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3. METODOLOGIA

3.3 Análise dos resultados

O foco da análise e interpretação de uma pesquisa qualitativa é a exploração de um conjunto de opiniões e representações sociais sobre um determinado tema sob investigação. Considera-se que a dimensão sociocultural das opiniões e representações de um grupo apresentam pontos em comum, mas não somente.

Apresentam, também, singularidades próprias relacionadas à história de vida de cada interlocutor, devendo-se, assim, considerar a diversidade de opiniões e crenças na análise qualitativa. Dessa forma, pode-se apresentar o que é homogêneo, bem como o diferencial no mesmo meio social (Gomes, 2009).

A técnica de análise de conteúdo (verbal e não verbal) consiste na reprodução, decodificação e descrição de forma objetiva, sistemática e quantitativa da manifestação apresentada nas respostas (Bardin, 1977). Tem por objetivo classificar e categorizar o conteúdo a ser analisado, reduzindo suas características a elementos-chave, permitindo sua comparação e relação com outros elementos (Carlomagno e Rocha, 2016).

Conforme proposto por Bardin (1977), a categorização das entrevistas foi feita por ocasião de sua elaboração e a posteriori, a partir dos resultados alcançados. Os resultados quantificáveis a partir dos dados qualitativos foram submetidos à análise estatística descritiva, como análise de frequência e proporção.

É importante destacar que, conforme apresentado por Günther (2006, p. 203), a contextualidade é o “fio condutor de qualquer análise em contraste com uma abstração nos resultados para que sejam facilmente generalizáveis”. Ou seja, os acontecimentos cotidianos são elementos para a interpretação dos dados, não devendo ser desvinculados do objeto de análise. Isso demanda uma reflexão contínua do pesquisador, devendo haver uma interação dinâmica entre este e o objeto de estudo. A interpretação busca, portanto, sentido nas falas e nas ações para se chegar a uma compreensão ou explicação para além do descrito e analisado, ancorando na fundamentação teórica (Gomes, 2009).

Assim, foram analisados os perfis das entrevistadas e dos entrevistados; o impacto do Pronaf nas relações sociais de gênero e no empoderamento das mulheres agricultoras como forma de inclusão econômico-produtiva e social; a atuação dos mediadores do acesso ao crédito, além da atuação da ATER e dos movimentos sociais nas questões de assistência técnica e relações de gênero; os pontos de convergências e divergências entre eles, possibilitando realizar uma apreciação acerca da existência ou mudança de paradigmas nas questões de gênero, por meio

da técnica de triangulação de dados. A triangulação significa olhar para o mesmo objeto de pesquisa, a partir de mais de uma fonte de dados (quantitativos e qualitativos) limitando os vieses pessoais e metodológicos, ampliando a generalização do estudo, sob o olhar de múltiplas perspectivas (Azevedo et al., 2013).

No caso das mulheres beneficiárias, as entrevistas contemplaram as dimensões do empoderamento: social, econômico e político, sob os quais definiram-se indicadores e fatores limitantes (Malhotra et al., 2002; Sen, 2000), distribuídos nas categorias expressas no Quadro 2. Além das dimensões do empoderamento, levantou-se o perfil (idade, escolaridade, número de filhos, renda, estado civil);

percepções sobre o acesso ao crédito e perspectivas de futuro.

Com os mediadores, as entrevistas contemplaram o ponto de vista sobre o processo de mediação; as dificuldades operacionais percebidas; a forma de assistência prestada às beneficiárias; as representações de gênero; o conhecimento sobre as orientações de priorização de projetos para mulheres; as percepções sobre empoderamento das mulheres por meio das políticas de crédito.

Foram geradas planilhas eletrônicas, com categorizações codificadas, permitindo a análise comparativa e aplicação de fórmulas de média e proporções para cada categoria criada. Para a análise do impacto dos indicadores de empoderamento, apresentada na Figura 19 do item 4.5, considerou-se a condição que as mulheres e suas famílias apresentavam antes do acesso ao Pronaf e as mudanças ocorridas a partir de então, sendo identificadas no momento da entrevista.

O impacto do acesso ao Pronaf no empoderamento das mulheres rurais foi calculado a partir da adaptação do método utilizado por Demattê Filho et al. (2014) e Rodrigues et al. (2016) para análise de impactos ambientais. Os 27 indicadores foram organizados nas três dimensões de empoderamento: econômico, social e político (Quadro 2), os quais foram verificados pelo instrumental analítico (análise de conteúdo) dos dados obtidos nas entrevistas e categorizados.

Foram construídas matrizes de ponderação para cálculo dos índices de impacto (Demattê Filho et al., 2014; Rodrigues et al., 2016). Calculou-se um fator de ponderação atribuindo o mesmo peso para os indicadores de cada dimensão, cujo somatório resultou igual a 1,0.

De posse dos dados obtidos na análise de conteúdo, para cada indicador, estabeleceu-se uma escala de nível de ocorrência que variou de 1 a 3. Por exemplo, para o indicador de “participação na gestão da propriedade” a escala de ocorrência

estabelecida foi valorada como: 1 (não participa); 2 (participa na gestão compartilhada); e 3 (é responsável pela gestão). Em indicadores que não se aplicavam a todas as unidades de análise, a valoração 1 foi atribuída às unidades com essa característica.

