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Por que as nações fracassam hoje? Círculo virtuoso da prosperidade e círculo vicioso do atraso

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 134-140)

Como já deve estar claro, as instituições econômicas e políticas inclusivas não emergem espontaneamente, mas são fruto de um processo social longo e muitas vezes tortuoso, com avanços e retrocessos e desfecho indefinido, em que a solução do conflito distributivo depende da correlação de forças sociais.

Ou seja, essas instituições frequentemente são o resultado do conflito entre as elites dominantes que resistem ao crescimento econômico, quando este implica em extensão do direito de propriedade e da livre iniciativa que amea-çam seu exclusivo comercial, e à mudança política e, do outro lado, aqueles que desejam limitar o poder político e econômico dessa elite. O ponto analí-tico relevante enfatizado pelos autores (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012) é que a inflexão de instituições extrativas para instituições inclusivas acontece em

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momentos cruciais da história das nações, como foi a Revolução Gloriosa na Inglaterra na segunda metade do século XVII e a Revolução Francesa no final do século XVIII. Esses momentos de inflexão acontecem quando uma série de fatores enfraquecem o controle do poder pelas elites estabelecidas, tornam seus oponentes mais fortes e criam incentivos para a emergência de socieda-des mais pluralistas. Sob a ótica dos autores, o resultado do conflito político nunca é certo, mesmo que numa visão histórica distante possa parecer que tenha sido inevitável. A trajetória da história é sempre incerta, contingente.

Círculo virtuoso da prosperidade: instituições inclusivas

No entanto, uma vez estabelecida, a estrutura institucional inclusiva tende a criar um círculo virtuoso de desenvolvimento, num processo de retroali-mentação que possibilita o enraizamento dessas instituições, que tendem a persistir e se consolidar, abrindo espaço a um processo dinâmico de expan-são e aprimoramento. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 332)

O círculo virtuoso funciona por diversos mecanismos que estimulam a prosperidade por autopropulsão e impedem os esforços das elites resisten-tes para destruir a progressão institucional. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012) O primeiro mecanismo é dado pela lógica de funcionamento das instituições políticas pluralistas. Uma vez que o enraizamento institucional vai se apro-fundando, fica muito difícil usurpar o poder, quer seja de um ditador e mes-mo de um presidente do Poder Executivo bem-intencionado, mas invasivo sobre as prerrogativas dos outros dois poderes.18 O pluralismo democrático consagra a noção da força da lei, o princípio de que a lei é aplicada igualmente para todos, sem exceção. Esse princípio abre as portas para uma maior par-ticipação das pessoas no processo político, significando maior inclusão nos processos de tomada de decisão da sociedade, que inclui mecanismos de participação direta que ultrapassam a forma indireta da representação par-lamentar pelo voto. Nesse sentido, as pessoas não são apenas iguais perante a lei, como também perante o sistema político. Como salientam os autores,

18 Como ilustra bem o contencioso entre o presidente Franklin Roosevelt e a Suprema Corte dos Estados Unidos no processo de implantação do New Deal nos anos 1930 da Grande Depressão.

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esse foi um dos princípios que tornou difícil para o sistema político britâ-nico vigente resistir ao poderoso movimento pela universalização do voto ao longo do século XIX, abrindo o caminho para o seu franqueamento gra-dual para todos os adultos, inclusive as mulheres. Movimento semelhante ocorreu nos Estados Unidos na segunda metade do século XIX e início do século XX em relação ao direito de voto das mulheres, resultando no seu franqueamento nos anos 1920. (GRANT, 2017, p. 113-140)

