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CAPÍTULO 2 ANÁLISE DOS DADOS RELATIVOS AOS ASPECTOS

2.1 Análise dos resultados da categoria profissional

Apresentaremos aqui algumas considerações a partir dos dados levantados sobre os aspectos pessoais, econômicos e socioculturais dos professores. O teste estatístico revelou que a maioria está mais próxima da aposentadoria do que da inserção no magistério, mas não temos certeza dessa afirmação, pois não pesquisamos se os entrevistados exerciam atividades profissionais anteriores ao magistério. Conversando com alguns docentes, eles revelaram o desejo de se aposentar brevemente, acompanhado pela intenção de se dedicar a outra área totalmente diferente do magistério. Alguns professores disseram, em tom amargo, que o desejo era o de nunca mais passar próximo a uma escola e que estão em contagem regressiva para chegar à aposentadoria.

Para alguns pesquisadores, os sintomas de exaustão emocional, despersonalização e falta de envolvimento pessoal com o trabalho carcaterizam uma “síndrome” que afeta profissionais que se dedicam aos cuidados de outros seres humanos – profissionais da educação e saúde, entre outros. A chamada Síndrome de Bournout, pesquisada desde a década de 70, pode significar [...] a perda do fogo, da energia ou a queima completa: o professor perde o sentido de sua relação com o trabalho. (CUNHA38 et al., 2007, p. 157, grifo da autora).

Dessa perspectiva e diante de afirmações desses docentes, como o não reconhecimento do seu trabalho por pais, alunos, colegas, diretores; baixos salários; falta de investimento em educação pelas políticas públicas, um ponto chamou-nos a atenção: apesar de haver um desejo de mudar radicalmente de atividade profissional após a aposentadoria, existe uma relação estreita entre o gosto pelo que faz e o prazer. Nos olhares tristonhos, percebíamos, nas entrelinhas das falas docentes, que, apesar da falta de reconhecimento de sua profissão, de todas as angústias reveladas e sentidas, os professores apenas continuam

38 Renata Cristina Oliveira Barrichelo Cunha é doutora em Educação pela UNICAMP e pesquisadora nas

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no magistério porque gostam realmente do que fazem. Alguns veem sua atividade docente como vocação, e não como profissão.

[...] resgatando o sentido etimológico da palavra vocação, um termo de categoria judaico-cristã no qual predomina a ideia da transcendência no processo fala/audição. Por essa razão, muitos chegam a comparar a atuação do educador ao exercício de um “sacerdócio”. A vocação seria uma providência quase divina para que os iluminados professores “transmitam” seus sagrados conhecimentos aos educandos. Já na concepção grega, lembrava o professor Severino, a vocação provém do sentido da imanência, ou seja, é algo suposto e natural, uma condição nata, uma tendência nos indivíduos (POLLI, 2007, p. 87, grifo do autor).

O estudo desse autor39 aponta que a representação da profissão docente é dominada por uma vertente altruísta, de onde se justifica a opção por abraçar essa escolha.

Quando tem vocação, do latim vocatio-onis, que é o ato de chamar, a pessoa já nasce predestinada a exercer determinada função. Por vocação, as pessoas podem agir como se estivessem fadadas a ser aqueles mesmos profissionais por toda a vida, aceitando todas as vicissitudes da profissão, sem questioná-las.

Já o profissional que escolheu seu caminho realmente por opção, deixando de lado questões ligadas a um sacerdócio, trará, em sua vida profissional, a necessidade de sempre estudar e se atualizar, em uma permanente construção e avaliação de sua prática docente, construindo sua identidade profissional alicerçada no compromisso com a profissão. A escolha profissional está atrelada à necessidade de constante aperfeiçoamento e de (re)pensar a prática docente a cada dia. Se o profissional atuar como professor, certamente cumprirá com suas funções docentes, mas, se a função de professor der lugar a outras funções, como conselheiro, cuidador, psicólogo, certamente cederá espaço para que os objetivos de suas atividades docentes não sejam alcançados. Ao pensar em sua profissão apenas como vocação, o professor deixa de exercer seu real papel de educador.

Também durante a pesquisa, observamos que os professores mais jovens têm maior proximidade com os alunos, um envolvimento maior com as turmas, maior motivação e esforço para que essa aproximação aconteça.

