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Revisitando a desigualdade brasileira sob a ótica da Economia Política da Desigualdade

No documento MERCADO E INSTITUIÇÕES (páginas 89-99)

A literatura sobre a desigualdade social no Brasil é de grande riqueza. Desde período colonial, passando pelo Império, a República Velha e a Segunda República, a crônica desigualdade do país tem sido objeto de romances, poemas e canções clássicas que retratam suas raízes culturais profundas na identidade nacional. Não menos relevante é a literatura historiográfica e de especialistas da desigualdade, que retrataram o passado e retratam o presente da inequidade como a herança principal da história escravocrata do país e o desafio maior a ser vencido do desenvolvimento da nação. O que se quer aqui não tem a pretensão de rever essa literatura rica e diversificada, e sim revisitar a desigualdade brasileira sob a ótica metodológica da Economia Política da Desigualdade.

A construção de séries temporais sobre a renda global no Brasil reali-zada por Morgan (2017) foi possível graças à divulgação pela primeira vez das informações ficais da Receita Federal do Brasil (RFB) em 2015, Gran-des Números DIRF Ano Calendário 2007-2015, fornecendo tabulações com 11 classes de renda, desagregadas inclusive para as altas rendas dentro do último decil da hierarquia de rendimento.35 Os dados fiscais foram combina-dos com os dacombina-dos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há anos disponíveis da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) e do Sistema de Contas Nacionais (SCN), possibilitando séries históricas consistentes de 2001 a 2015 para a renda total, renda do trabalho e renda do capital. Essas séries históricas de distribuição da renda nacional das contas

35 Os trabalhos pioneiros usando os dados fiscais divulgados pela RFB foram realizados por Medeiros, Souza e Castro (2015) e Gobetti e Orair (2016).

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nacionais (distributional national accounts – DINA) permitem o rateio da renda nacional entre os domicílios a partir da combinação dessas três bases de dados. A construção da DINA se dá em três passos. No primeiro, estimam--se as séries de distribuição da renda das pesquisas domiciliares, com os dados da PNAD. No segundo passo, constroem-se as séries fiscais de distri-buição da renda, com a combinação dos dados fiscais da RFB com os dados das pesquisas domiciliares da PNAD. Por fim, no passo três são construídas as séries de distribuição da renda nacional usando as contas nacionais, que permitem imputar aos domicílios a renda do capital perdida, isto é, a renda atribuída aos domicílios, mas não declarada para a RFB (rendimentos de investimentos de fundos de pensão privados e renda de aluguel imputada dos domicílios com casa própria), e a renda imputada aos domicílios pro-veniente de lucros não distribuídos das empresas privadas e das empresas estatais.36 (MORGAN, 2017, p. 4-14)

Os resultados para o período 2001-2015 apresentados por Morgan confir-mam a extrema desigualdade da distribuição da renda no Brasil. Este período recente mantém a estrutura social básica da desigualdade presente ao longo da história do país, que divide a população em duas partes bem delimitadas:

num extremo, uma minoria possuidora de capital-riqueza e, no outro extremo, uma grande maioria despossuída de qualquer patrimônio, que recebe pouco acima ou próximo ao nível de subsistência e abaixo dele, em geral identifica-dos como classe média baixa ou pobres e miseráveis, respectivamente. E no meio, uma população flutuante com uma maior parte possuindo um dimi-nuto patrimônio, mais próxima dos pobres e mais vulnerável pelos riscos de regressão econômica, e uma menor parte com mais patrimônio e estável economicamente, orbitando em torno da minoria mais rica.

O período retratado pelas séries temporais construídas por Morgan (2001-2015) foi paradoxalmente o momento da história do país em que mais houve

36 A renda do capital perdida, portanto, é a diferença entre a renda nacional do SCN e a fiscal (combinação da PNAD com os dados da RFB), representando em torno de 25%

da renda total. Esses 25% são constituídos a grosso modo por 8% da renda dos domicí-lios não declarada (aluguéis imputados e rendimentos de fundos de pensão), 9% de lu-cros não distribuídos das empresas privadas de nacionais imputadas aos domicílios, 6%

de lucros não distribuídos das empresas privadas não nacionais imputadas aos estran-geiros e 2% de lucros não distribuídos das empresas estatais para o governo.