O segundo mecanismo de retroalimentação é a interação entre instituições políticas inclusivas e instituições econômicas inclusivas. Isso porque estas últi-mas removem as mais notórias relações econômicas extrativas, como as diversas formas de trabalho forçado e as formas de exclusivo comercial, especialmente os monopólios, reduzindo o espaço político para eventuais usurpadores do poder em busca de privilégios econômicos. Os exemplos contrastantes são as experiências históricas da Grã-Bretanha e as dos impérios Austro-húngaro e Russo. Por um lado, o processo gradual e crescente de acumulação de avan-ços políticos na Grã-Bretanha concomitante à consolidação das instituições econômicas liberais no século XIX, fazendo com que a prosperidade econô-mica tornasse irreversíveis as conquistas políticas. Por outro lado, os regimes absolutistas desses impérios que perduraram ao longo do século XIX foram altamente repressivos aos movimentos industrializantes de introdução de tec-nologias manufatureiras, que ameaçavam a base econômica extrativa desses regimes fundada na servidão. As demandas por maior participação política no final do século foram duramente reprimidas, uma vez que a elite dominan-te tinha muito a perder com compartilhamento do poder, mesmo se apenas fosse incluída a elite econômica emergente da burguesia pró industrialização.

Finalmente, mas não menos relevante, as instituições políticas inclusivas supõem imprensa livre, impedindo o controle das informações pelo uso do poder econômico. Liberdade de imprensa, assim, não é compatível com o monopólio dos meios de comunicação nas diversas modalidades de mídia.

A informação, como um bem público da democracia, como qualquer outro bem público, exige regulação antitruste contra o abuso do poder econômico.

O círculo virtuoso, em suma, embora incerto em sua trajetória de cons-trução institucional, tende a se consolidar a partir de um ponto de inflexão dado por um acontecimento crucial, ainda que contingente, que propor-cione uma ruptura definitiva com o passado institucional extrativista e a

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progressão para a nova institucionalidade, liberando as forças dinâmicas de maior inclusão política e econômica. Quanto maiores os avanços conquis-tados, menores as chances de regressão institucional.

Círculo vicioso do atraso: instituições extrativas

Da mesma forma que os círculos virtuosos fazem com que as instituições inclusivas persistam, os círculos viciosos criam forças poderosas para a per-sistência das instituições extrativas. A história não é uma fatalidade e os cír-culos viciososnão são inquebrantáveis, porém são resistentes. (ACEMOGLU;

ROBINSON, 2012, p. 365) Isso porque criam um poderoso processo de retroa-limentação negativa, com as instituições políticas extrativas alimentando as instituições econômicas extrativas, as quais, por sua vez, realimentam a persistência das instituições políticas autoritárias.

Existem várias formas de reprodução e perpetuação das instituições extra-tivas. A primeira é a forma tradicional de que a elite que as controlam e que se beneficiam delas persiste no poder, como aconteceu no Sul dos Estados Unidos após a Guerra Civil, que eliminou a escravidão, mas não foi capaz de destruir o poder político local da elite dominante dos grandes proprie-tários de terra do algodão e do fumo. Eles foram capazes de se manter eco-nomicamente sob novas bases, garantindo seu controle político local para preservação da mão-de-obra abundante e barata no regime das plantations.

A ruptura de fato só ocorreu quando o movimento negro sob a liderança de Martin Luther King impôs ao Congresso Nacional o exercício da força da Constituição Federal sobre as constituições estaduais.

Formas extremas de círculos viciosos são dominações seculares do poder, com a elite local perpassando várias fases da história, como ocorreu em vários países da América Latina, a exemplo da Guatemala, em que a mesma elite local permaneceu no poder do país ao longo do período colonial e, depois, no pe-ríodo da independência, por mais de quatro séculos. As instituições extrativas foram moldadas para perpetuar a elite local e a reprodução de sua riqueza, se constituindo na base da continuidade de sua dominação.

Outra forma de círculo vicioso muito presente nos países da África sub-saariana é a chamada “lei de ferro da oligarquia”, em que a uma facção da oligarquia dominante de um regime sob instituições extrativas é destituída

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por outra facção para explorar a mesma estrutura extrativa e iníqua. Uma vez que as instituições políticas locais criam poucas restrições para o exer-cício de poder pela elite dominante, não existem limites para o uso e abuso do poder no controle do Estado. As instituições econômicas extrativas es-tão moldadas para gerar riqueza para quem controla o poder político, des-de a pilhagem até os exclusivos comerciais. Quando as instituições extrati-vas criam enormes desigualdades e concentração de riqueza na sociedade, muitas facções lutam para assumir o poder e controlarem as instituições.