Também para cada indicador, estabeleceu-se uma escala de coeficiente de mudança que variou de zero a 2, sendo que o valor zero foi atribuído às unidades de análise que não apresentaram mudanças; 1 para aquelas que mudaram parcialmente e 2 para aquelas que mudaram totalmente.

Assim, o índice de impacto de cada indicador se deu pelo somatório do produto do valor da escala de nível de ocorrência de cada unidade de análise pelo valor do coeficiente de mudança a ela atribuído; multiplicado pelo fator de ponderação daquele indicador:

𝐼 = 𝑘 ∑(𝑁 × 𝐶)

Onde:

I = índice de impacto k = fator de ponderação N = nível de ocorrência C = coeficiente de mudança

A partir do cálculo do índice de impacto de cada indicador, calculou-se o índice médio entre os indicadores de cada dimensão, sendo este utilizado para comparar o impacto do Pronaf em relação ao índice máximo de cada dimensão e entre as dimensões de empoderamento.

É importante observar que, segundo Malhotra et al. (2002) e Mosedale (2005), não há empoderamento absoluto, sendo o resultado desta análise apenas uma proposta para verificação das dimensões mais vulneráveis, que necessitam de intervenções mais imediatas.

Quadro 2 – Categorias criadas a partir dos indicadores das dimensões do empoderamento

Dimensão Indicadores Categorias

Econômico

• Participação na decisão de acesso ao crédito

• Participação na gestão da propriedade

• Participação na gestão da renda familiar

• Autonomia sobre a renda individual

• Aumento da renda individual

• Melhoria do bem-estar pessoal e familiar

• Posse da terra

• Agência para mobilização de recursos

• Diversificação da produção

• Capacidade de negociar com agentes de mercado

• Conhecimento técnico-gerencial

• Perfil socioeconômico: posse da terra, renda bruta familiar, atividades desenvolvidas, participação na atividade agropecuária; atividades e rendas não agrícolas; participação na gestão da renda familiar; acesso à renda familiar; gestão da propriedade participação no processo de

comercialização; divisão sexual do trabalho

• A experiência com o crédito Pronaf:

processo decisório; nível de

conhecimento sobre o Pronaf; acesso à informação; formas de gestão dos recursos do Pronaf; formas de gestão da renda oriunda da atividade

financiada pelo Pronaf; envolvimento no processo de acesso ao crédito;

contato com os consultores e agentes bancários; acesso à assistência técnica, dificuldades de acesso;

melhoria na qualidade de vida;

perspectivas para o futuro.

Social

• Acesso à educação

• Acesso à informação e conhecimento técnico

• Participação em formações e capacitações

• Acesso a assistência técnica

• Mobilidade física

• Aumento da autoestima

• Desenvolvimento da capacidade de agência

• Capacidade de expor ideias e de se motivar

• Mudança nas relações de gênero na família

• Consciência das relações de gênero

• Perfil sociocultural: idade, número de filhos, escolaridade, estado civil

• Relações sociais e políticas: acesso à informação; contato com agentes externos; participação em organizações sociais; percepção sobre as relações de gênero nas organizações sociais; acesso à assistência técnica; percepções sobre a atuação da ATER; participação em cursos e eventos; consciência de gênero.

• Mudanças após o Pronaf:

preocupações, aumento de renda;

mudança nas relações sociais e na família, desenvolvimento da autoestima; desenvolvimento da capacidade de agência.

Político

• Participação em organizações sociais

• Participação em cargos eletivos de diretoria

• Participação em outras políticas públicas

• Capacidade de estabelecer relacionamento com outros atores sociais e políticos

• Capacidade de estabelecer redes de apoio

• Capacidade de mobilização e organização social

Fonte: elaborado pela autora a partir das ideias de Malhotra et al. (2002) e Sen (2000).

A partir da análise das categorias e do cruzamento de dados com os resultados da análise dos mediadores, estabeleceram-se os limites e potencialidades ou possibilidades de empoderamento das mulheres por meio das políticas de crédito.

Os resultados e a discussão foram organizados de forma a compreender a situação sociocultural e econômica atual da mulher e de sua família e a sua relação com a família e os atores sociais; a sua experiência de acesso ao crédito, envolvendo as relações de gênero que determinaram o seu grau de envolvimento no processo, na gestão e com os mediadores; as transformações ocorridas na vida das mulheres após o acesso ao crédito. Em seguida, analisa-se a atuação da mediação; o processo de operacionalização do crédito; a influência das percepções de gênero no processo de aplicação do crédito; análise do processo de mediação da ATER oficial e dos demais mediadores sociais, como os sindicatos, cooperativas e MMC. Por fim, apresenta-se o resultado sistematizado do impacto dos indicadores nas três dimensões do empoderamento e, a partir dele, apresentam-se os limites e possibilidades do desenvolvimento da autonomia das mulheres através do acesso ao crédito Pronaf.