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Paradoxo da inserção teórica heterodoxa no Equilíbrio Geral

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 26-29)

A NGE1 é uma vertente contemporânea do pensamento econômico domi-nante, com a peculiaridade de se inspirar em autores do outro lado da trin-cheira, isto é, pensadores críticos da teoria do equilíbrio geral genericamente conhecidos como heterodoxos. O cabo de guerra desses autores com a orto-doxia econômica é a não adequação do aparato teórico da economia do equilíbrio para o entendimento dos processos de mudança das economias capitalistas, que vão além da questão do crescimento econômico, uma vez que envolvem alterações permanentes da forma e dos parâmetros de ope-ração do sistema econômico. No horizonte do pensamento ‘marginalista’ da primeira metade do século XX, J. M. Keynes e J. Schumpeter são os autores consagrados protagonistas desses questionamentos. Alguns de seus segui-dores mais ilustres, como G. Myrdal e N. Kaldor, serão os principais inspira-dores teóricos da NGE.

A irreverência dos teóricos da NGE reside em se apropriarem das ideias caras ao pensamento heterodoxo e inseri-las no arcabouço do equilíbrio geral. A ideia-chave daqueles teóricos é que este pensamento é uma usina de ideias sobre a dinâmica econômica, porém destituídas do rigor científico proveniente do método do equilíbrio. Incorporá-las nesse arcabouço teórico rigoroso potencializam-no no tema em que é mais carente, a dinâmica eco-nômica. Afinal, essa é a essência do sistema econômico que se quer analisar e que as condições da economia em equilíbrio são incapazes de explicar.

Antes de buscar uma crítica “de fora para dentro” da teoria da NGE, o objetivo aqui é descrever criticamente a teoria “de dentro para fora”. Em par-ticular, temos a curiosidade de entender sua lógica interna. Para isso, locali-zamos sua inserção na teoria econômica; em seguida, buscamos as origens dos elementos constituintes de sua estrutura de modelagem e entendemos como funciona internamente essa estrutura; e, finalmente, apontamos alguns aspectos atinentes à estabilidade da dinâmica centro-periferia sob condi-ções do equilíbrio de longo prazo. Esse é o objeto do interesse específico desta pesquisa, que busca entender a natureza intrínseca da desigualdade

1 Esta parte do estudo se baseia na tese de professor titular de um dos autores. (LEMOS, 2008)

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da distribuição de renda entre os países como parte da dinâmica do sistema econômico capitalista que tende a reproduzir a desigualdade na geografia econômica, uma vez que os retornos crescentes de escala no espaço favore-cem a concentração geográfica da produção e da renda.

A “geografia econômica” da NGE é restrita conceitualmente e ao mesmo tempo ampla em termos de sua influência no pensamento econômico con-temporâneo. Surgiu dos trabalhos de Paul Krugman no início dos anos 1990 e se desenvolveu daí para frente até os dias atuais. Ganhou mais notoriedade fora da economia depois de seu fundador ser laureado Prêmio Nobel de Eco-nomia em 2008. É uma ótica restrita da geografia econômica, uma vez que é uma investigação sobre a localização da produção no espaço, ou seja, pre-tende ser uma área da economia que estuda “onde as coisas acontecem em relação a outras coisas”. (KRUGMAN, 1991a, p. 1, tradução nossa) Ainda que restrita pela ótica da geografia econômica, como é reconhecido pelo próprio Krugman, que também admite uma certa “invasão de espaço” da geografia, a influência da NGE na agenda de pesquisa econômica teórica e aplicada tem sido ampla e disseminada, de tal forma que não pode ser desconsiderada pelos economistas interessados em estudar a relação entre economia e espaço.

A NGE filia-se ao campo da teoria econômica dominante, a neoclássica, que sempre teve grande dificuldade em lidar com a questão espacial. No entanto, o fascínio da NGE é buscar fontes teóricas heterodoxas para expli-car a dinâmica econômica no espaço. Isso resultou na superação de diversas hipóteses simplificadoras dos manuais de teoria neoclássica. O seu maior desafio é trazer as teorias heterodoxas para dentro dos cânones da modelagem formal de equilíbrio geral, de uma forma tratável e operacional. A principal inspiração da NGE é a teoria do desenvolvimento desigual. Portanto, seu relativo sucesso foi enquadrar algo intrinsecamente desequilibrado, o desen-volvimento desigual, na camisa de força da teoria econômica do equilíbrio.

