuidados de saúde, higiene e vestuário nunca são descurados.

Segunda questão da investigação:

c)Quais as características da população do CES? Objectivo: Recolher informações sobre crianças maltratadas.

Como já referimos em capítulos anteriores, as crianças chegam ao CES através de serviços como a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, o Tribunal de Menores e os Centros Regionais de Segurança Social ou a GNR. Estas crianças foram retiradas aos pais pelos tribunais ou assistentes sociais, porque se encontravam a viver em situação de perigo.

As crianças vítimas de maus-tratos são consideradas crianças em perigo, devido à precariedade dos cuidados primários recebidos, como é o caso da alimentação, da saúde e da higiene e do fraco investimento cultural, tanto na aprendizagem, como na socialização.

O ano em que mais crianças foram integradas no CES, foi o de 2005.

A população infantil acolhida tem idades compreendidas entre os 11 meses e os 12 anos, rondando a maioria os 3 anos. As famílias de proveniência apresentam todas um nível socio-económico baixo. Cerca de 65 % das crianças acolhidas são do sexo masculino.

Poderemos referir novamente que as causas que conduziram ao acolhimento das crianças neste centro estão directamente relacionadas com situações vividas por estas dentro da família, as quais abrangem a negligência, o abuso sexual e os maus-tratos, tanto psicológicos como físicos.

Terceiras questões de investigação:

d)Qual a relação dos residentes com o CES?

e) Como é passado o dia-a-dia das crianças dentro do CES? Objectivo: Observar como estas crianças vivem o seu dia-a-dia

Apoiando-nos nas observações e nas entrevistas realizadas ao longo do nosso estudo, podemos concluir que as crianças alojadas no CES participam directamente em alguns tarefas diárias, a exemplo do que sucede nos núcleos familiares normais. Deste

modo, elas sentem-se elementos válidos e plenamente integrados na grande “família” que durante um período, pelo menos, será a delas.

Aliás, estas crianças costumam referir-se ao Centro como a “casa”, o que caracteriza o laço afectivo que mantêm o espaço físico, em si, e com as funcionárias que se ocupam deles. Estas, a exemplo do que acontece como as mães de família, desempenham simultaneamente o papel de mães, amigas, confidentes, agentes de autoridade, juízes, empregadas,… Para além desta relação aproximada que se vive na família, o CES providencia também aos seus residentes a realização de uma série de actividades lúdicas, adequadas às diversas idades, através das quais cada criança desenvolve a sua integração pessoal e comunitária, ao mesmo tempo que se apropria de experiências de vida, quem sabe, quantas vezes vividas em primeiríssima mão, tais como idas ao cinema, ao teatro, saídas para famílias amigas, tecelagem, xadrez, …

O dia-a-dia das crianças adquire também uma dimensão semelhante à que é vivida em “família”, ou seja, aos bebés até aos dois anos são providenciados os cuidados inerentes à dependência que os caracteriza; as crianças com idades compreendidas entre os dois e os cinco anos frequentam as valências da Fundação CEBI, do tipo “Jardim-de-infância”; aquelas que têm entre os seis e os doze anos frequentam a escola, durante o horário normal estabelecido para o ensino básico, integrados em turmas dos alunos externos, pois esta Fundação apresenta também vertentes de “colégio particular”.

Um dos aspectos que pode diferenciar esta nova forma de vida, da anterior, reside nos horários fixos para as diversas crianças, os quais assumem algum carácter rígido e monótono: levantar sempre às 8h00, almoçar das 12h00 às 13h00, jantar às 19h30 e deitar às 21h30 ou 22h00, conforme as idades.

Quartas questões de investigação:

f)Quais são os comportamentos das crianças em estudo perante as várias situações do seu dia-a-dia?

g)Quais são as suas atitudes face a situações de vivência traumática? h) Quais as características da personalidade das crianças?

Objectivos: Verificar como os maus-tratos influenciam comportamentos.

Identificar determinadas atitudes resultantes do percurso de vida das crianças em estudo. Verificar como os maus-tratos influenciam o seu percurso de vida.

No quadro actual da sociedade em que vivemos, verificámos que existem crianças maltratadas oriundas dos vários estratos sociais. Contudo, as crianças acolhidas no CES são todas provenientes de famílias com poucos recursos económicos, culturais e sociais.

Sendo raras as situações de monoparentalidade, até à integração no CES, na generalidade, as crianças viviam com ambos os pais, os quais eram analfabetos ou possuíam a escolaridade mínima. Alguns eram desempregados ou possuíam um emprego provisório, indiferenciado e mal pago.

Estas características sociais são típicas das classes mais baixas. Estas reúnem poucas condições para satisfazer as necessidades dos filhos, usando o álcool, a droga e a violência como uma escapatória para os problemas que enfrentam. Esta situação leva a que as crianças sofram pela falta da satisfação das suas necessidades básicas e vivam muitas vezes rodeadas de violência, tornando-se vítimas de abusos e maus-tratos.

Os maus-tratos sofridos levam à existência de outro tipo de problemas, não somente no momento em que ocorrem, mas também ao longo da vida, podendo causar sequelas, maiores ou menores, conforme a duração, intensidade e idade das crianças, à altura da vivência desses mesmos maus-tratos.

Estas crianças, por vezes, manifestam comportamentos vulgarmente designados de “anormais”, mas eles não são mais do que sinais para reclamarem um pouco de atenção, afecto e carinho.

Podemos afirmar que o desenvolvimento, social, emocional, moral, cognitivo, e físico das vítimas fica comprometido, bem como os seus comportamentos.

De um modo geral, também ao nível da socialização, da adaptação à escola e do insucesso escolar residem influências negativas dos maus-tratos.

Em termos emocionais, estas crianças apresentam grandes dificuldades em expressar-se, tal como se pôde verificar ao longo das nossas observações e das entrevistas. Sempre que se pedia uma justificação, obtinha-se como resposta Não sei ou Porque gosto, …

A nível escolar, estas crianças apresentam um rendimento não satisfatório (como é o caso das crianças 1, 2 e 4) ou satisfatório (como é o caso das crianças 3 e 5). A área onde estas crianças apresentam mais dificuldades é na Língua Portuguesa. Apresentam dificuldades em comunicar, sendo o seu vocabulário pobre e pouco variado. Em sala de aula, estas crianças são desatentas, possuem falta de iniciativa e são muito dependentes

do professor, precisando constantemente de apoio e de atenção. Na generalidade, mostram-se pouco participativas em todas as actividades lectivas.

As agressões físicas, os ataques de cólera e o exibicionismo foram formas vulgares de reacção, utilizadas pelas crianças por nós observadas.

Na maior parte das vezes, adoptam padrões de comportamento antagónicos e idênticos aos dos seus progenitores, sendo arbitrariamente apáticos e meigos; violentos e agressivos.

Nestas crianças, foi ainda possível verificar a existência de uma certa ambiguidade nas relações interpessoais, ora procurando o afastamento, ora a aproximação. Por vezes, esta oscilação aplica-se também ao comportamento, variando entre a dependência e a desconfiança.

Um grande traço de personalidade comum a todas as crianças é o facto de serem carentes e meigas, com auto-estima baixa, reduzida tolerância à frustração, inseguras e facilmente influenciáveis.

Ao longo das nossas observações, pudemos ainda verificar com alguma frequência, a ocorrência de roubos, a indisciplina, a intransigência e a relutância no cumprimento de horários e normas.