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mobilidade social, quando mais de 30 milhões de brasileiros saíram da situa-ção de pobreza e ascenderam para a classe média, ainda que vulneráveis a uma regressão econômica.37 Sem dúvida, a brutal recessão de 2015-2016 soterrou as esperanças de que a mobilidade social entre todos os estratos de renda do trabalho, até então em curso, seria o primeiro passo para uma rup-tura com a estrurup-tura básica da desigualdade, que pressupunha uma drástica redução da concentração da renda e da riqueza do estrato social superior da hierarquia de rendas.

A grande contribuição de Morgan é usar a metodologia da Economia Política da Desigualdade para trazer à luz a hierarquia de rendas do conjunto da renda nacional, possível pela estimação de todas as rendas do capital.

A seguir, os principais resultados encontrados.

Primeiro, o nível de concentração da renda total da população adulta brasileira, que em 2015 constituía 142,5 milhões de pessoas, é elevadíssimo.

Os 10% mais ricos no topo da pirâmide (14,2 milhões de pessoas) concen-tram em torno de 55% da renda nacional, apresentando no período uma grande estabilidade dessa participação, com pequenas oscilações. Os 50%

mais pobres na base da pirâmide (71,3 milhões de pessoas) têm uma par-ticipação em torno de 12%, ou seja, sua parpar-ticipação na renda nacional é quase cinco vezes menor do que a dos 10% mais ricos. E os 40% do meio (57,3 milhões de pessoas) possuem uma participação de 32%, inferior à sua representação na população.

Níveis tão elevados de concentração resultam em diferenças brutais de rendimento entre os grupos sociais. A renda média de US$ 107.601 anuais dos 10% do estrato superior é 22 vezes maior do que a renda média da metade mais pobre da população no estrato inferior, de US$ 4.765 anuais, e 7 vezes maior do que a da classe média dos 40% do estrato intermediário, de US$ 15.760. Em nível de rendimento, essa classe média está muito próxima dos mais pobres do que dos mais ricos. Sua renda média é pouco mais do que 3 vezes a dos mais pobres, evidenciando uma divisão social bem delimitada

37 Dentre outros, ver os trabalhos: Vozes da classe média (BARROS; GORSNER, 2013);

Economic Mobility and the Rise of the Latin American Middle Class, da equipe de pesqui-sadores do Banco Mundial liderada por Francisco Ferreira. (FERREIRA et al., 2013)

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entre os 90% mais pobres e os 10% mais ricos. A renda média desses 90% de brasileiros é similar a dos franceses 20% mais pobres. (MORGAN, 2017, p. 15)

A evolução da desigualdade nesses 14 anos possui sinais trocados, e as alterações ocorreram na margem. Os 50% mais pobres cresceram marginal-mente sua participação de 11% para 12% entre as pontas de 2001 e 2015.

A melhor fase foi no final da primeira década, quando a participação chegou a 13%. Entretanto, os 10% mais ricos também tiveram um aumento marginal de participação de 54% para 55%, tendo também sua melhor participação no final da década, chegando a 57% em 2010. Os aumentos incrementais dos dois extremos da pirâmide se deram às expensas dos 40% do meio, que perderam participação de 35% para 33%. Isto é, a desigualdade entre os 90% da base efetivamente caiu (essencialmente desigualdade da renda do trabalho) às custas de uma exprimida da classe média intermediária, que foi penalizada para garantir o aumento da concentração da renda dos mais ricos (classe média alta e os ricos) simultâneo à melhoria da renda relativa dos mais pobres.

O crescimento real da renda nacional nesse período, de 18,3%, não foi, portanto, distribuído uniformemente entre os grupos sociais. Como reflexo das políticas inclusivas adotadas na era Lula-Dilma, o ganho marginal de par-ticipação na renda dos 50% mais pobres de 1 ponto percentual só foi possí-vel pelo notápossí-vel crescimento de suas rendas, que atingiu, em média, 28,7%, representando 8,2 pontos percentuais acima do crescimento de renda do estrato de 10% superior (20,5%) e nada menos do que 17,2% acima daquele do estrato intermediário (11,5%), cuja renda média cresceu bem abaixo da renda nacional. Ainda assim, esse inédito diferencial de crescimento de renda dos mais pobres não se refletiu em sua participação na apropriação do cres-cimento da renda nacional, uma vez que a base inicial de sua participação na renda total (11%) é muito pequena para afetar significativamente a estrutura de distribuição, ainda que tenha sido decisivo para a significativa redução da pobreza absoluta no país. Como esperado, a apropriação do crescimento reflete muito mais a estrutura da distribuição do que o diferencial de cresci-mento, de tal forma que os 10% superiores se apossaram de 60,7% do cres-cimento de 18,3% da renda nacional, seguidos dos 40% intermediários, que se apoderaram de 21,6% e dos 50% inferiores, que se apropriaram de apenas 17,6% do crescimento total. Como é conhecido, as políticas inclusivas de

