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Análise dos dados sobre os aspectos de formação acadêmica e qualificação

CAPÍTULO 2 ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS ASPECTOS

2.3 Análise dos dados sobre os aspectos de formação acadêmica e qualificação

Quanto aos aspectos profissionais, a maioria dos professores pertence ao quadro efetivo da rede. Podemos inferir que, na escola “A”, a maioria dos professores é efetiva, e, portanto, pertencem a uma parcela do quadro do magistério com maior tempo de atuação. É também na escola “A” que aparece maior número de docentes mais próximos da aposentadoria. Na escola ”B”, o quadro de professores é mais jovem, pois as vagas docentes são preenchidas por professores recém-formados ou que ainda não pertencem ao quadro efetivo, ou seja, os contratados. Os que pertencem ao quadro dos efetivos, na maioria das vezes, removem seu cargo para outra unidade. São poucos os professores que ministram aulas nessa escola há pelo menos oito anos.

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Outro dado que talvez possa nos levar a elucidar a causa de o quadro docente apresentar-se com mais idade na escola ”A” do que na escola “B” é o fato de que os alunos da escola “A”, de acordo com relato dos professores, são mais bem comportados, se comparados aos de outras escolas do município, o que acaba levando à permanência dos docentes nesta unidade escolar: eles não desejam remover seu cargo para outro local, para não correr riscos de trabalhar com alunos “difíceis”.

Certa vez, enquanto um grupo de professores da escola “A” respondia ao questionário da pesquisa, uma professora da disciplina de Língua Portuguesa, relatou:

Aqui na escola ‘A’ eu consigo desenvolver projetos com as turmas. Estou desenvolvendo um projeto de leitura, da Secretaria Municipal de Educação. Ele é muito importante, muito bom, os alunos são ótimos, interessados, educados e me sinto muito feliz em trabalhar com eles. Das vinte e uma salas que tenho, nas duas escolas em que leciono, apenas três me dão problema de indisciplina e é em outra escola, não aqui. Para mim, a indisciplina é a carência, a ausência dos pais. Depois os professores reclamam para mim da indisciplina, mas ainda afirmam que aqui na ‘A’, eles estão no céu.

O que podemos inferir a partir da afirmação da professora é a necessidade de que as relações interpessoais sejam trabalhadas pelo professor em sala de aula, a fim de desenvolver nos alunos a competência para o trabalho em equipe e resolver alguns problemas relativos a indisciplina. Aquino (1998) nos lembra que é necessário desenvolver com os alunos algumas regras éticas de convivência em sala de aula, de modo a olhar para o ato indisciplinado como um alerta e também como análise da prática docente.

Os professores da escola “A” afirmaram que os alunos apresentam comportamentos que, se comparados aos de outros alunos de outras escolas da cidade, não são caracterizados como indisciplina. Por exemplo, eles gostam de conversar durante as aulas, mas nada que possa trazer muitos problemas ao andamento das atividades. O que notamos, durante as observações das aulas de História, é que bem poucos alunos fazem uso de palavras de baixo calão, mas são casos pontuais e que, geralmente, são resolvidos pela coordenação ou pela direção da escola, o que nos leva a crer que os professores, muitas vezes, preferem delegar aos gestores a resolução de problemas que eles nomeiam de indisciplina. Os professores afirmam que eles têm necessidade de se especializar, de aprender técnicas de avaliação dos alunos, de conhecer o que o professor deve fazer para modificar comportamentos e

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controlá-los disciplinarmente – enfim, precisam seguir a determinação do currículo, o que deve ser ensinado nas escolas. Eles próprios se sentem desqualificados, sentem que foram perdendo suas capacidades profissionais. Por outro lado, aprender a controlar disciplinarmente os alunos revela uma concepção de educação castradora, muito longe do que se espera de um educador.

Quanto à capacitação docente, 85% dos professores frequentam os cursos oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação de Itatiba, porém há obrigatoriedade da presença nesses cursos, e é clara a insatisfação por parte de alguns dos docentes em participar deles. Durante a pesquisa, professores diziam aos colegas “não vou ao curso, prefiro ficar na

escola dando aulas que ir até lá e ouvir a mesma coisa de sempre”. Alegaram que “é sempre a mesma coisa, os professores falam sempre a mesma coisa. Parecem que eles (os professores dos cursos) não têm noção de como é uma sala de aula de Ensino Fundamental. Além disso, por que que tem que ser sempre com os professores da USF – Universidade São Francisco?”.

A Universidade em questão é a da cidade. Os professores também reclamaram da monopolização dos cursos pela universidade particular da cidade, sem dar espaço para que outros profissionais de outras universidades ministrem cursos para eles.

Frequentam cursos que a Secretaria Municipal de Educação de Itatiba propõe; mesmo assim, pelo que percebemos em conversas informais durante a pesquisa, a contragosto, uma vez que os cursos e as palestras oferecidos, segundo eles, fogem à realidade docente vivenciada pela maioria dos professores: muitas horas de trabalho, classes lotadas, indisciplina, má remuneração, falta de políticas públicas para a melhoria efetiva da educação. Segundo os docentes, os cursos não atingem as expectativas esperadas por eles, pois não apresentam nenhuma “saída” para o problema que assola o ensino público. Os cursos não dão solução aos problemas encontrados pelo professor no cotidiano do seu trabalho. O problema está em outro lugar. Está na carência de políticas públicas voltadas para a educação

Por outro lado, essa resistência dos professores, essa atitude, pode ser interpretada como um fechamento, por parte deles, a novas possibilidades, pois entendemos, com Cunha et al. (2007), que a formação continuada é uma renovação no contínuo da construção da

