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2. REVISÃO DE LITERATURA

2.1.1 Do silêncio das mulheres às correntes feministas

A desigualdade entre os gêneros é reportada desde a antiguidade. Aristóteles, na Grécia, considerava que as mulheres eram seres inferiores em relação aos homens livres e, portanto, incapazes (Siliprandi, 2009), pois sofriam de uma certa deficiência natural que lhes resultava em carência de qualidades (Beauvoir, 2016). Aristóteles considerava que a mulher, na família, tem o papel subalterno, que é o de gerar filhos.

Para ele, a mulher foi feita para executar as ordens do marido, pois enquanto o homem foi feito para mandar, a mulher serve para executar o que o outro prescreve. “A sua faculdade do querer é fraca, sendo um ser dotado apenas da vontade do senhor”

(Girón, 2008).

No entanto, naquela época também já se iniciavam os debates sobre desigualdades entre os “sexos”, sendo que os sofistas criticavam a postura de Aristóteles, considerando que não havia distinções entre homens e mulheres e que as leis deveriam ser para todos, indistintamente (Siliprandi, 2009).

No século V, Santo Agostinho reafirmava a postura da igreja de subjugar a mulher em relação ao homem. Ele afirmava que a mulher era um ser fraco e sujeito à tentação. O pai era mais digno do que a mãe, porém cabia à mãe a educação dos filhos, que mais tarde dominariam outras mulheres. Santo Agostinho ainda defendia que a herança deveria ser apenas para os filhos varões sob pena de perda dos bens se as filhas obtivessem o mesmo direito. Para o filósofo, o acesso aos bens da família por herança só deveria ser passado às filhas em caso de morte do pai que não teve filhos homens (Girón, 2008).

Segundo Siliprandi (2009) e De Miguel (2005), a defesa da igualdade como princípio democrático, herdada da democracia grega, e que se perpetuou como ideal político, não incluiu a todos da humanidade. Porém, o questionamento a respeito da exclusão de grupos, como mulheres e escravos também acompanhou as ideias que surgiram a posteriori.

Siliprandi (2009) e De Miguel (2005) afirmam que, na Idade Média e no período renascentista, mulheres escreviam memórias que retratavam sua indignação

com o preconceito vigente e a forma degradante como eram tratadas. Seja por reflexões individuais ou manifestações coletivas, de alguma forma, as mulheres, em todas as épocas, apresentaram seu descontentamento com a posição inferior que ocupavam na sociedade, mas isso foi ignorado pelos historiadores. Somente a partir do século XVII, com o advento do Racionalismo – que passou a desmitificar as crenças e superstições e do Iluminismo – com as ideias de igualdade para os seres humanos, é que as mulheres puderam reivindicar seus direitos e apresentar suas ideias, questionando a ordem social vigente (Siliprandi, 2009).

Teóricos desse período já tratavam de questões da igualdade dos indivíduos, independentemente do sexo. Siliprandi (2009) cita Poullain De La Barre que usava a lógica cartesiana de “não aceitar ideias que não pudessem ser demonstradas” (p. 42) para explicar que a diferença entre os sexos não justificava o preconceito e a hierarquia entre homens e mulheres, relacionando esse fator a uma questão social que determinava comportamentos e atitudes.

De acordo com Cobo (2018) a ideia central do filósofo era que a desigualdade entre homens e mulheres era um produto da própria desigualdade social e política que postulavam a inferioridade feminina a partir das diferenças sexuais.

De La Barre considerava que a família e, posteriormente, o Estado criaram e perpetuaram a dependência das mulheres ao distribuir as tarefas baseadas na condição sexual do indivíduo (Siliprandi, 2009). Siliprandi (2009) destacou que o filósofo não considerou essa divisão sexual do trabalho como algo natural, mas como algo forçado pelos homens que ainda excluíram as mulheres do espaço público e político.

Segundo Siliprandi (2009), De La Barre defendia que o intelecto não era determinado pelo sexo e não era influenciado pelos órgãos reprodutivos. O que ocorria era o preconceito, alheio à racionalidade. A igualdade entre homens e mulheres deveria, então, ser construída de forma racional, voluntária e permanente, assegurando o direito das mulheres de ter acesso à educação e ao espaço público e político.

