• Nenhum resultado encontrado

ANÁLISE INSTITUCIONAL

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 152-159)

A métrica institucional de análise desenvolvida será utilizada nas três polí-ticas públicas brasileiras escolhidas pelo critério do lastro constitucional.

A reforma da Previdência Social e a LOAS têm como referência a Emenda Constitucional (EC) nº 103/2019 sancionada pelo Congresso Nacional, e será objeto dessa primeira parte da análise empírica. A parte seguinte será cons-tituída pela análise da Reforma Trabalhista tendo como referência a recém--aprovada Lei nº 13.467/2017 e, subsidiariamente a Lei nº 13.429/2017 e a Lei nº 13.446/2017. A natureza infraconstitucional dessa reforma não dimi-nui a importância de sua abrangência e impacto sobre a regulamentação da legislação trabalhista. Constitui, sem dúvida, a maior alteração da CLT desde sua edição pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, no governo Getúlio Vargas.

Convém elucidar a natureza distinta das políticas previdenciária e assis-tencial, as quais, ao lado das políticas de saúde, o Sistema Único de Saúde (SUS), e de educação, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), constituem o cerne das políticas do Estado social brasileiro emanadas da Cons-tituição Federal do Brasil de 1988. A Previdência Social e a LOAS compõem, junto com o SUS, as instituições da seguridade social do Brasil, possuindo naturezas e fontes orçamentárias bem distintas, uma vez que os benefícios previdenciários são também distintos, contributivos e não contributivos, respectivamente.

154

A previdência social no Brasil

As principais normas constitucionais acerca da previdência social no Brasil esta-belecem sua organização sob a forma de regime geral de repartição de benefício definido (RBD), de caráter contributivo e de filiação obrigatória, o Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, atenderá a cobertura de inatividade por idade avançada (aposentadoria por idade), tempo de contribuição (aposentadoria por tempo), morte (pensão por morte a dependentes do segurado), invalidez (aposentadoria por invalidez) e doença (auxílio-doença por tempo determinado), além de pro-teção à maternidade, especialmente à gestante (salário-maternidade), propro-teção aos trabalhadores segurados em situação de desemprego involuntário (seguro--desemprego) e de baixa renda (abono salarial,1 salário-família e auxílio-reclu-são para os dependentes). O regime previdenciário para os servidores públicos (federais e das unidades da federação) é separado, denominado Regime Pró-prio de Previdência Social (RPPS), sendo compulsório para o servidor público do ente federativo que o tenha instituído, exceto os militares da União (consti-tuídos pelo contingente de servidores militares das Forças Armadas), que não possuem regime previdenciário. Excluem-se desse grupo os empregados das empresas públicas, os agentes políticos, servidores temporários e detentores de cargos de confiança, todos filiados obrigatórios ao RGPS.

As despesas dos regimes previdenciários (RGPS e RPPS) são financiadas essencialmente pelas chamadas rendas de substituição, instituídas pelas alíquotas (ou cotas) de contribuição (progressiva para o RGPS) que incidem sobre os salários dos trabalhadores segurados ativos e sobre a folha de salá-rios das empresas (contribuição patronal). A contribuição previdenciária incide também sobre o salário-maternidade. No caso dos servidores públicos federais, a alíquota única de contribuição (não progressiva)2 incide adicional-mente sobre as aposentadorias e pensões, com a mesma alíquota aplicada ao servidor ativo do respectivo ente federativo. No entanto, a contribuição dos

1 O abono salarial é um benefício estabelecido na legislação trabalhista e na Constituição Federal no âmbito das despesas da seguridade social. Ele prevê o pagamento de um sa-lário por ano aos trabalhadores que recebem até dois sasa-lários mínimos por mês.

