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Análise tridimensional do discurso: texto, prática discursiva e

2.4 A Análise Crítica do Discurso (ACD): discurso, linguagem e ideologia

2.4.1 Análise tridimensional do discurso: texto, prática discursiva e

Destaca-se que a ACD trabalha com o conceito de discurso distribuído em três dimensões, a saber: texto, práticas discursivas e prática social. Mais detalhadamente, Fairclough (1991) argumenta que a prática textual concentra-se na descrição, a prática discursiva na interpretação e a prática social no domínio explicativo do fenômeno em análise. Portanto, há que se considerar que um ponto central da ACD é relacionar textos e práticas sociais, para abstrair os sentidos subjetivos e intersubjetivos da linguagem dos sujeitos. Na tentativa de melhor apresentar essa imbricação teórica, foi construída a Figura 1, que ilustra as categorias analíticas da ACD.

ACD

TEXTO PRÁTICA DISCURSIVA PRÁTICA SOCIAL Descrição Interpretação Explicação

Em termos conceituais, o texto e a prática social são dimensões micro e macro, respectivamente dos eventos discursivos, que são mediados pela prática discursiva. Em analogia à Teoria de Conjuntos, o texto está contido na prática discursiva, e essa última contida na prática social (RESENDE; RAMALHO, 2011). O texto, então, serve à prática discursiva como função de sentido, ao passo que está referendado em uma prática social permeada por relações hegemônicas e ideológicas. Nessa abordagem, reconhece-se a hegemonia como a configuração de práticas que naturalizam relações e ideologias específicas e que são, na sua maioria, práticas discursivas, e a ideologia como sustentáculo das relações de poder e de dominação na reprodução da ordem social, ou das ordens de discurso (FAIRCLOUGH, 2003).

Vale lembrar que esse movimento de detalhar e dividir as dimensões do discurso (textual, discursiva e prática) é ilusório, pois tem apenas uma função didática (FAIRCLOUGH, 2001), que consiste na operacionalização da análise diante da proposta da interferência discursiva na realidade e para promover as mudanças sociais defendidas por Fairclough (2003). Por se pautar em uma visão ontológica realista (embebida das orientações do Realismo Crítico de Roy Bhaskar), Fairclough (2003) assume que a realidade não pode ser reduzida ao conhecimento que temos dela, de tal modo que a análise do texto nunca é completa, é sempre seletiva e por essa razão, não é objetiva, pois há de se considerar também a subjetividade do analista no processo.

A prática discursiva como dimensão analítica é composta de fatores discursivos relacionados à produção (quem e o que produz e para quem); à distribuição (via quais mecanismos, a forma de organização); ao consumo (por quem e como é consumido); ao contexto em que se localizam os argumentos discursivos; com que força e coerência os enunciados são veiculados e a intertextualidade argumentativa do discurso. Cabe ressaltar que assim como Pêcheux, Foucault e Bakhtin, Fairclough também compreende as práticas

discursivas como a materialização da ideologia. Nas palavras do autor, ―a constituição discursiva de uma sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de uma prática social que está firmemente enraizada em estruturas sociais materiais, concretas, orientando-se para elas‖ (FAIRCLOUGH, 2003, p. 93). Assim, a prática social se refere aos aspectos ideológicos de sentido, pressuposições e metáforas e ao quadro ideológico que preconiza as relações macroestruturais econômicas, sociais, políticas, culturais e ideológicas (RESENDE; RAMALHO, 2011).

Na prática social o discurso se apresenta como ação, representação e identificação. A ação corresponde aos gêneros discursivos que constituem sentido prático, a representação consiste no discurso produzido e a identificação representa os estilos de linguagem verbal e não verbal. Ressalta-se que o discurso é o elemento mediador entre o texto per se e seu contexto social (eventos sociais, práticas sociais, estruturas sociais). Assim, ―gêneros, discursos e estilos podem ser ―mesclados‖, articulados e texturizados juntos, de formas particulares‖ (FAIRCLOUGH, 2003, p. 37).

Conforme ilustradas, as categorias (texto, prática discursiva e prática social) orientam análises em profundidade na compreensão de fenômenos sociais, por meio da interdiscursividade e da intertextualidade dos aspectos subentendidos do discurso, ou seja, dos aspectos não ditos, tal como destaca Fairclough (1991). Sobre a intertextualidade é necessário esclarecer que essa representa o diálogo entre vários textos, uma vez que se reconhece a polifonia de vozes e de significados. Já a interdiscursividade representa o diálogo entre discursos e formações discursivas, considerando as múltiplas e polissêmicas vozes que integram um dado discurso. No que se refere à formação discursiva, do mesmo modo que Foucault, Fairclough a descreve como um processo que cria um determinado conceito sobre o que deve ser pensado, feito e dito em uma dada formação ideológica, situada em um contexto específico.

