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CAPÍTULO 3- PROFESSORES DE HISTÓRIA: PRÁTICAS E PERFIS

3.1. Escolas, professores e aulas

Muito embora os historiadores tendam a rejeitar a comparação, alegando estarem interessados no específico, é apenas graças a ela que “conseguimos ver o que não está lá” (BURKE, 2002, p. 40). E assim, na esteira de Bloch (1997), consideramos que, em face da imensa e confusa realidade, o historiador é levado a nela recortar o ponto particular de suas ferramentas e a fazer uma escolha que é própria do seu ofício.

Uma vez que, para Bloch (1997, p. 65), “não existe conhecimento verdadeiro sem uma certa escala de comparação”, enfatizamos que o objetivo deste trabalho não é comparar as práticas dos docentes de História de ambas as escolas, buscando avaliá-las como boas ou ruins, mas entender a intertextualidade da cultura contemporânea nas práticas pedagógicas dos professores de História nos anos finais do Ensino Fundamental e refletir se isso pode ou não ser um elemento facilitador na prática docente.

Constatações importantes durante as observações nas aulas de História foram o envolvimento do corpo docente e dos gestores no trabalho multidisciplinar entre escola e comunidade e a preocupação constante destes em proporcionar um ensino de qualidade a todos os alunos.

Sendo ambas as escolas municipais, com quadros de professores com perfis socioeconômico e cultural semelhantes, chamou-nos a atenção a diferença existente entre uma escola e outra, no que diz respeito ao desempenho dos alunos. Lembrando que enquanto a escola “A” sustenta há anos o título de uma das melhores da cidade, com desempenho superior à média das demais escolas do município nas provas do Saresp e destaque na participação em eventos educacionais, a equipe da escola “B” trabalha diuturnamente para que seus alunos apresentem melhor desempenho na aprendizagem, na leitura, na escrita e interpretação de textos diversos, pois a maioria expressa um quadro de insuficiência no que diz respeito a esses itens citados.

Vale ressaltar, inicialmente, que o estudo aqui empreendido e as escolhas de apresentar a descrição de algumas aulas se fundamentaram em nossa experiência profissional como professora de Educação Básica, tanto no Ensino Fundamental e Médio, como em cursos de licenciatura. Além disso, ao descrevermos as observações das aulas,

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entendemos que, dessa forma, nossas análises poderão ser mais adequadas e poderemos estudar de maneira mais aprofundada o universo todo da pesquisa.

Cabe-nos ainda salientar que, ao descrevermos e analisarmos as aulas, bem como os envolvidos com o objeto de pesquisa, projetamos representações e tentamos entendê-las a partir dos nossos lugares. Refletimos sobre a intertextualidade da cultura contemporânea nas aulas de História e sobre os movimentos nas dinâmicas que envolvem as práticas pedagógicas dos professores. A estratégia para iniciar as observações e as análises das aulas foi a formulação da tríplice questão proposta por Jacotot “O que vês? O que pensas? O que fazes com isso?” (RANCIÈRE, 2005, p.44).

Para análise das observações, nos baseamos em estudos relacionados aos discursos sobre formação de professores (ECKART-HOFF (2008); FONSECA (2009, 2011a, 2011b); MIRANDA (2008); NÓVOA, (1999); TARDIF (2002); ZAMBONI (1983, 1998, 2007), entre outros. Esses pesquisadores comprovam que, nos últimos anos, o professor tem procurado controlar o incontrolável, ou seja, controlar a aprendizagem de seus alunos, legitimado em sua formação, muitas vezes, pautada na função de transmissor de conhecimentos adquiridos tanto ao longo de sua formação acadêmica, quanto ao longo de sua experiência como docente. Segundo Eckart-Hoff52 (2008), os estudos revelam que as instâncias formadoras dos professores legitimam um saber com uma concepção centrada na propagação e na transmissão de conhecimentos. Segundo a autora, as instâncias formadoras são entendidas como o “lugar de progresso”, e essa compreensão não só gerou uma visão da escola como salvadora ou como reprodutora da sociedade, mas contribuiu para a construção de diferentes imagens acerca do professor, que foram se alojando no imaginário social como professor-salvador, como professor sabe-tudo. Assim, o fazer do professor foi pensado por outros, e ele acabou sendo um aplicador de métodos. Em suas pesquisas, Fonseca e Zamboni (2008, p.8) nos alertam sobre a formação docente como um processo contínuo, permanente, que está além de sua formação universitária. Também nos lembram que vivemos nos últimos anos, no Brasil, uma ampliação de reconhecimento de múltiplos

52 Doutora em Linguística Aplicada e pesquisadora nas áreas de análise do discurso e de formação de

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lugares, de modos de aprender e ensinar, de “novas metodologias de formar-se e tornar-se professor de história”.

Nesse contexto, não podemos nos esquecer de que os professores, assim como os alunos, vivem em mundo onde a “indústria cultural age como mediador cultural dos saberes” (MIRANDA, 2008, p. 273) e que as mídias e as tecnologias têm-se descortinado como cenário de formação de professores, dando um novo formato a essa nova ordem.

Nesse sentido, entendemos que, no mundo contemporâneo, há grandes desafios no que diz respeito à educação. Sabemos que o discurso linear, em que uma pessoa fala e a outra ouve, que outrora foi determinante para a nossa formação, hoje não é capaz de dar conta da multiplicidade que engendra nossas relações, tanto na maneira de estar no mundo, como nas formas de produzir coisas nele. É o caso da juventude de hoje. O jovem, no mundo, hoje, capta diversas relações e tece teias e emaranhados de comunicação, e a formação docente precisa se reorganizar para isso. Não se trata de reinventar a roda e descartar tudo o que foi construído até aqui. Viviane Mosé53, no programa “Café Filosófico”, exibido pela TV Cultura em 2012, fez observações sobre a mudança de relações entre escola-aluno-professor e afirmou que, nesse sentido, trata-se de produzir, na escola, essa linearidade da formação para a multiplicidade. Para ela, trata-se de uma nova estruturação, pois uma pessoa – e isso, leia-se, nossos alunos de hoje – que se comunica desde sempre na multiplicidade percebe o mundo de outra forma, construindo um novo conceito de tempo, de espaço, de estruturação.

Isso porque todo saber é provisório (MORIN, 2006), e esse princípio da instabilidade nos leva a retomar a reflexão dos saberes do mundo e sobre ele, na construção de um espaço democrático, aberto ao debate, em um convívio ético. E a escola é esse lugar.