No entanto, o debate sobre igualdade entre mulheres e homens foi política e ideologicamente derrotado, sendo dominado pelas teses de pensadores da Revolução Francesa que defendiam que a natureza das mulheres era diferente da dos homens, atribuindo uma incapacidade intelectual às mulheres e restringindo seu espaço ao mundo doméstico (Cobo, 2005; Siliprandi, 2009)

Durante a Revolução Francesa, a obra de Rousseau, intitulada “Do Contrato Social”, resultou na elaboração da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão”, de 1789. Olympe de Gauges, feminista contemporânea, apresentou sua retórica na

“Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, de 1791, na qual argumentava que todos os direitos dos homens também pertenciam às mulheres (Scott, 2005). Também em resposta à Constituição Francesa de 1791, a qual não incluía as mulheres como cidadãs, Mary Wollstonecraft publicou “Reivindicação dos direitos da mulher” em 1792, denunciando a proibição do acesso das mulheres aos seus direitos básicos, como a educação, e a restrição do seu espaço aos limites domésticos, tornando-as dependentes dos homens, sejam eles maridos, pais ou irmãos (Wollstonecraft, 2016).

No Brasil, uma das primeiras feministas foi Nísia Floresta que, no início do século XIX, com o país ainda sob o sistema colonial escravagista, publicou “Direitos das mulheres e injustiça dos homens” como uma tradução livre da obra de Wollstonecraft. Assim como na Europa, as primeiras lutas feministas no Brasil exigiram igualdade de direitos para mulheres e homens, especialmente o direito sobre a educação e pela inclusão na vida púbica (Moraes, 2016).

Segundo Scott (2005, p. 15), a igualdade é um princípio e uma prática que não se refere à “ausência ou eliminação da diferença, mas, sim, o reconhecimento da diferença e a decisão de ignorá-la ou de levá-la em consideração”. A autora completa que a igualdade no contexto social significa estar no mesmo nível em termos de poder, dignidade, realização; ter os mesmos direitos ou privilégios. Mas que, no entanto, essas qualidades de poder, dignidade, bem como os direitos, variam no tempo e no espaço, pois os indivíduos que seriam beneficiários desses direitos e qualidades não teriam uma inclusão universal em todas as épocas e regiões.

Enquanto na Revolução Francesa a igualdade se tornou um princípio geral, tendo todos os indivíduos o direito de participação política, a cidadania foi concedida somente para os homens brancos e com posses, sob o pretexto de que pessoas pobres, escravos e mulheres não teriam pensamento autônomo – necessário aos cidadãos, segundo o pensamento da época – sendo, portanto, inaptos a exercer a cidadania. Para as mulheres, a cidadania foi negada também pelo motivo de que as atividades domésticas e os cuidados com as crianças eram impeditivos para a livre participação social e política (Scott, 2005), indicando que a divisão dos papéis de acordo com o sexo também sustentava a desigualdades de gênero.

Segundo Scott (2005), a ideia que imperava na sociedade pós-Revolução Francesa era de que os homens poderiam ser considerados indivíduos que transcendiam o sexo, enquanto as mulheres jamais poderiam alcançar o status de indivíduo por não terem semelhança com os homens. Assim, como jamais poderiam deixar de ser mulheres, jamais poderiam ser consideradas iguais aos homens e, portanto, não poderiam ser cidadãs. A autora demonstra que, a partir desse argumento, pode-se refletir que a ideia de igualdade era pertencente aos considerados indivíduos e não a todos. Ou seja, o grupo de pessoas com características específicas de mulheres, não poderia ser incluído no processo de igualdade.

Segundo Cobo (2018), o fim da Revolução Francesa iniciou um período de silêncio das feministas, que só foi rompido em meados do século XIX quando as intervenções feministas possibilitaram a discussão sobre o direito ao voto para as mulheres no movimento sufragista iniciado nos Estados Unidos.

A militância sufragista das mulheres deu um caráter político ao movimento feminista. Embora a reivindicação central tenha sido o direito ao voto, ideologias socialistas orientaram outras reivindicações como o direito à educação, à propriedade, ao acesso às profissões, à participação pública. Criticava o matrimônio como uma

“morte civil” às mulheres que passavam a depender econômica e politicamente de seus maridos (Cobo, 2018, p.34). No entanto, não houve uma discussão crítica sobre a desigualdade de gênero, reforçando os estereótipos e papéis relacionados ao sexo biológico, segundo Scott (2005).

