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Estrutura teórica e escopo analítico da Nova Geografia Econômica

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 36-43)

Dois trabalhos sustentam a estrutura teórica da NGE. O artigo “Increasing returns and economic geography” representa a montagem do modelo básico.

Foi publicado em 1991, por Paul Krugman, no prestigioso periódico do pensamento econômico dominante, o Journal of Political Economy, da Uni-versidade de Chicago. (KRUGMAN, 1991b) O livro The spatial economy, de

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Masahisa Fujita, Paul Krugman e Anthony Venables, publicado em 1999 pela MIT Press, estabelece o modelo de referência (modelo FKV), que consolida a formalização do arcabouço da teoria da localização do modelo básico e estende o escopo da economia do desenvolvimento regional para a econo-mia urbana e a econoecono-mia internacional.

O modelo básico é a versão espacial do modelo Dixit-Stiglitz de competi-ção monopolística, com múltiplas localizações e custos de transporte entre cada par de localizações. O caso especial de modelagem do custo de trans-porte tratado pela NTC se refere à tendência da indústria com retornos cres-centes, ceteris paribus, se localizar nos maiores mercados e exportar para os mercados menores. O que muda substancialmente na versão de referência da NGE é tornar quase inteiramente endógeno o tamanho dos mercados, enquanto no caso especial da NTC, os tamanhos dos mercados, função dos estoques de trabalho dos países, são dados. Na NGE, parte-se de uma situação de simetria de tamanho entre os pontos no espaço. O resultado poderá ser a manutenção da simetria ou seu rompimento, com concentração relativa ou absoluta da manufatura no mercado maior.

As suposições simplificadoras do modelo básico são semelhantes àquelas apresentadas pela NTC para uma economia aberta de retornos crescentes e custos de transporte, apenas com diferenças que possibilitam mercados endo-genamente determinados. Isso é fundamental, pois o que se quer comprovar no equilíbrio de longo prazo não é mais o padrão de comércio e as especiali-zações produtivas subjacentes a esse padrão. Na NGE o que se quer provar é a validade da hipótese do desenvolvimento desigual, testando a estabilidade da dinâmica centro-periferia. Os pressupostos diferentes que, na sua maioria, reduzem as simplificações do modelo e o torna mais realista e adequado para os objetivos analíticos da NGE, são os seguintes: 1. existem várias localidades na economia designadas como regiões, que conferem ao modelo natureza multirregional; 2. o tamanho dos mercados é determinado endogenamente;

3. o produto homogêneo é produzido nas regiões em quantidades iguais, em função do mesmo estoque fixo de força de trabalho nesse setor; 4. o preço do fator (taxa de salário) pode ser diferente entre as regiões no setor diferenciado de tal forma a induzir a mobilidade inter-regional do fator; 5. em que pesem os dois setores possuírem o trabalho como um único fator de produção, a força de trabalho do setor diferenciado é constituída pelo assalariado, e a do

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setor homogêneo, pelo agricultor, podendo a taxa de salário ser diferente da remuneração do agricultor sem haver mobilidade intersetorial de fator; 6. o espaço do produto é contínuo, o que supera as restrições da integral e oferece um número infinito de bens manufaturados potenciais.

O equilíbrio de curto prazo

A economia é composta pelo setor diferenciado com retornos internos de escala, a “indústria manufatureira” (M), e o setor homogêneo com retornos constantes, a “agricultura” (A). O primeiro procedimento formal sob a supo-sição de equilíbrio geral é o chamado equilíbrio de curto prazo, que requer a otimização dos consumidores e das firmas, como também o equilíbrio entre oferta e demanda, dada a distribuição de força de trabalho entre as regiões.

Uma vez que essa distribuição é crítica para os resultados do modelo, em particular para o surgimento do “centro” e da “periferia”, a suposição de sua constância equivale a dizer que no curto prazo a divisão espacial da econo-mia entre regiões é irrelevante. O curto prazo é, pois, o mundo do modelo Dixit-Stiglitz pela presença exclusiva do espaço das mercadorias no qual está ausente o espaço geográfico.

São inicialmente formalizados o comportamento dos consumidores (função utilidade) e o comportamento dos produtores (função de produ-ção), com funções crescentes e homotéticas em seus pressupostos. Pelo fato de a função de subutilidade do setor manufatureiro incorporar uma preferência por diversidade e existirem retornos crescentes de escala, cada firma produzirá uma variedade distinta. Dessa forma, o número de firmas, n, é também o número de variedades consumidas, e a produção qi da firma é igual à demanda por variedade mi. (NEARY, 2001, p. 538) Como afirmam Baldwin e demais autores (2003, p. 42-43), esse é um resultado ao invés de uma suposição. Os autores demonstram que se uma firma produzir um conjunto de variedades no lugar de apenas uma, a elasticidade da demanda por ela percebida ( ) é maior do que a elasticidade de substituição ( ), que resulta na cobrança de um mark-up superior à condição de lucro puro igual a zero, isto é, acima do preço ótimo em que a receita marginal [ ] é igual ao custo marginal ( ), que resulta em lucros puros acima de zero.