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crescimento econômico só têm efeitos de mudanças estruturais da distri-buição de renda se persistirem durante um longo período.38

Terceiro, a desigualdade da renda do capital tem um peso desproporcional na desigualdade total no Brasil, o que o qualifica entre os países mais desi-guais do mundo, não só quando comparado com os mais ricos, mas também com seus pares em nível semelhante de desenvolvimento, inclusive da Amé-rica Latina. Tal conclusão foi possível pela decomposição do último decil de renda separando os 9% do grupo da parte inferior do decil (90-99%), cujas rendas são majoritariamente rendimentos do trabalho, dos 1% do grupo do último centésimo do topo da hierarquia de rendas (99-100%), cujas rendas são majoritariamente rendimentos do capital. Por sua vez, esse último centésimo foi decomposto no último milésimo (0,1%), décimo de milésimo (0,01%) e centésimo de milésimo (0,001%), com rendas quase que exclusivamente do capital. Os números falam por si: dos 55,3% da renda nacional concentrada pelos 10% do estrato superior, 27,8% pertencem aos 1% mais ricos, enquanto 27,5% pertencem aos 9% inferiores, ou seja, a metade da renda do decil supe-rior está nas mãos do último centésimo. Da mesma forma, a metade da renda do último centésimo pertence ao último milésimo (14,4%), da qual metade pertence ao último décimo de milésimo (7,5%), da qual o último centésimo de milésimo possui mais da metade (3,9%). Sem dúvida, é estarrecedor saber pelos números o que já se sabia pela análise sociológica e historiográfica.

Esses dados revelam que pouco mais de 140 mil pessoas, que correspon-dem ao último milésimo superior, têm uma participação na renda nacional maior do que os 71 milhões mais pobres da população (14,4% contra 12,3%).

A conclusão aqui sobre a desigualdade brasileira não é apenas que ela reproduz de forma exacerbada a estrutura da distribuição de renda mundial sob a era do capitalismo, que historicamente se manteve intrinsecamente desigual, alterada apenas por choques extra mercado. Vai além, pois os dados evidenciam que o grupo social dominante (que Piketty denomina de “classes dominantes”) tem resistido a qualquer mudança que de fato signifique uma

38 Para se ter uma dimensão de grandeza, os dois programas sociais de transferência de renda mais importantes da era Lula-Dilma, o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), representavam apenas 1,5% da renda nacional em 2015, depois de experimentarem uma grande expansão a partir de 2003, quando não ultrapassavam 0,3% da renda total.

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mudança estrutural da desigualdade. As comparações com os países ricos e com os pares são fortes evidências empíricas dessa resistência à mudança estrutural.

Dada a limitação da série histórica do Brasil, é possível apenas comparar a desigualdade brasileira recente com a dos países ricos, com séries históri-cas completas desde o final do século XIX. Morgan compara o Brasil com a França e os Estados Unidos, que representam bem os dois lados do Atlântico do mundo desenvolvido. Mesmo com a escalada de desigualdade dos Estados Unidos nos últimos 30 anos, a desigualdade americana continua abaixo da brasileira, especialmente nos estratos intermediários de renda. A participação dos 10% mais ricos ainda está em 10 pontos percentuais abaixo nos Estados Unidos, que tem oscilado em torno 45% da renda nacional. Como já eviden-ciado, a desigualdade da França e da maioria dos países da Europa Ocidental tem progredido, mas a passos muito mais lentos do que nos Estados Unidos, sendo que os 10% mais ricos concentram atualmente em torno de 33% da renda nacional. Comparando a classe média intermediária, do estrato dos 40% logo abaixo dos 10% mais ricos, observa-se que sua participação na renda nacio-nal, de 40% nos Estados Unidos e 45% na França, é proporcional à sua parti-cipação na população total, enquanto vimos que, no Brasil, essa partiparti-cipação é de pouco mais de 30%. A comparação da participação do estrato inferior de 50% mostra regressão nos Estados Unidos comparada à progressão no Brasil, que mesmo lenta foi suficiente para convergir com a participação da metade mais pobre dos americanos, que também possuem atualmente em torno de 12-13% da renda nacional,39 em contraste com a participação da metade mais pobre dos franceses, que continua estável em torno de 22-23%. Se compara-mos, porém, a participação dos 1% mais ricos, a disparidade da concentração no topo da hierarquia de rendas no Brasil é ainda maior do que a relativa aos 10% mais ricos, ou seja, quanto mais subimos na hierarquia de rendas em direção aos rendimentos do capital, maior é a desigualdade relativa brasileira.