2 Atualmente em 11% sobre a base de cálculo de remuneração do servidor.

155

limite máximo estabelecido para os benefícios do RGPS. A contribuição do ente federativo não poderá ser inferior ao valor da contribuição do servidor ativo nem superior ao dobro desta, observado o cálculo atuarial anual de substituição e transferência, especialmente previdência social e programas de seguro-desemprego e assistência social.3

Por sua vez, as despesas de cobertura previdenciária com contribuição por tempo reduzido (aposentadoria por invalidez) ou sem contrapartida contributiva (auxílio-doença, seguro-desemprego, abono salarial, salário--família e auxílio-reclusão e aposentadorias e pensões dos militares fede-rais)4 são financiadas pelas rendas de transferência. Nesse caso, não se trata de substituição da renda do trabalho pela renda de aposentadoria quando o trabalhador ativo se torna inativo (ou acometido por morte), trata-se de uma seguridade social sem contrapartida de receitas de qualquer fonte no âmbito do regime previdenciário. São as receitas tributárias ordinárias na forma de contribuições para a seguridade (não estritamente previdenciárias) que financiam essas despesas de proteção social, quer sejam um benefício de prestação continuada (como a aposentadoria por invalidez, semelhante ao benefício da LOAS) ou um benefício temporário (como as quatro moda-lidades sem contrapartida contributiva).

No caso brasileiro, essas despesas com rendas de transferência e eventuais déficits para cobrir as rendas de substituição (aposentadorias e pensões da previdência contributiva) são consideradas despesas da seguridade social com fontes de arrecadação definidas constitucionalmente para custeá-las (art. 195 da Constituição Federal). As fontes denominadas pela Constituição como “forma direta” de custeio da seguridade incluem não apenas as recei-tas contributivas dos empregados e empregadores, como também os tribu-tos contributivos: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e parte das receitas

3 No caso do RPPS Federal, a alíquota de contribuição atual da União é de 22%.

4 Os proventos percebidos na inatividade pelos militares federais são custeados total-mente com recursos da União, sem participação dos beneficiários. Sototal-mente as pensões devidas aos dependentes recebem as contribuições dos militares.

156

do Programa de Integração Social/Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/Pasep).5 As receitas contributivas (previdenciárias) e os tributos contributivos compõem o orçamento da seguridade social.6 Para efeito deste estudo, os tributos contributivos para a seguridade serão alter-nativamente denominados de “tributos previdenciários”.

A “forma indireta” para o custeio da seguridade são os recursos orçamen-tários da União, do Distrito Federal (DF), de estados e municípios provenien-tes de tributos ordinários não classificados como “contribuição”. Na esfera do orçamento geral da união, esses recursos compõem o orçamento fiscal, sepa-rado do orçamento da seguridade social. A emenda constitucional de 1994 desvinculou parte das receitas dos tributos contributivos7 do orçamento da seguridade, permitindo que fosse usado para custear despesas ordinárias do orçamento fiscal pelo instrumento constitucional da Desvinculação das Receitas da União (DRU). No entanto, um eventual déficit do orçamento da seguridade impõe que o orçamento fiscal devolva na prática uma parte ou a totalidade do valor desvinculado. Na eventualidade do orçamento da seguridade completo (incluído a devolução) continuar deficitário, haverá uma transferência líquida de recursos do orçamento fiscal para o orçamento da seguridade.8

O princípio constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial no sistema previdenciário brasileiro estabelece que o déficit da seguridade não pode ser estrutural, especialmente o de natureza estritamente previdenciária. Esses dois equilíbrios são condicionantes orçamentários previstos na Constitui-ção Federal (Emenda Constitucional nº 20/1998). Equilíbrio financeiro é a garantia de que as receitas previdenciárias de um exercício financeiro (um ano) serão suficientes para cobrir as despesas previdenciárias do período. Já

5 60% do PIS/Pasep.

6 Composto também pelas receitas dos “concursos de prognósticos”, constituídos por todo e qualquer sorteio de números, loterias, apostas, inclusive a realizada em reuniões hípicas, nos âmbitos federal, estadual, do Distrito Federal e municipal.

7 Inicialmente 20% e posteriormente 30%.

8 Os dados do Tesouro Nacional mostram que em 2016 o orçamento da seguridade foi deficitário em R$ 167 bilhões, mesmo após a devolução de R$ 91,7 bilhões correspon-dentes a 30% dos tributos contributivos. Ou seja, R$ 167 bilhões dos R$ 871,8 bilhões das despesas da seguridade (previdência, saúde e assistência social) foram custeadas pelo orçamento fiscal.