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identidade do professor. Há preocupação da atual administração municipal em manter os professores capacitados e, para isso, investem na melhoria da educação, em cursos para capacitação docente, em construção e reformas de escolas. A administração municipal remunera os professores que frequentam cursos em horário contrário ao de trabalho, para que não se coloquem substitutos em sala de aula, enquanto os professores são capacitados. Mas, por serem em horário diferente do horário de trabalho do professor, esses cursos não são obrigatórios. Também existem as capacitações em horário de aula do professor, estas, sim, obrigatórias. São geralmente os professores com mais de dez anos de exercício profissional que mais criticam os cursos. Possivelmente, essas resistências repousem em exigências extraclasse e da escola, que os professores estão cansados de ouvir e sentir. Por outro lado, o desânimo é causado pela desesperança em relação à melhoria das condições de trabalho e à valorização do magistério – valorização por outros meios, não apenas para de capacitá-los, mas pelo oferecimento de outras possibilidades de promover o trabalho docente e dar a ele novo status.

Algumas vezes pudemos presenciar que professores foram convocados a participar das capacitações e alguns terminantemente se negaram a ir. Assumir o ato de ensinar pressupõe um compromisso, e a identidade profissional do professor está sustentada no compromisso profissional (CUNHA et al., 2007); e, por sua vez, assumir sua identidade de professor é estar ligado ao compromisso de qualificação profissional, mesmo que, em alguns momentos, a inovação educativa não aconteça, por não se adequar às realidades educacionais. O que não podemos, enquanto professores, é assumir uma postura rígida de saberes e verdades absolutas e não nos dar novas chances de aprender e repensar nossas práticas pedagógicas.

Os professores não se sentem motivados a participar de congressos, pois, para que isso seja possível, necessitam faltar às aulas, uma vez que, até onde se sabe, não existem políticas de afastamento dos dias trabalhados para que os professores participem desses encontros. Ocorre, portanto, um desestímulo à participação e também à realização de pesquisas e publicações por parte dos docentes, as quais, se fossem feitas, poderiam resultar em auxílio à melhoria de ensino na cidade.

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Esses dados nos levaram a refletir sobre algumas palavras que, segundo Domingo (2003), são as chamadas “palavras com aura”, que evocam ideias e às vezes são slogans pedagógicos: autonomia e qualidade em educação. Para ele, a autonomia não significa isolamento, e não é possível que ela exista sem apoio, sem relacionamento, sem intercâmbio, mesmo que o trabalho tenha sido realizado na solidão. Ainda na esteira do autor, a qualidade em educação tem um sentido de slogan, de “palavra com aura”, mais ainda evidente, pois, para ele, todo programa, toda política, toda investigação e reivindicação educativa, são feitos em nome da qualidade. A simples expressão “qualidade em educação”, deixando sua diversidade de conteúdos e significados para diferentes ideologias, é uma forma de pressionar para que se tenha um consenso. É, na verdade, um recurso que tem o poder de legitimar um ponto de vista sem discutir.

É o que Domingo (2003) nomeia como um processo de proletarização da classe docente, um processo implacável e perfeito, em que a necessidade contraditória do Estado de legitimar seu papel e suas instituições aos olhos da população

e esta relativa autonomia da escola e do papel do professor criam espaços não definidos, nem totalmente fechados, de difícil controlo técnico e burocrático, nos quais há lugar para comportamentos de resistência à imposição racionalizadora. Em segundo lugar, os professores, tal como outros trabalhadores, foram gerando modos de resistência em função dos seus interesses individuais e coletivos. (DOMINGO, 2003, p. 21).

A classe docente possui um nível de autonomia no seu trabalho, e o ensino, enquanto vinculado à ideologia e a concepções culturais sobre o mundo e sobre a vida, acaba por converter-se em um lugar privilegiado à crítica das imposições ideológicas.

Por outro lado, Domingo (2003) destaca que o profissionalismo é uma forma de pensar na autonomia dos docentes, mas pode ser uma estratégia para o controle destes, uma vez que os professores podem ficar envoltos em uma aparente sofisticação técnica e qualificação profissional, e uma recuperação de competências pode converter-se em um modo sutil de controle ideológico.

O Estado trabalha para a melhoria da educação, mas sua presença não é notada claramente. Ela é sentida vagamente na escola por meio das avaliações que ocorrem, como

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Saresp, Prova Brasil, Pisa. As relações que os indivíduos têm com o Estado são distantes e, muitas vezes, nem sentidas. Mesmo assim, existe uma relação com esse lugar, um jogo de identidades que somem por entre números de aprovações. Uma relação que se distancia pelos próprios meios que o homem encontra de correr contra o tempo.

Possivelmente, a concepção de educação que esses professores possuem esteja pautada em um ensino informativo, atrelada a uma desesperança em relação ao ensino, à escola pública. Assim, é provável que as políticas públicas de educação em geral e aquelas de formação de professores em particular, possam promover competências que não são necessariamente coincidentes com a identidade que constroem os professores.

Segundo Galaz (2011), pesquisador da Faculdade de Filosofia e Humanidades do Chile, a identidade profissional é um processo de construção complexo e dinâmico e pode ser entendida como uma síntese de um processo de identificação. Este autor afirma que um professor pode ter tantas identidades ou formas de definir-se como são os seus hábitos de socialização.

Assim, é possível pôr em dúvida a efetividade de programas para promover as competências necessárias para a melhoria da qualidade de ensino e da educação e considerar a identidade como uma definição a partir da qual o professor projeta seu desenvolvimento como profissional. Galaz (2011) propõe que se projetem capacitações para os professores em serviço, considerando as necessidades, os conteúdos e os estágios biográficos que os professores atravessam. Assim, entendemos que há a necessidade de considerar em que estágio da vida profissional o professor está: se no início da docência, se já possui experiência ou se está próximo da aposentadoria.