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Ainda notamos que esses professores, com o passar do tempo, acabam se distanciando da cultura jovem, e os jovens acham que os professores são muito velhos para eles, havendo choques culturais e de gerações. Nas escolas onde se realizou esta pesquisa, isso aparece de forma muito clara, e percebe-se a dificuldade dos professores em situar a sua atividade docente em meio à cultura jovem. Existe uma distância, às vezes, de aparência intransponível, entre professores e alunos, pois esses jovens fazem as escolhas de quem eles querem que participe do seu mundo cultural, e, com certeza, o professor não é um deles. Observou-se uma homogeneização da cultura entre os jovens destas escolas. Há um discurso constante, entre os professores participantes da pesquisa, de que os alunos, desinteressados, se distanciam cada vez mais das aulas, não conseguem se concentrar, formular questões. Será que essa efemeridade e as relações superficiais impostas pela mídia, uma forma de vida fast food, não estaria aí refletida? Creio que esta pergunta não seja muito difícil de ser respondida. Mas e a escola, o que ela tem feito nesse sentido? Sabemos que ela organiza tentativas para envolver o jovem, mas o que é melhor? Os guetos, onde cada um fala de si, ou os grandes espaços abertos, onde cada um fala do seu saber e do seu interesse? Os jovens são ouvidos nesses espaços? Enquanto cada um persegue sua felicidade, o resultado não é uma sociedade nem uma escola mais justa. Não presenciamos, nas aulas observadas, espaços para o jovem falar, apesar de se pregar o exercício da cidadania como um dos objetivos a serem perseguidos pelos professores durante o ano letivo. Para Pagès (2012), a finalidade principal da História e de sua contribuição de preparação dos alunos é que se convertam em cidadãos ativos de uma sociedade democrática e, como consequência, a principal competência a que deverá aspirar o ensino de História é a competência cidadã.

O que se apresenta, nas aulas de História observadas, está muito distante da realidade dos jovens, e, talvez por isso, não haja discussão, entre os próprios docentes, sobre o que se deseja em termos de saber e de ter ou de como trabalhar, de fato, com esse quadro que se apresenta. Tal quadro será discutido mais adiante. Como dissemos, não há espaço para o exercício da cidadania, um jargão na educação nas escolas participantes da pesquisa, pois, se sonhamos e desejamos coisas que estão no mercado, então a cidadania se realiza também no mercado, e as pessoas que não têm como realizar essas transações são

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excluídas dele. O sujeito de hoje, que tem dinheiro para adquirir bens que estão no mercado e intervir nele — pois seu poder de compra é o que determina a oferta — é um sujeito levado pelo efêmero das coisas, pela velocidade estonteante dos meios de comunicação e pela tecnologia. Os objetos que adquire, produzidos pelo mercado, tornam-se sem valor, a partir do momento que o indivíduo os tem. Satisfeito o desejo, busca-se outro para saciar. Mesmo porque, cada vez mais, a oferta, no mercado, de novas possibilidades de ver o mundo através das tecnologias, é cada vez mais ampla; e isso talvez contribua para buscas incessantes de maneiras diferentes de estar no mundo, seja virtualmente ou presencialmente. E esses objetos e desejos podem ser também a cultura. Podem ser o poder, a escola. Podem ser o mercado e também o espaço e a condição.

Por isso, bem nos lembra Sarlo40 (2000), os objetos que ocupam o centro e o topo da hierarquia são os mais belos. São valiosos na construção da identidade e centrais no seu discurso fantasioso e parecem ser inacessíveis. Para a autora, o poder dos objetos está na liberdade dos que os consomem. E, assim, o mercado converte-os em consumidores permanentes. A modernidade é pedagógica, pois o gosto de todos pode ser educado, e o mercado contribui para isso. Mas e o papel dos professores quanto a isso? Onde ele se situa? O que há na cultura escolar que esse descompasso não seja tocado, trabalhado? Há um discurso, entre os professores pesquisados, sobre o consumismo desenfreado entre os jovens sobre a necessidade de possuírem coisas e, assim, serem aceitos por um determinado grupo; e sobre como todas essas ofertas do mundo são bem mais envolventes que as ofertas produzidas pela escola. São duas coisas bem diferentes o que se coloca aqui, o mercado de consumo e a escola, mas são preocupações docentes que permeiam as atividades escolares e a prática pedagógica dos professores. Como os professores deveriam trabalhar esses jovens? Até que ponto a presença dessa cultura legitima ações na escola?