157

fixado pelo cálculo atuarial. É uma garantia de longo prazo do equilíbrio orçamentário previdenciário que deu coerência à natureza contributiva do sistema estabelecido na carta constitucional de 1988. Em suma, ainda que déficits eventuais da seguridade social, especialmente da previdência social, devam se constitucionalmente garantidos pelo orçamento fiscal, o princípio constitucional do equilíbrio financeiro-atuarial exige uma solução econô-mico-financeira para seu saneamento visando à sustentabilidade previden-ciária. Nesse sentido, déficits atuariais estruturais devem ser sanados por mudanças nas regras previdenciárias que permitam o reequilíbrio atuarial.

Ou seja, sob circunstâncias de déficits atuariais, como o atual, a reforma da previdência dever ser vista como uma imposição constitucional.

Ainda que os dois regimes da previdência social brasileira possuam dife-renças marcantes, protegendo muito mais os servidores públicos aposentados vis-à-vis os empregados do setor privado, criando inclusive regressividade dis-tributiva (RANGEL; SABOIA, 2013), ambos possuem a mesma natureza de um regime público contributivo de repartição de benefício definido (RBD). A con-tribuição previdenciária incidente sobre os salários dos trabalhadores ativos é utilizada diretamente para o pagamento das aposentadorias e das pensões dos trabalhadores inativos e dos cônjuges dos falecidos, respectivamente. Não existe qualquer fundo de capitalização, e eventuais superávits ou déficits atua-riais são, respectivamente, apropriados ou cobertos pelo Tesouro Nacional ou pelos tesouros dos entes subnacionais (no caso dos RPPS) segundo essa estrutura orçamentária, seguindo os princípios definidos na carta constitucional do país.9

A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS)

O arranjo institucional orçamentário descrito anteriormente custeia as des-pesas da LOAS, especialmente a mais relevante, constituída pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC). O BPC é um benefício previdenciário não contributivo previsto na Constituição Federal de 1988, constituindo-se em

9 Os fundos previdenciários remanescentes dos RPPS estaduais foram em sua quase to-talidade extintos por medidas ad hoc das legislações estaduais.

158

um dos incisos do art. 203, que trata da Assistência Social, regulamentada na forma da LOAS em 1993 (Lei nº 8.742). Assim, a Constituição estabelece

“a garantia de um salário-mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”.

(BRASIL, 2016, Inciso V, art. 203) Os aspectos mais relevantes da regulamen-tação do BPC pela LOAS são: 1. fixação da idade mínima de 65 anos para o idoso fazer jus ao benefício; 2. caracterização da deficiência como impedi-mento laboral de longo prazo; 3. a definição de insuficiência de renda fami-liar como receita mensal per capita da família inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo ; 4. o princípio da não cumulatividade do benefício, estando vedado ao beneficiário qualquer outro no âmbito da seguridade social (ou de outro regime); 5. a condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício; 6. o benefício deve ser revisto a cada dois anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem; 7. o pagamento do benefício cessa no momento em que forem superadas as condições referi-das anteriormente ou em caso de morte do beneficiário; 8. o benefício será suspenso quando a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada, inclusive na condição de microempreendedor individual. (BRASIL, 2017a)

Para efeito deste livro, ressalta-se que o BPC/LOAS é um benefício de pres-tação continuada sob o amparo da seguridade social brasileira, mas fora do RGPS. Sua natureza é de uma assistência social ao não segurado do regime previdenciário, ou seja, o trabalhador informal na condição de idoso ou defi-ciente. Como vimos, a aposentadoria por invalidez também é um benefício de prestação continuada não contributivo, com a diferença de que o traba-lhador formal segurado contribuiu até seu impedimento laboral.

Como benefício não contributivo de assistência social, o BPC não entra no equilíbrio financeiro nem no equilíbrio atuarial previdenciário do RGPS.

Trata-se de uma dívida social do estado brasileiro originada das instituições econômicas extrativas seculares do país, que acumularam desigualdade e exclusão social. Na perspectiva do desenvolvimento econômico, a eliminação desse estoque social de miseráveis será concomitante ao amadurecimento de instituições econômicas inclusivas, com o fortalecimento do Estado social e a criação do Estado fiscal.

159

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 152-159)