39 Estamos aqui falando de participação relativa e não nível de renda. A renda per capita dos Estados Unidos continua no patamar de quatro vezes maior do que a renda per ca-pita do Brasil, refletindo bem as diferenças de produtividade do trabalho ente os dois países. Nesse sentido, o poder aquisitivo médio dos 50% mais pobres americanos é em torno de quatro vezes o poder aquisitivo dos 50% brasileiros mais pobres.

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Enquanto o último centésimo concentra no Brasil 28% da renda nacional, sua participação nos Estados Unidos é de 20%, e na França de 11%.

A comparação com os pares é mais alarmante para o Brasil, pois todos possuem passados históricos de desigualdade tão traumáticos quanto o Bra-sil, começando pelos passivos sociais e econômicos das heranças coloniais e suas particularidades de formação histórica-institucional, como o conflito étnico e nacionalista na Índia, as dinastias e o maoísmo na China, o apartheid na África do Sul, a escravidão na Colômbia e a semisservidão na Indonésia.40 O objetivo aqui não é comparar as desigualdades a partir dessa contextua-lização histórica, mas simplesmente cotejar comparativamente a situação empírica da desigualdade atual com dados fiscais e pesquisas domiciliares disponíveis para a construção das séries históricas pelo método DINA, parte delas já disponíveis no WID.world.

Para os países asiáticos são apresentadas séries para períodos variados:

Morgan (2017), baseado no WID.World, apresenta para a China para o período recente (2000-2015), Banerjee e Piketty (2010) para Índia até o ano 2000, e Leigh e van der Eng (2010) para a Indonésia até 2006. Os dados para a China cobrem a mesma decomposição usada para o Brasil e para a Índia e Indo-nésia apenas a decomposição do topo da hierarquia a partir do centésimo superior (99-100), dos 1% mais ricos.

Em grandes linhas, a estrutura de distribuição de renda da China é bem mais parecida com a dos países ricos do que com a do Brasil. A participa-ção dos 10% mais ricos na renda nacional de 42% (2014-2015) está entre a França (32%) e os Estados Unidos (47%), e muito distante do Brasil (55%).

No entanto, a desigualdade na China está mais evidente na participação da metade mais pobre da população (0-50), com apenas 15% da renda nacional, pouco acima da brasileira e americana (12%). O estrato intermediário dos 40% (50-90) possui uma participação de 44% da renda nacional, bem supe-rior à desse estrato no Brasil (32%), e mais próximo da que ocorre na França (45%) do que nos Estados Unidos (40%).

Se a estrutura da desigualdade na China atual ainda preserva sua seme-lhança com os países ricos, a base mais desigual parecida com os Estados

40 Durante colonização extrativista holandesa, e particularmente o sistema de plantation no século XIX.

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Unidos e o vértice menos desigual parecido com a Europa, a década de 2000 indica uma trajetória de regressão, principalmente dos 50% mais pobres.

O que contrasta com os progressos na redução da desigualdade no Brasil nesse período, ainda que lenta, porém, consistente. Enquanto que na China os 10% mais ricos aumentaram sua participação na renda total de 36%, em 2000, para 42% em 2015, e os 50% mais pobres perderam participação de 18%

para 15%, no Brasil, os 10% mais ricos tiveram um aumento incremental de 54% para 55%, ao passo que os 50% mais pobres aumentaram também mar-ginalmente, de 11% para 12%. Dada a pequena base inicial de participação, esse aumento, mesmo que incremental, só foi possível pelo notável cresci-mento da renda desse estrato inferior de 10,5 pontos percentuais acima do crescimento médio da renda total. O crescimento de 2 pontos percentuais do estrato superior foi suficiente para obter o mesmo ganho incremental dos mais pobres, dado o tamanho desproporcional da base inicial de participa-ção, de nada menos do que 54% em 2000.