Ainda, conforme Fairclough (2003), a análise da intertextualidade favorece a compreensão das vozes e da linguagem que representam os grupos e as identidades sociais - linguagem como parte irredutível da vida social, dialeticamente relacionada a outros elementos sociais, como a própria prática. Assim, o discurso é uma prática social que, articulado à linguagem, produz significados. Isso porque a orientação teórico-metodológica da ACD defende que a linguagem não é uma prática puramente individual, ela é também coletiva, pois na linguagem as pessoas se apropriam de discursos de outrem e transformam tais discursos em práticas sociais (RESENDE; RAMALHO, 2011). Por essas especificidades, a orientação metodológica da ACD permite uma análise em profundidade dos elementos subjetivos e intersubjetivos dos sujeitos, bem como as dissonâncias semânticas entre a linguagem e a prática social dos mesmos.

Dados os conceitos básicos referentes ao significado de discurso para ACD, têm-se complementarmente outros aspectos importantes. Destacam-se os gêneros discursos - que colaboram no entendimento das estratégias de organização do discurso; os estilos discursivos - que tratam sumariamente da identidade discursiva e; as modalidades discursivas - que dizem respeito ao comprometimento e avaliação dos enunciadores do discurso. Fairclough (1991) orienta que os gêneros discursivos são trajetórias para a construção do sentido discursivo como uma imagem emoldurada em interações sociais.

Para o referido autor, um mesmo discurso pode apresentar diversas tipologias de gêneros discursivos para alcançar determinado efeito de sentido. O gênero consiste na moldura do discurso e de seus argumentos. Dessa forma, a organização e os recursos textuais são aspectos relacionados ao gênero, ou seja, esse último diz respeito à estrutura organizativa dos argumentos ou narrativas no texto e os recursos conectivos que são utilizados para promover sentido ao discurso (FAIRCLOUGH, 1991). Esse conceito enriquece o corpus teórico e

delimita uma trajetória didática para compreender os estilos e modalidades no discurso. O estilo, como indica Fairclough (1991), pode ser conceituado como a denominação dada a determinado gênero discursivo, ou seja, enquanto o gênero configura como a organização estrutura os argumentos discursivos, os estilos consistem na nominação dessas características.

A modalidade no discurso, assim como os conceitos anteriores, tem a função de fazer uma identificação contextual do discurso, referindo-se à maneira pela qual o autor se compromete com aquilo que é verdadeiro e necessário, desejável e indesejável, bom ou ruim. Segundo Fairclough (1991), a modalidade está contextualizada historicamente e pode sofrer transformações em função das relações de sentido envolvidas, como a transformação de um discurso no qual o enunciador toma uma posição de defesa de uma ideia e, em outro momento, contraria ou se abstém dessa postura. Essas mudanças podem gerar impactos discursivos significativos. As mudanças de modalidade podem estar contidas em pequenas mudanças de vocabulário, de reposicionamentos e intensidade de uma mesma mensagem, mas objetivando efeitos de sentido extremamente distintos. Assim, a finalidade desse conceito se configura como um elemento orientador, para identificar como estruturas e argumentos discursivos idênticos possuem efeitos de sentido diferentes ou, também, como argumentos e estruturadas díspares podem caminhar para o mesmo efeito de sentido.

Essa concepção orienta a noção de efeitos constitutivos do discurso, relacionados com três dimensões, quais sejam: (i) a dimensão do discurso como elemento constituinte de identidades sociais, posições de sujeito e sujeitos sociais; (ii) a dimensão do discurso como uma função relacional que constrói as relações sociais entre os indivíduos; e (iii) a dimensão do discurso como uma função ideacional que engendra sistemas de conhecimento e de crenças (ORLANDI, 2001).

Nesta tese, foram esses elementos teóricos da ACD como o discurso, a linguagem e a ideologia, bem como a noção de texto, prática discursiva e prática social, que orientaram a compreensão em torno do trabalho docente. Destarte, a orientação epistemológica da ACD, permitiu questionar o conhecimento apreendido como representação mental, abrindo espaço para compreendê-lo como uma prática social, na qual a linguagem cumpre papel principal, pois ela é o meio pelo qual os indivíduos expressam a sua forma de estar no mundo e no trabalho (SCHWANDT, 2006). Ademais, assume-se que a proposta analítica de Fairclough não é absoluta, uma vez que para o autor, a ACD pode servir de complemento ou suplemento, não de substituto para outras formas de pesquisa e análise social. Em outros termos, há necessidade de se conjugar a ACD com outras metodologias. Note-se que a proposta feita nesta tese segue tal orientação e articula essa vertente com as concepções teórico-metodológicas da PDT e da SC, articulações essas apresentadas no percurso teórico-metodológico da pesquisa.