A condição de entrada livre possibilita a uma firma entrante produzir uma

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variedade idêntica à da firma multivariedade, dividir ao meio suas vendas e erodir seus lucros, o que forçará esta última a reduzir seus preços ao nível do preço ótimo, independentemente do número de variedades produzidas pela firma, a não ser que ela usufrua algum tipo de barreiras à entrada. Sob concorrência monopolística tal possibilidade estaria eliminada, o que resulta racional cada firma se especializar numa única variedade.

Da mesma forma que a estrutura de demanda da firma típica da indús-tria e, por derivação, de receita marginal, a estrutura de custos vai seguir a formalização de Dixit-Stiglitz e da NTC para os retornos crescentes de escala.

O estratagema é adotar uma função de produção homotética q= ~f(v)f(q), onde ~f(v) é linearmente homogênea em seus pressupostos, entendida como um índice de “insumo de fatores” e f(q) como um efeito de produtividade, monotonicamente crescente em q. A forma correspondente da função de custo médio é , em que é monotonicamente decres-cente em q. Por conveniência analítica, a maximização (q) e minimização (c) se dão de forma independente, sem interação com a escala de produção.

Pelo modelo simplificado FKV, o fator trabalho é o único insumo de produ-ção cujos custos da taxa de salários w são divididos em custos fixos ( ) e custos variáveis por unidade de produto ( ). Assim, o custo total é:

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onde q é dada pela função de demanda e é o insumo total do trabalho constante por unidade de produto (i.e., c é constante), que significa um custo marginal constante para uma dada taxa de salários.

A partir de (1) podemos escrever a expressão do índice de economias de escala pela razão entre o custo médio e o custo marginal como:

(2)

Ou seja, a razão de custos é função não apenas do preço do insumo traba-lho, a taxa de salários w, como também do volume de produção q. Assim, a condição de economias de escala é expressa por q(q)>1 e o grau de econo-mias de escala dado pela função de custo médio , em que no curto prazo é constante e é monotonicamente decrescente em q.

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A mecânica de funcionamento do modelo FKV é uma forma engenhosa de combinar o modelo Dixit-Stiglitz a-espacial com os custos de transporte além da estática comparativa da NTC. O estabelecimento de um processo de causalidade circular cumulativa está na raiz do funcionamento simultâneo do efeito índice de preço e do efeito mercado doméstico. Por conveniência de exposição, o número discreto de R regiões é reduzido para duas regiões, região 1 e região 2. A produção da firma individual de cada região resulta na seguinte função de demanda:

(3)

As funções de demanda espacial são percebidas simetricamente pelas firmas individuais das duas regiões. A demanda agregada das firmas de cada região, que inclui consumo doméstico e exportações, considera como dados os níveis do dispêndio agregado das duas regiões ( e ), os índices de preços da indústria das regiões (G1e G2) os custos de transporte (T ); este último afeta negativamente, e os dois primeiros, positivamente. Ou seja, na percepção da firma, a otimização de sua quantidade demandada depende exclusivamente do seu preço de fábrica (f.o.b.). Como observa Neary (2001, p. 540), a simplicidade da especificação “iceberg” dos custos de transporte é conveniente para compatibilizar as preferências da função de subutilidade CES baseada em funções de demanda log-linear com o acréscimo de custos de transporte log-linear, de tal forma que esses mudam o nível e não a elas-ticidade das funções percebidas de demanda.

As equações simétricas dos índices de preços das duas regiões são:

(4)

Nesse caso, os índices de preços industriais das duas regiões são decres-centes com o número de firmas nos dois mercados e cresdecres-centes com os custos de transporte. A relação inversa entre G e n decorre do “gosto por

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variedades” da função de preferências dos consumidores. A maximização da utilidade de um consumidor típico de ambas as regiões leva ao máximo de variedades dada a escala constante de produção de cada firma q, por defi-nição idêntica para ambas as regiões. Uma vez que a escala de produção de firma é constante, as economias geradas por firma também são constantes.

Assim, os ganhos agregados de escala em cada região dependem do número de firmas locais estabelecidas, e os ganhos pecuniários para os consumidores das duas regiões (G1 e G2) dependem dos ganhos agregados de escala das duas regiões, que dependem de n1+ n2.