O esforço analítico da NGE é estabelecer a interação entre retornos cres-centes de escala localizados, custos de transporte e movimento dos fatores de produção no espaço, capital e trabalho. O efeito daí decorrente é o desen-volvimento econômico desigual no espaço, de tal forma que alguns pontos do espaço, as regiões centrais, concentram mais atividades econômicas do que outros, as periféricas, e, consequentemente geram mais riqueza e poder de compra de sua população. A âncora da teoria são os retornos crescentes

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de escala localizados, de tal forma que os dois outros elementos, custos de transporte e mobilidade espacial dos fatores de produção, integrar-se-ão analiticamente à âncora ao longo da construção do edifício teórico da NGE.

Os retornos crescentes de escala se caracterizam pela existência de reque-rimentos unitários decrescentes dos fatores de produção decorrentes da ampliação da escala de produção. Representam, portanto, ganhos de pro-dutividade dos fatores proporcionais ao decréscimo dos custos unitários de produção. Marshall, no Livro IV de seus Princípios de economia, de 1890, fez uma importante distinção desses retornos de escala que perdura até hoje nas ciências econômicas: economias internas à firma e economias externas à firma. (MARSHALL, 1948, p. 266) Ambas as economias de escala são gera-das pelo princípio da divisão do trabalho enunciado por Adam Smith nos famosos três primeiros capítulos da Riqueza das nações (1776).

Existe uma interação das economias internas e externas, uma vez que os ganhos de produtividade do trabalho advindos da escala técnica de produção reduzem o custo unitário dos bens produzidos e, com isso, ampliam a escala do mercado efetivo, que por si mesmo favorece a aglomeração de pessoas e ocupações nessa localidade, originária da planta de produção.

A perspectiva smithiana de economias externas de escala como fenômeno que extravasa os limites de uma indústria isolada é retomada pela contribui-ção genuína de Allyn Young, em seu trabalho Increasing returns and economic progress. (YOUNG, 1928) O interesse específico de Young é investigar o lado

“obscuro” que relaciona progresso técnico e retornos crescentes de escala, não explícito na distinção de Marshall entre economias internas e externas à firma individual. O fenômeno dos retornos crescentes relacionados ao pro-gresso técnico que interessaram Young é o que ele denominou de economias externas de “segunda ordem” desencadeadas intersetorialmente, surgidas do tipo particular de dinâmica da acumulação induzida pelo progresso técnico.

Esse reconhecimento de Young da impotência da Teoria do Equilíbrio perante a natureza desequilibrante da máquina capitalista de crescimento serviu de referência fundamental para Nicolas Kaldor formular sua teoria de crescimento fundada, à la Young, no fenômeno macro dos retornos crescentes de escala. A análise do crescimento sob a suposição de retornos crescentes tornaria “irrelevante” a economia do equilíbrio. (KALDOR, 1972) Partindo da suposição de que a escala da economia (produto agregado) afeta a divisão do

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trabalho e, portanto, a produtividade do trabalho, Kaldor inverteu a equação neoclássica de crescimento determinado exogenamente pela dotação dos fatores de produção. Assim, ao invés da produtividade dos fatores explicar a variação do produto agregado, ela é, num primeiro momento, explicada por este; ou seja, a variação do tamanho do mercado explica a variação da produtividade (que reflete as variações da divisão do trabalho), o que endo-geniza o tamanho do mercado como uma variável endógena na equação de crescimento econômico, usando para isso a Lei de Verdoorn. (KALDOR, 1966) A natureza retroalimentadora dos retornos crescentes sobre o crescimento econômico tal como formulada por Young confere à teoria de crescimento um caráter sistêmico, uma vez que os retornos crescentes propiciados pela escala da economia ampliam a divisão do trabalho, que aumenta a produtividade e que, por sua vez, amplia a extensão do mercado (i.e., a escala econômica).

É precisamente essa dimensão macro dos retornos crescentes a fonte inspiradora de Paul Krugman na construção teórica da NGE, especialmente na forma proposta por Myrdal, ou seja, inserida endogenamente à teoria do desenvolvimento desigual. Ao contrário do que é o entendimento mais corrente, as chamadas economias externas marshallianas não são a base analítica das externalidades positivas da NGE, surgindo muito mais como um artifício de construção de Krugman do que uma formulação teórica efe-tivamente incorporada ao modelo básico.

Antecedentes da modelagem: combinação ortodoxia

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 26-29)