Com a Revolução Industrial e avanço do capitalismo, o movimento feminista não se conteve apenas como sufragista, mas houve mobilização, também, nos movimentos anarquistas e socialistas que não priorizavam o direito de voto da mulher.

Parte do movimento socialista reconhecia a proletarização da mulher como um fator de desequilíbrio e dissolução das famílias, da redução da qualidade de vida e de aumento de doenças e da mortalidade infantil. A desigualdade na remuneração das mulheres em relação aos homens gerava competição no mercado de trabalho (Siliprandi, 2009).

Girón (2008) afirma que, em Hegel, é apresentada a transição do pai de família a proprietário e a função da mulher no casamento, sendo o pai representado pelo poder e exterior, e a mãe, a passividade e a subjetividade. Em outras palavras, para Hegel, o papel da mulher na família é passivo e doméstico, enquanto ao homem

cabe o papel de conservar e aumentar o patrimônio da família, além de participar do Estado e da política.

Engels publicou em 1884 a obra “As origens da família, da propriedade privada e do Estado”, sustentando um importante debate no campo do marxismo que discutia sobre a origem da opressão. Engels criticou o determinismo biológico que colocava os homens em posição de superioridade em relação às mulheres.

Responsabilizava o patriarcado pela construção social do poder masculino que dominava, especialmente, as mulheres. Para Engels, a socialização do trabalho doméstico e a entrada das mulheres no mundo produtivo deveriam ser o foco das lutas sociais pela igualdade (Siliprandi, 2009, Delphy, 2015).

O determinismo biológico a que Engels se refere constitui-se em um conjunto de teorias que busca explicar que comportamentos e variações das habilidades, capacidade cognitiva e a própria sexualidade derivam da constituição biológica do indivíduo (Citeli, 2001). Essas teorias, ainda debatidas em dias atuais, têm sido refutadas por cientistas como Gould (1991) que se preocupou não somente em apontar a “percepção incorreta” da forma como se desenvolveu a ciência em torno dessas teorias, mas também as consequências sociais e políticas que esses erros implicaram pela legitimação dos preconceitos. Em sua obra intitulada “A falsa medida do homem”, Gould afirma que a sociedade muda em decorrência da evolução cultural e não pela evolução biológica. Afirma também que a evolução cultural é mutável rapidamente, pois não está vinculada à evolução genética.

Embora os socialistas reconhecessem a sujeição das mulheres em relação aos homens, que essa desigualdade não se justificava pelas diferenças biológicas e que ia de encontro aos ideais socialistas, para parte deles a luta feminista segregava o movimento, não contribuindo para a unificação, tendo importância secundária nas reivindicações. Não reconheciam propriamente o movimento feminista na luta política e social para a derrubada do capitalismo e consideravam que, com a revolução, a igualdade seria conquistada e a opressão das mulheres eliminada, não sendo necessário um movimento feminista por si (Siliprandi, 2009).

Dentro do próprio movimento, algumas feministas se destacaram. De Miguel (2005), Scott (1999) e Siliprandi (2009) citam Clara Zetkin, socialista alemã, que propunha a organização das mulheres numa perspectiva de classe, pois os interesses se divergiam. Enquanto as mulheres burguesas lutavam pelo direito de propriedade em seu nome, as mulheres proletárias militavam pelos mesmos direitos que os

homens. Embora Zetkin defendesse as propostas socialistas de participação das mulheres no mundo da produção, ela admitia a especificidade da luta feminista pela autonomia das mulheres.

De Miguel (2005) e Siliprandi (2009) também citam Alexandra Kollantai, feminista bolchevique, que propôs que as mulheres deveriam romper com o estado de servidão aos homens em busca de igualdade. Kollantai defendia a individualidade feminina e a tomada de consciência sobre a opressão, para possibilitar a ruptura da submissão histórica e da ingenuidade que impediam a transformação da mulher.