A luta pelo poder não apenas pavimenta o caminho para o próximo regime de dominação, que pode ser ainda mais extrativo, como também alimenta um processo de guerra civil permanente, com o esfacelamento do Estado e seu poder de centralização e garantia mínima de suas funções, como, por exemplo, evitar o genocídio generalizado, soterrando qualquer esperança de superação e prosperidade. (ACEMOGLU; ROBINSON, 2012, p. 366-367)

Por que as nações fracassam hoje?

Nessa visão institucionalista do desenvolvimento, as nações continuam fra-cassando economicamente por causa de suas instituições extrativas. São elas que impedem que os países pobres rompam com o círculo vicioso do atraso e entrem numa trajetória de prosperidade sustentada pelo crescimento eco-nômico de longo prazo. A história dos povos mostra que quando essas socie-dades se encontram na armadilha do círculo vicioso do atraso, as instituições políticas extrativas criam e reproduzem as instituições econômicas extrativas, transferindo riqueza e poder para a elite dominante, num processo de retroa-limentação difícil de ser rompido. As gradações e intensidades do processo extrativo são variadas pela história social e institucional de cada país, como é bem conhecido pela experiência dos países latino-americanos, que diferem significativamente entre si, ao mesmo tempo em que estão, em sua maioria, ainda distantes da violência das instituições extrativas de parte considerável dos países africanos, muitos presenciando o colapso do Estado nacional e mergulhados em guerras civis não pela revolução das instituições e sim pela preservação da barbárie sobre as populações nativas.

A ruptura da armadilhada do círculo vicioso do atraso, em direção a ins-tituições inclusivas, é um processo social complexo, constituindo-se numa

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trajetória em que a maioria dos países fracassam ou experimentam proces-sos contraditórios de avanços e retrocesproces-sos, de forma que são necessárias cir-cunstâncias críticas para viabilizar a ruptura. Processos cumulativos graduais de construção institucional inclusiva muitas vezes emergem de conquistas políticas no seio de estruturas institucionais ainda predominantemente ex-trativas. A presença de coalisões politicamente amplas pode consolidar essas conquistas institucionais e reunir forças para a ruptura em momentos cruciais, que refletem a capacidade dos atores e, eventualmente, sorte para identificar a oportunidade no momento certo para o ponto de inflexão.

A história contemporânea brasileira ilustra bem o que os autores definem como esses momentos ou circunstâncias cruciais para a emergência de insti-tuições inclusivas. O primeiro foi o movimento social das “diretas já” no início da década de 1980 que resultou no fim da ditadura militar por meio de uma transição pacífica em direção a instituições políticas democráticas. O segundo foi o arranjo político para a reforma monetária do Plano Real que pôs fim à hiperinflação na década de 1990. Abriu-se, assim, a oportunidade para conso-lidar instituições econômicas garantidoras da estabilidade macroeconômica e da regulação microeconômica dos mercados, especialmente o aparato legal de garantias de contratos e a estrutura regulatória dos serviços de utilidade pública. Isso foi possível por uma improvável coalisão de forças em meio a uma crise institucional do primeiro Presidente da República eleito na primei-ra década de democprimei-ratização após vinte anos de regime militar. No entanto, o terceiro momento, que seria crucial de consolidação de instituições inclu-sivas emanadas da constituição cidadã de 1988, ao longo das duas primeiras décadas do século XXI ainda permanece inacabado. A fragmentação política das forças que viabilizaram os dois primeiros momentos inviabilizou a con-solidação de uma sociedade mais igualitária, abrindo a brecha para uma onda conservadora de regressão institucional em direção ao autoritarismo. Assim, a ruptura da sociedade brasileira com o passado para superar o atraso, espe-cialmente expresso na elevada desigualdade social, ainda não se realizou.19

19 Ao contrário da expectativa dos autores à guisa de suas conclusões em 2012. (ACEMO-GLU; ROBINSON, 2012, p. 455-462)

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