Um fato interessante, ocorrido durante a pesquisa, são as falas de um professor mais velho aos jovens docentes na sala dos professores: “Deixa você chegar na minha idade

para ver se você ainda estará com o mesmo entusiasmo nessa profissão... cai fora (sic) enquanto você é jovem”.

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Essa fala de um professor próximo da aposentadoria revela suas reflexões acerca de sua carreira atualmente, marcadas pelo desânimo devido ao desrespeito dos alunos pelos docentes, pelo elevado número de alunos por turma, por problemas de indisciplina e de aprendizagem, pela falta de comprometimento dos pais e dos alunos.

Dependendo de como o professor constrói sua carreira, ele poderá oscilar entre entusiasmo e decepções, com uma série de questionamentos sobre a rotina da sala de aula, suas experiências boas ou ruins, o cansaço. Mas o que mais ouvimos entre os professores próximos da aposentadoria são as frustrações principalmente com a falta de reconhecimento, pelo governo, do exercício docente e a afirmação de que não vale a pena se dedicar tanto à profissão. Essa falta de reconhecimento do trabalho dos professores é demonstrada de diversas formas: baixos salários; desvalorização social do “ser professor”; enfraquecimento da categoria; falta de apoio dos pais nos estudos dos filhos, delegando ao professor responsabilidades que são dos pais muitas vezes; aprovação automática dos alunos. Alguns professores revelaram que o fato de poder reprovar um aluno modifica a postura deste em relação ao professor. Os professores acreditam que, se o aluno sabe que tem chance de ser reprovado, assiste às aulas com mais interesse, realizando as atividades propostas. A avaliação e a reprovação ainda são vistas por alguns docentes como instrumentos de coação, infelizmente. Mas o fato de poder reprovar um aluno, para alguns dos professores, é sinônimo de poder e é visto como valorização da sua profissão. Alguns ainda demonstram saturação, impaciência, com queixas frequentes sobre alunos, sobre as políticas públicas para a Educação, no que não deixam de ter razão, muitas das vezes.

Além disso, a narrativa de história de vida de um professor permitiu identificar um ressentimento com a política dos governos federal, estadual e municipal, que infelizmente não têm valorizado a categoria, não oferecem condições materiais e financeiras adequadas para uma carreira mais digna. O fato ocorrido com esse professor foi que ele era efetivo em dois cargos públicos, estadual e municipal. Com a municipalização do ensino na cidade de Itatiba, por incompatibilidade de horários, pois não havia escolas no município para que ele pudesse manter um cargo de manhã e o outro à tarde, ele precisou, obrigatoriamente, desistir de um deles. Isso ele relata com ressentimento e indignação. Conta que, na época, tudo fez para poder manter seus dois cargos, mas foi impossível. Escolheu o cargo que era

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mais bem remunerado, o municipal. Dado a esse fato e a outros semelhantes que poderiam ocorrer, a Secretaria Municipal de Educação fez os ajustes legais necessários, na época, para que situações como essa fossem resolvidas. Com o passar dos anos, os professores do município passaram a ganhar o mesmo que os do Estado, ou seja, ocorreu uma equiparação salarial. Há quinze anos, os professores da Rede Municipal de Itatiba ganhavam quase o dobro dos vencimentos de um professor da Rede Estadual paulista.

Quanto às horas trabalhadas, a média de hora em ambos os grupos foi de 30 a 40 horas; o número máximo foi de 50 horas semanais e o mínimo, de 4 horas.

Foi levantado que 85% dos professores participantes não complementam sua renda mensal com outra atividade. Entendemos que o exercício de outras atividades extras é um indicativo de uma necessidade de complemento de renda familiar.

Considerando que a identidade do professor, na época contemporânea, é diferente da de outra, mesmo recente, de cerca de 30 anos atrás, muitas vezes, dar aula torna-se uma atividade profissional complementar a outra profissão. O professor hoje necessita auxiliar nas despesas da casa com um salário baixo. Para isso, recorre a outras formas de garantir seu sustento. Questionado sobre isso, um dos professores revelou que “dar aula torna-se

um bico, porque ganha menos. Onde paga menos é o bico”.