Um fator em comum dos dois países é que ambos tiveram nessa pri-meira década do século XXI taxas de crescimento econômico (do produto e da renda) excepcionais, relativas às suas trajetórias de crescimento nas duas últimas décadas anteriores, no século passado. Pela dinâmica da relação ren-dimento do capital (r) e taxa de crescimento econômico (g), era de se esperar que ambos os países tivessem nesses primeiros 15 anos do século XXI a pre-dominância das forças de convergência com a redução da desigualdade pela redução do hiato r-g. Na verdade, as forças de convergência não predomina-ram porque o crescimento do rendimento do capital foi também excepcio-nal, impedindo a redução do hiato r-g. Essa dinâmica é melhor visualizada pela evolução da participação dos últimos percentis do vértice da pirâmide de rendimentos, onde as rendas do capital são claramente predominantes sobre as rendas do trabalho.

No caso do Brasil, a decomposição dos percentis superiores de renda por Morgan (2017) evidencia o fenômeno do excepcional crescimento das rendas do capital entre 2000 e 2015. O diferencial de crescimento de renda desses percentis acima do crescimento da renda média foi bem maior que os já elevados 10,5% pontos percentuais (p.p.) dos 50% mais pobres e cres-cente a cada degrau superior dos extremamente ricos: centésimo superior (99-100 = 1%) 13,1 p.p., milésimo superior (99,9-100 = 0,1%) 36,%, décimo

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de milésimo superior (99,99-100 = 0,01%) 66,7% e centésimo de milésimo superior (99,999-100 = 0,001%) 103,4%.41 Esse elevado diferencial de cresci-mento dos extremamente ricos baseado em altíssimos rendicresci-mentos do capital possibilitou aumentos de sua participação no bolo da renda nacional bem acima do décimo superior (com aumento de 1 p.p.), grupo mais amplo dos 10% mais ricos da população que inclui esses grupos, mas que ainda predo-minam indivíduos assalariados recebedores de rendas do trabalho. Os 1%

mais ricos, por exemplo, aumentaram sua participação no bolo em quase 2,8 p.p., e o grupo ainda mais restrito dos 0,1% mais ricos, em 3,4 p.p., que é mais de três vezes o aumento dos 50% mais pobres da população (1 p.p.) no período. Isso aumentou ainda mais suas elevadíssimas participações na renda total, atingindo em 2015 os percentuais de 27,8% e 14,4%, respectivamente.

Retornos tão elevados do capital apenas são comparáveis com a China, onde os 1% mais ricos aumentaram sua participação no bolo da renda nacio-nal em 4 p.p., passando de 10% em 2000 para 14% em 2015. No entanto, esse nível de participação dos mais ricos ainda é bem inferior ao observado no Brasil, uma diferença brutal de quase 14 p.p. (27,8% contra 14%).

Comparada aos outros dois países pares de grande porte da Ásia, Índia e Indonésia, a participação dos mais ricos no Brasil é também muito superior.

Para a Índia, as séries disponibilizadas datam desde 1922, sob o período do Império Britânico.42 O pico de participação na renda nacional dos 1%, 0,1% e 0,01% mais ricos ocorreu antes de Segunda Guerra Mundial, quando atingiu 18%, 8% e 3%, respectivamente. O período nacionalista pós independência apresenta uma trajetória de declínio de participação do topo da hierarquia de rendas, que só apresenta tendência de nova escalada de desigualdade a partir dos anos 1980. Ainda assim, os níveis atingidos no final do século XX (1997-2000),43 entre 9-11% para o estrato de 1%, entre 3,5%-4,5% para o de 0,1% e 1,5%-2% para o de 0,01%, estão longe da elevadíssima participação dos

41 Percentuais da população adulta brasileira que correspondem, respectivamente, a 1.425.208 pessoas, 142.521 pessoas, 14.252 pessoas e 1.425 pessoas. Vale observar que as pessoas de um grupo superior estão contidas nos grupos inferiores.

42 De 1858 a 1947. As series completas dos estratos superiores estão em Banerjee e

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