• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 ASPECTOS INTRODUTÓRIOS

1.4 Justificativas

A escolha desta temática se deve ao fato de se considerar que a discussão acerca do trabalho de professores universitários do ensino superior público é relevante no contexto atual. Primeiramente, porque o trabalho exerce um importante papel na vida pessoal e nas relações sociais, bem como na ordenação da vida em sociedade (GRISCI; BESSI, 2004; SCHWARTZ, 1998). Também, porque o campo de investigação do trabalho docente vem crescendo em função da evidente precarização do ofício, das mudanças no contexto social com a ideologia gerencialista e do aumento significativo de doenças provenientes dessa prática de trabalho. Ademais, constata-se a necessidade de compreensão desse fenômeno com base em uma perspectiva discursiva.

Outro fato que justifica os interesses de pesquisa aqui descritos é o crescimento exorbitante do ensino superior no Brasil, nos últimos anos, juntamente com a abertura de vagas para novos profissionais da educação. Destaca-se que esse crescimento ficou ainda mais notório com o assentamento da NGP e sua ideologia gerencialista que favoreceu a construção de várias

políticas de expansão da educação, dentre essas o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Públicas Federais (REUNI), do Governo Federal. Com a instituição do REUNI, a pretexto de democratizar o acesso ao ensino superior público, assistiu-se à intensificação de problemas institucionais e estruturais de ordem econômico-financeira nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES), bem como à precarização das condições de trabalho dos docentes.

No caso dos cursos superiores de Administração, verifica-se um aumento significativo do número de matrículas no país, tanto de cursos presenciais como a distância. O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) registrou, em 2011, no censo do ensino superior, que a área de gestão contou com 1.279.297 de matrículas totais, posicionando o curso de Administração no topo do ranking dos cursos mais procurados do país. Os dados do censo revelam que há um total de 307.815 professores no ensino superior do país, sendo 36% mestres e 27% doutores (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA - INEP, 2011).

Conforme Lima (2012), essa expansão do ensino superior tem refletido na mercantilização do ensino e consequente precarização das condições de trabalho dos professores. Acresce-se a isso, o aumento significativo das exigências institucionais para provimento da profissão do professor universitário e, ainda, as constantes pressões por qualificação, eficiência, competência e produtividade (BASTOS, 2007; FREITAS, 2007), instituídas com a emergência do gerencialismo no setor público. Por exemplo, o INEP, além de desenvolver avaliações periódicas da educação superior estabelecendo os critérios para uma melhor regulamentação e funcionamento por meio do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) e do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (SINAES), também realiza avaliações das competências do

corpo docente das instituições públicas e privadas, estabelecendo critérios a serem seguidos. A própria Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), também, regulamentam a profissão docente estabelecendo critérios produtivistas para ascensão na carreira.

Ocorre que o sistema capitalista vive um novo padrão de ganho e acumulação de riquezas decorrentes dos intensivos progressos tecnológicos, da globalização da economia, da reestruturação produtiva, das novas formas de relação entre o Estado e a Sociedade, bem como das modernas formas de organização gerencial do trabalho. Nessa nova configuração, o trabalho dos professores universitários, em seu conjunto de funções, ultrapassa os limites basilares do exercício da profissão docente, pois, além de atuarem como educadores, ainda atuam como orientadores, pesquisadores, coordenadores, gestores de ensino, dentre outras atividades.

Sob esse aspecto, Zabalza (2004) preceitua que conhecer bem a própria disciplina é uma condição fundamental, mas não é o suficiente para cumprir com os requisitos institucionais do formato de organização gerencial do trabalho docente, haja vista que este envolve vários tipos de conhecimentos e competências específicas. Por esse e outros motivos, é que se torna imperiosa a proposta de compreender o trabalho desses profissionais baseado em suas práticas discursivas e sociais. Em especial, porque a profissão docente tem sido considerada como uma das atividades mais estressantes, conforme indica a Organização Internacional do Trabalho - OIT (1984). Ocorre que as políticas para a Educação Superior Pública, implementadas na última década, sob os auspícios da ideologia gerencialista, desencadearam estágios intensos de estresse, sofrimento e adoecimento nos docentes.

Pesquisas diversas também sugerem que o fomento ao produtivismo e à competitividade, estimulado, sobretudo, pela CAPES e pelo CNPq, estão

gerando adoecimento mental nos professores. Por exemplo, uma pesquisa realizada na Universidade Federal do Pará (UFPA) revelou que uma taxa de 14,13% do percentual de afastamento de professores da universidade, entre 2006 e 2010, esteve relacionada a problemas com a saúde mental. Sem mencionar os casos de Lesão por Esforço Repetitivo (LER), Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), disfonia, lombalgia, cefaleia, entre outras patologias relacionadas ao trabalho. Segundo a Coordenadoria de Vigilância à Saúde do Servidor da PROGEP, em 2013, 30 dos 2.520 professores da UFPA se afastaram por motivos de saúde mental, o equivalente a 1,19% do total de docentes da instituição.