Amorós e De Miguel (2005) apontam ainda que Kollantai considerava que a mudança não deveria ser apenas das mulheres, mas também dos homens, reconhecendo as suas mulheres como companheiras e construindo um relacionamento baseado no respeito mútuo e companheirismo. Defendia que a sexualidade deveria ser debatida, reconhecendo a individualidade das mulheres e que este assunto deveria fazer parte das pautas dos revolucionários.

Embora o movimento sufragista apresentasse divergências em relação ao socialista, segundo Amorós e De Miguel (2005, p.65), ambos os movimentos contribuíram para a construção de uma “identidade feminista comum”. Passou-se a se preocupar com a construção de uma teoria que desconstruísse a ideologia da biologização que era usada para justificar a inferioridade das mulheres. As teóricas feministas tiveram que enfrentar desde as teorias científicas sobre evolução das espécies (darwinista) até a contestação de ideias da psicanálise freudiana, além das tradições religiosas e das instituições do próprio Estado que persistiam na ideia de inferioridade das mulheres em relação aos homens e na divisão dos espaços doméstico e público como sendo naturais para as mulheres e homens, respectivamente (Siliprandi, 2009).

Cobo (2018) considera que houve um período de silêncio na luta feminista a partir da Primeira Guerra Mundial, o qual foi quebrado como a publicação de “O Segundo Sexo” de Simone de Beauvoir, em 1949. Beauvoir retomou a ideia de igualdade advinda do Iluminismo e que foi fundamental para a retomada da luta feminista no final dos anos 1960, com a discussão sobre os fatores que originaram e que perpetuavam o padrão de dominação masculina sobre as mulheres (Siliprandi, 2009).

Nessa obra, Beauvoir (2016) pensa a categoria gênero a partir da condição da mulher. A autora foi influenciada pelas ideias existencialistas de Sartre, que

defendia que a liberdade de cada indivíduo é essencial e que suas ações devem ser baseadas nas suas escolhas, as quais afetariam o próprio mundo, sua própria existência. Sartre defendia a negação dos valores impostos pelas tradições e pela igreja, responsabilizando o indivíduo por suas escolhas e seus valores (Beauvoir, 2016).

Para Beauvoir, apesar da liberdade que os seres humanos teriam para fazer suas escolhas, havia um constrangimento criado pela situação do meio em que viviam, que poderia favorecer ou impedir o exercício da liberdade para transformar o próprio mundo. Beauvoir, então, compreendeu que a opressão masculina sempre impedia o exercício dessa liberdade pelas mulheres, por reduzir sua função social à função biológica da reprodução da espécie, restringindo-lhes o seu espaço e tolhendo-lhes a possiblidade de escolha do próprio projeto de vida. O homem poderia se realizar a partir de suas escolhas, mas as mulheres tinham como única escolha a reprodução, a maternidade, a partir da sua condição biológica (Pardina, 2005).

Assim, o feminismo existencialista de Beauvoir constrói uma crítica ao “eterno feminino”, no qual afirma que o gênero da mulher é algo que foi imposto a ela e resume sua ideia na frase “não se nasce mulher, torna-se mulher” (Beauvoir, 2016, v.2, p. 11).

Para Beauvoir, não são os fatores biológicos, econômicos ou psicológicos que definem a apresentação da mulher na sociedade, mas o conjunto de normas sociais que moldam a mulher no que a autora define como “o outro”, intermediário entre o homem e o castrado, que qualifica o feminino.

Beauvoir manteve a dicotomia feminino e masculino, sendo o primeiro termo relativo às normas que a sociedade impõe sobre o comportamento da mulher – o “ser”

mulher – e o segundo relativo às normas sociais de conduta dos homens – o “ser”

homem. Para a autora, a emancipação feminina seria possível por meio da consciência da opressão, do acesso à educação e cidadania, para que as mulheres pudessem se libertar dos padrões impostos pela sociedade e tivessem o poder de escolher e construir sua própria existência.

Siliprandi (2009) considera que a descrição apresentada por Beauvoir em “O Segundo Sexo” sobre a construção social das diferenças sexuais deu subsídio para a conceituação do termo “gênero”, apropriado tempos depois pela teoria feminista.

No final dos anos 1960, o feminismo volta a se articular com acentuado caráter político (Cobo, 2018). O novo movimento buscou desenvolver teorias que explicassem

a origem da dominação masculina, as relações de poder nas famílias e a construção das subjetividades (Siliprandi, 2009).

