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O equilíbrio de longo prazo

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 43-47)

A força de deflagração do processo circular cumulativo é, pois, a mobilidade inter-regional da força de trabalho industrial, lembrando que o estoque de trabalho da agricultura LA é fixo e dividido simetricamente entre as regiões, e que no caso de duas regiões é L1A =L2A =LA 2. O mecanismo de ajustamento dinâmico propõe que a mobilidade da força de trabalho industrial é guiada pelas diferenças de taxas de salários reais inter-regionais. Formalmente,

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onde l é a participação da região 1 no emprego industrial total (LM1 LM ), é o salário médio da economia integrada [ ] e o parâme-tro da elasticidade. Assim, a taxa de migração dada pela variação da taxa de participação de região 1 no emprego industrial ( ) é regulada pela diferença salarial em relação à média. A distribuição da produção industrial entre as regiões é dada num ponto de tempo e evolui à medida que ocorram diferenças inter-regionais de salários que, por sua vez, dependem da distribuição prévia da produção industrial. A simplicidade dessa formulação facilita sobrema-neira a introdução da dinâmica no modelo FKV, ficando claro o mecanismo de transferência de força de trabalho e, por consequência, das firmas, entre as regiões, uma vez que regulado diretamente pelo hiato salarial inter-re-gional e mensurado em seus efeitos de aglomeração pela comparação dos estoques entre as regiões nas soluções de equilíbrio de longo prazo. Como os próprios autores admitem, essa solução, no entanto, é essencialmente ad hoc do sistema de equações do modelo.

As principais objeções da literatura a essa natureza ad hoc da dinâmica do modelo são: 1. o mecanismo de ajustamento assume que as firmas estão sempre em equilíbrio, que implica uma velocidade de entrada e saída das firmas infinitamente maior do que a migração (NEARY, 2001, p. 541); 2. esse ajustamento dinâmico é míope do ponto de vista dos agentes econômicos, trabalhadores e firmas, que consideram apenas os retornos correntes nas suas decisões, estando ausentes suas expectativas racionais (NEARY, 2001, p. 541); 3. uma vez admitido o comportamento míope dos agentes, era de se esperar que, surgido o hiato salarial, haveria um efeito manada de traba-lhadores e firmas para a região de maior retorno. Entretanto, tal efeito não se verifica pela ação reguladora da expressão de (8), que efetiva-mente limita a migração pelo tamanho do hiato e pelo peso relativo corrente da região beneficiada na indústria total (BALDWIN et al., 2003, p. 16); 4. seria natural essa ação reguladora se houvesse custo de ajustamentos proporcio-nais à taxa de variação migratória ( ), porém o modelo FKV não faz qual-quer suposição a esse respeito (BALDWIN et al., 2003, p. 16); 5. finalmente, essa solução ad hoc pode trazer problemas de interpretação no “equilíbrio

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de longo prazo”, cuja estabilidade lhe confere a condição de estacionaridade (steady state), definida como um estado em que nenhum agente ganharia com um desvio unilateral desse ponto. Partindo, por exemplo, de uma situação extrema de equilíbrio centro-periferia, com a indústria 100% concentrada numa região 1, porém com uma maior taxa de salário real na região 2 devido aos baixos custos de transporte, a lógica seria o desejo dos trabalhadores se transferirem para lá, em busca de maiores salários, o que viola a condição de estacionaridade do equilíbrio, ou seja, o equilíbrio se torna instável; uma vez que a regra de mobilidade dos trabalhadores não é regida por um com-portamento otimizador, não é possível explicar porque os trabalhadores não desejariam mudar para a região 2; essa inconsistência é o custo da solução ad hoc. (BALDWIN et al., 2003, p. 25)

Sem dúvida eis aí uma importante fragilidade do modelo FKV na cida-dela dominante do pensamento econômico, cujos cânones devem ser segui-dos mesmo que às custas de eventuais ganhos analíticos decorrentes de uma dinâmica engenhosamente articulada ao processo de cumulatividade e dependência de trajetória. Aliás, a ousadia de Krugman de se inspirar em sua obra nas “odes” heterodoxas é uma fonte de irritação dos críticos ortodo-xos da NGE. Como era de se esperar, tais objeções têm sido motivo de vários artigos para superar a referida fragilidade (ver, por exemplo, PUGA, 1999), enquanto o lampejo da circularidade cumulativa e retroalimentadora tem sido ignorado. É a partir dele que analisaremos a determinação do equilí-brio de longo prazo.

A incorporação da dinâmica migratória de (8) ao sistema de oito equações de uma economia de duas regiões possibilita reescrevê-lo como:

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onde os pares são, respectivamente, as variáveis das duas regiões de demanda agregada, índices de preços industriais, salários nominais e salários reais.

O que de fato muda no sistema de equações é a incorporação da partici-pação das regiões no emprego da indústria total [ ] na equação de demanda agregada da região, a partir da equação da demanda da firma (3) e na equação de índice de preços (4), pela substituição por n1e n2, pois o número de empresas e de trabalhadores são os dois equivalentes do tamanho da indústria regional. Eventuais alterações do peso das regiões na indústria desencadeiam um efeito sistêmico sobre as variáveis-chave do modelo atra-vés dos efeitos índice de preços e mercado doméstico, numa forma circular cumulativa, pois a posição econômica passada de cada região explica sua posição presente, que por sua vez irá afetar a posição futura, estabelecendo uma trajetória de dependência do desenvolvimento regional. Além das variáveis chaves, o parâmetro custos de transporte joga um papel particu-larmente relevante nos resultados das trajetórias de desenvolvimento regio-nal, uma vez que ele entra de forma assimétrica no sistema de equações, ao contrário dos parâmetros de elasticidade de substituição ( ) e de participa-ção dos produtos manufaturados no dispêndio agregado da economia ( ), que entram simetricamente nas variáveis das duas regiões. Efetivamente, os custos de transporte cumprem aqui seu tradicional papel na clássica teoria da localização, isto é, representam a força de desaglomeração no sistema, já que dificultam o acesso das variedades domésticas aos mercados externos.

Enquanto os efeitos índice de preços e mercado doméstico reforçam os enca-deamentos internos da economia local, agindo como forças de aglomeração da indústria, os custos de transporte agem para dispersar, atenuando, anu-lando ou até superando as duas forças interativas de aglomeração. Os dois outros parâmetros, mesmo incidindo simetricamente nas variáveis das regiões, podem facilitar ou dificultar o processo de aglomeração; tudo vai depender

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de sua relação com o parâmetro custos de transporte, que é potencializado ou restringido por eles.

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 43-47)