Outro exemplo é o estudo desenvolvido pelo Núcleo de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR), que pesquisou mais de 18 mil professores, entre 2012 e 2013, com o intuito de comprovar, por meio de método científico, o atual sofrimento mental dos professores da rede pública em decorrência das condições de trabalho. Dos 7 mil professores do ensino superior, 66% adquiriram algum tipo de doença mental em virtude do trabalho, mais especificamente 30% apresentaram depressão, 28% problemas de voz, 17% problemas de coluna; 8% problemas respiratórios e 17% outras patologias. Demais estudos de mesma natureza estão sendo realizados em diversas localidades do Brasil e em diferentes universidades e o foco recai sobre os estresses na profissão do professor e o desencadeamento, cada vez mais evidente, de patologias resultantes do trabalho.

Assim, o estudo apresentado nesta tese se justifica, em primeira instância, pela necessidade de discussões acadêmicas mais aprofundadas acerca do trabalho docente, discussões que perpassem pelas diferentes dimensões dessa profissão, incluindo a compreensão dos significados, das concepções simbólico- discursivas, das experiências subjetivas, dos prazeres/sofrimentos e das patologias decorrentes dessa atividade profissional. Ressalta-se que compreender

o discurso e as dimensões do trabalho pressupõe pensá-lo como essencial à vida humana. Em segunda instância, é plausível a iniciativa de congregar esforços rumo a novos esclarecimentos acerca do trabalho de professores universitários, atuantes no campo da Administração, haja vista o contexto contemporâneo de influências e mudanças discursivas.

Em termos teóricos, esta tese aprofunda-se nos conceitos de discurso, de trabalho, de prazer-sofrimento, de psicodinâmica e de patologia, para fomentar a discussão acerca do trabalho docente. Nesse quesito, a investigação proposta não apresenta grandes inovações, pois se apropria dos conceitos teóricos já construídos. Todavia, a compreensão do trabalho docente, por meio de uma perspectiva discursiva, revela informações importantes para complementar os estudos desse campo de investigação. Ademais, a proposta de compilação teórica entre a PDT, SC e ACD se revela como uma das contribuições desta tese, haja vista que apresenta as aproximações teórico-metodológicas dessas vertentes como possibilidades ontoepistêmicas para pesquisas em Administração.

Pretende-se aqui dar visibilidade ao trabalho do professor universitário atuante no campo da Administração, no sentido de apresentar as especificidades e particularidades dessa atividade laboral. Portanto, em termos empíricos o estudo dá voz ao professor, permitindo que ele exponha seus sentimentos, experiências, concepções discursivas e percepções em relação ao trabalho que desempenha, abrindo espaço para que ele mencione sobre os significados, os prazeres, os sofrimentos e as patologias decorrentes de sua atividade. Ademais, o estudo permite que o professor se posicione a respeito do trabalho prescrito e da sua realidade prática, resgatando sua trajetória profissional e suas experiências objetivas e subjetivas. A riqueza das informações poderá, inclusive, apontar caminhos para o desenvolvimento de mecanismos mais inteligentes de gestão do trabalho e para o estabelecimento de políticas públicas educacionais acerca do ofício docente, bem como suscitar novos questionamentos sobre o trabalho

docente e repensar as interrelações entre subjetividade, trabalho e saúde e entre discurso, ideologia e relações de poder.

A contribuição mais efetiva deste estudo no campo da Administração é compreender o processo, a natureza e a gestão do trabalho docente com um olhar substantivo e reflexivo, haja vista o foco no discurso e nas práticas discursivas e sociais. Ressalta-se, ainda, que ao buscar apreender os significados, os prazeres, os sofrimentos e as patologias do ofício, este estudo se diferencia da maioria das pesquisas no campo da Psicologia, pois não focaliza o diagnóstico de adoecimentos, nem tampouco a forma de tratamento, mas a percepção que o próprio sujeito tem do seu trabalho e das patologias, sofrimentos e prazeres a ele relacionados. Nessa acepção, a presente tese avança nas explicações sobre o trabalho prescrito de professores universitários do ensino superior público, dando visibilidade à realidade concreta de trabalho desses profissionais sob a ótica das práticas discursivas e sociais dos docentes.