Segundo Cobo (2018), o movimento feminista que se estabeleceu a partir dos anos 1970 foi denominado de feminismo radical e deu início a um processo de luta e conquista de direitos, baseando-se no princípio da igualdade. O feminismo radical é assim chamado não devido a posições extremistas, mas por buscar compreender a raiz da dominação masculina sobre as mulheres (Delphy, 2015).

As teóricas desse movimento buscaram mostrar o caráter político que existe nas relações intrafamiliares. Cobo (2018, p.35) cita Kate Millett como uma importante teórica da época que afirmou que “o pessoal é político”. Millett se referiu ao fato de que não seria somente o Estado, por meio das instituições políticas, nem a exploração econômica responsáveis pela subordinação das mulheres. Mas, também, a família patriarcal nas relações de poder e na divisão sexual do trabalho, que resultam em tarefas domésticas e reprodutivas executadas gratuitamente pelas mulheres. Costa e Sardenberg (2008) completam que, desse processo, se constata que os problemas cotidianos das mulheres, enquanto indivíduos, têm raízes sociais que atingem a todas e que, portanto, requerem soluções coletivas.

O feminismo radical apresentava como principal origem da desigualdade de gênero a teoria do patriarcado. Christine Delphy, importante feminista teórica da época, entende que o patriarcado consiste em um sistema de opressão das mulheres.

Para ela, o patriarcado é uma categoria de análise, pois se trata de um sistema político, e gênero é o que determina a divisão hierárquica. Em uma relação de poder, gênero e patriarcado poderiam ser sinônimos (Oliva, 2005).

Segundo Oliva (2005), Delphy considera “gênero”, “patriarcado” e “opressão das mulheres” originados do mesmo fenômeno. Oliva (2005) afirma que a luta feminista dos anos 1970 não reivindicava apenas uma “melhoria” da situação das mulheres por meio de programas sociais, mas buscava romper com a opressão das mulheres com o fim do patriarcado.

Delphy (2015) analisa o patriarcado no contexto rural. Ela aponta que o patriarca se torna dono da produção e dos meios de produção. A força de trabalho da esposa pertence ao patriarca, assim como a dos filhos. As atividades domésticas e de cuidado com a família não são remuneradas e nem valorizadas por consistir em uma atividade inerente ao sexo, na visão patriarcal. A produção dos bens com valores de troca, ou seja, remunerados, ficam sob a gestão do patriarca, mesmo quando há a

participação da mulher no processo produtivo. A hierarquia estabelecida na família patriarcal, determina a divisão dos trabalhos, o acesso à renda e a subserviência das mulheres e filhos ao chefe da família.

A partir do final dos anos 1980, novas reflexões feministas surgem no que Cobo (2018) denomina feminismo pós-moderno ou decolonial. Nesse movimento, o debate sobre gênero se acentua em torno da ideia de que não deve existir a dualidade sexo-gênero, raça-pertencimento étnico cultural, proletário-burguesia; considera a interseccionalidade, reconhece as sexualidades dissidentes. O feminismo decolonial propõe uma luta comum contra o capitalismo.

Nesse período, surgem duas grandes teóricas do feminismo: Joan Scott e Judith Butler. Joan Scott (1995) em sua obra “Gênero: uma categoria útil de análise”

se preocupou em conceituar o termo “gênero” a partir da historicidade. Para Scott, gênero é uma construção cultural e social sobre um corpo sexuado.

Judith Butler (2003) buscou identificar os problemas conceituais e teórico-metodológicos, propondo a liberação do corpo da prisão coercitiva do conceito binário homem-mulher, inclusive nas análises de gênero. Para a autora, há a necessidade de se romper com o paradigma da heterossexualidade, sob risco de restringir os estudos de gênero, negligenciando a existência de outros tipos de manifestações sexuais.

No século XXI, o feminismo incorpora a diversidade intelectual e política dentro do mundo globalizado, mantendo o debate em torno das ideias de igualdade e de liberdade e o reconhecimento de outros feminismos e suas origens culturais (Cobo, 2018). Segundo Cobo (2018, p. 35), todos esses feminismos apresentam em comum

“a consciência de que o capitalismo é a fonte de opressão inesgotável para as mulheres”.