As equações 3 e 4 constituem um subsistema que, dadas as demandas agregadas das duas regiões (Y1 e Y2) e as taxas de salários nominais (w1 e w2), determina o tamanho da indústria manufatureira em ambos os países (n1 e n2), bem como os respectivos índices de preços (G1 e G2). O ponto crítico do funcionamento desse subsistema, supondo custos de transporte positi-vos (T >1), é que os lados esquerdos das equações são mais responsivos às variáveis domésticas do que às variáveis forâneas. Isso porque os custos de transporte impõem um custo maior de acessibilidade dos manufaturados locais ao mercado da outra região. Supondo, por exemplo, o modelo lineari-zado com plena simetria das duas regiões em todas as variáveis, a demanda agregada dos consumidores locais pela produção doméstica de manufatu-rados é proporcionalmente maior do que pela produção importada restrin-gida pelos custos de transporte. O mesmo ocorre com os consumidores da outra região, cujo consumo será proporcionalmente maior de bens locais.

Seguindo FKV na versão de Neary (2001, p. 540-541), consideremos um pequeno aumento do tamanho da região 1, mantida a suposição inicial do estoque de trabalho constante na economia agregada das duas regiões. Uma vez que as regiões são simétricas, qualquer aumento da região 1 resulta em diminuição da região 2, de tal forma que ,…, onde o acento circunflexo significa uma taxa de variação proporcional e os subscritos são retirados. A diferenciação da equação de índice de preços (4) resulta em

(5)

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em que Zé um índice dos custos de transporte normalizado entre 0 e 1.

Quando os custos de transporte são zero, T =1 e Z =0. Custos de trans-porte impagáveis, e Z =1. Se os salários (w) se mantiverem fixos e, assim, p, o aumento relativo da indústria doméstica ( ) reduz o índice de preços local, uma vez que as importações incorrem em custos de transpor-tes, que afetam negativamente o G local. Assim, o “efeito índice de preços”

nos diz que quanto maior o tamanho do mercado doméstico, menor será o índice de preços local.

A diferenciação da equação de demanda da firma (3) resulta em, (6)

Se a produção da firma e o preço de cada variedade individual são fixos, um aumento na demanda agregada doméstica só poderá ser acomodado por uma queda no índice de preços industrial local. Com base em (5), essa redução requer um aumento do número de variedades. A igualdade de (5) e (6) com a eliminação de G resulta em,

(7)

Dado 0< Z <1, o “efeito mercado doméstico” nos diz que uma locali-dade com mercado doméstico maior tem um setor industrial mais do que proporcional e, portanto, exporta produtos manufaturados.

Estão estabelecidos aqui os elementos-chave do processo de causação circular cumulativa: 1. regiões com setor industrial maior tendem a ter menores índices de preços industriais por causa do “efeito índice de preço”;

2. regiões com maior demanda por manufaturados tendem a ter setores industriais desproporcionalmente maiores por causa do “efeito mercado doméstico”. Existem aqui duas fontes de externalidades positivas relacio-nadas não à escala interna da firma e sim à escala do mercado doméstico. O

“efeito índice de preços” reduz os custos de produção através da redução da taxa de salário real da localidade. E a redução dos salários reais locais reduz os preços dos manufaturados da localidade, favorecendo o crescimento da demanda agregada. Gera, assim, um efeito de encadeamento para frente. Por sua vez, o “efeito mercado doméstico” impacta favoravelmente a produção

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local de variedades, aumentando o número de variedades produzidas, que reduz o índice de preços industriais local, isto é, gera um efeito de encadea-mento para trás. Cria-se assim um processo circular cumulativo entre oferta e demanda agregada na economia local.

Esse processo cumulativo local, mesmo que originário de economias de escala internas à firma, torna-se gerador de externalidades positivas através de um processo retroalimentador entre oferta e demanda agregada na locali-dade. Ou seja, vira um fenômeno macro, com efeitos disseminados por toda a economia da região favorecida. Não é um efeito de economias externas de especialização, à la Marshall, e sim de economias externas ligadas ao meca-nismo retroalimentador da demanda agregada, à la Myrdal. A engenhosidade do modelo da NGE é exatamente a transformação dos retornos crescentes de escala de um fenômeno micro, da firma, em um fenômeno macro, da região.

No entanto, o equilíbrio de curto prazo nos mostra apenas o mecanismo de funcionamento dessa economia regional integrada. O processo descrito anteriormente não teria curso mantido fixo o estoque de força de trabalho da região favorecida, uma vez que esse estoque fixo mantém inalterada a parti-cipação das regiões na renda-dispêndio da economia integrada. O aumento da taxa de salário real nessa região induziria a um movimento migratório de trabalhadores da indústria da região de menor mercado interno. A livre mobilidade do fator trabalho manufatureiro será possível no equilíbrio de longo prazo, com o relaxamento da suposição de estoque regional de força de trabalho fixo. Uma vez que a migração e a relocalização das firmas são inteiramente amarradas no modelo, o elemento indutor da migração e relo-calização também resultará no aumento da região favorecida na renda-dis-pêndio global. (BALDWIN et al., 2003, p. 22)

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