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Considerando que os maus-tratos na infância podem acarretar a separação dos pais, o afastamento da criança de um dos seus progenitores ou dos dois, a adopção, o internamento em lares da especialidade, entre outros, a par de disfunções emocionais físicas e relacionais, podemos concluir que o desenvolvimento futuro das vítimas se encontra profundamente comprometido.

Segundo Bentovim e Skuse (1994) os maus-tratos sofridos na infância poderão originar consequências a nível psicológico e físico.

As sequelas mais visíveis são as físicas e delas podem resultar cicatrizes, deformações a nível ósseo e danos neurológicos, ao nível da coordenação sensorial, psicomotriz e neuromotora.

As situações de negligência podem também causar danos físicos, essencialmente quando estão relacionadas com a falta de alimentação e de higiene, desencadeando mudanças gastroentestinais ou metabólicas, diminuindo as defesas e permitindo o alastramento ou cronicidade de determinadas doenças.

Apesar de serem menos visíveis as consequências dos maus-tratos, ao nível psicológico estes podem afectar mais duradoiramente o desenvolvimento das crianças. Segundo Wolfe (1987) são quatro as áreas dessas consequências: o funcionamento sócio-emocional, comportamental, cognitivo e cognitivo-social.

A investigação tem evidenciado que, ao nível do desenvolvimento sócio- emocional, os efeitos mais visíveis prendem-se com a relação de afectos e de vínculos.

A teoria da vinculação, de Crittenden e Ainsworth (1989), considera que é durante a infância que a criança desenvolve a confiança sobre a responsabilidade e a

disponibilidade dos adultos, sendo essa confiança aperfeiçoada através da interacção com as figuras de vinculação e influenciada pelos processos de exploração, pela edificação de novas relações e pela resposta a novas exigências do meio. Tem sido destacado por investigadores Crittenden (1985) e por Carlson, Barnett, Cicchetti e Braunwald (1989) que as crianças vítimas de maus-tratos desenvolvem uma vinculação insegura em relação à mãe. Mas, também se constatou existir um certo número de crianças maltratadas classificadas como vinculadas, o que segundo Figueiredo (1998), citado por Formosinho (2004: 248), chamou a atenção de alguns investigadores, os quais ao analisarem com maior detalhe e interacção destes bebés com a mãe, verificaram que tal classificação resultava de um comportamento aparente da criança, assim como das limitações do sistema classificatório utilizado.

Um grande número de vítimas de maus-tratos apresenta em termos de desenvolvimento social e interpessoal uma escassez de relações tanto com os adultos como com os seus pares. Acontece, frequentemente, que estas crianças demonstram pouca facilidade em perceber situações sociais complexas e dificuldades em reagir com empatia e sensibilidade.

Estas desenvolvem uma acção interpessoal imprópria, acompanhada de agressividade e isolamento. As investigações têm demonstrado que, do ponto de vista emocional, pode existir uma conexão entre os maus-tratos à criança e o desenvolvimento de depressão e baixa auto-estima.

Podemos portanto concluir que, as vítimas de maus-tratos apresentam padrões de conduta idênticos aos dos pais, manifestando isolamento social, agressividade, falta de competências sociais e de empatia para com os pares. A nível comportamental, manifestam hiperactividade, problemas de atenção e ansiedade.

É ainda possível constatar que os rapazes desenvolvem com maior frequência problemas de exteriorização e desordens de conduta, enquanto que as raparigas apresentam uma maior probabilidade de desenvolver sintomatologia depressiva e interiorização.

Segundo os resultados de uma investigação efectuada por Rosário, Muriel, Feldman e Salzinger (1993) existe uma maior probabilidade de as crianças vítimas de maus-tratos serem desprezadas pelos seus pares e de serem entendidas como detentoras de condutas sociais negativas.

As crianças maltratadas possuem geralmente um ambiente familiar negativo, ao nível do desempenho, o qual para além de não promover o seu desenvolvimento social nem emocional, inibe a criança na aquisição de aprendizagens.

Relativamente ao impacto ao nível do desenvolvimento cognitivo, da linguagem e do rendimento académico, segundo estudos efectuados por Elmer (1977) as crianças vítimas de maus-tratos apresentam uma menor maturação cognitiva.

Em termos neuropsicológicos, alguns estudos demonstram que as crianças poderão sofrer alguns défices no seu processamento cognitivo.

Outros autores são unânimes em considerar que ao nível do desenvolvimento da competência linguística, os maus-tratos deixam resíduos tanto no campo da expressão linguística como no da compreensão (Skuse & Bentovim, 1994).

Tem vindo a ser constantemente evidenciado que estas crianças possuem um discurso supérfluo e pobre, ao nível dos conteúdos, essencialmente nos de natureza abstracta. (Cortés & Cantón, 1999)

Em 1981, Barahal et al (citados por Formosinho, 2004: 250-251) referiram que em termos sócio-cognitivos, os estudos com crianças maltratadas têm reconhecido as dificuldades por estas apresentadas na tomada de perspectiva, na identificação e designação de estados emocionais dos outros, na descrição de causas sociais e interpessoais para emoções específicas e na compreensão de papéis sociais.

Outro aspecto importante sobre a competência sócio-cognitiva destas crianças relaciona-se com a conceptualização que elas fazem das suas relações com os pares e com os pais. As relações com estes últimos evidenciam-se pela sua complementaridade (papéis diferenciados) e as relações entre pares caracterizam-se pela sua reciprocidade (papéis simétricos).

Os investigadores têm verificado que as estruturas relacionais entre pais e filhos sofrem modificações em consequência dos maus-tratos, face às competências a atribuir aos filhos, apresentando os pais expectativas irrealistas, sendo por vezes exigida a tomada de responsabilidades pelo seu próprio bem-estar, pelo dos seus irmãos e até pelo dos próprios pais.

A criação de relacionamentos com os seus pares também se pode danificar, tornando-se menos gratificantes e profícuos e caracterizados por agressividade e isolamento.

O desenvolvimento moral é outro dos campos que ao nível da cognição social das crianças maltratadas tem merecido alguma atenção. A investigação tem-nos

demonstrado que estas crianças oriundas de ambientes de imposição e poder podem apresentar, face aos seus pares não maltratados, níveis inferiores de raciocínio moral. Segundo Basanta (2000) estas crianças apresentam maiores possibilidades de evoluírem para um pensamento egocêntrico, pouco recíproco, com distorções acentuadas de conceitos morais, como os de justiça, solidariedade ou transgressão.

Verificámos que, tanto os estudos prospectivos, como os retrospectivos têm apresentado uma associação entre comportamentos agressivos na adolescência e na idade adulta e os maus-tratos sofridos durante a infância.

Após termos reflectido sobre as conclusões retiradas ao longo deste capítulo, estamos em crer que os maus-tratos infligidos às crianças ao longo da infância se traduzem posteriormente em sequelas graves e frequentemente permanentes, tanto ao nível do desenvolvimento físico como do psicológico, para além de comprometerem as relações interpessoais e a interacção da vítima com os seus progenitores, quando esta se torna ela própria progenitora.