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CAPÍTULO 3 PERCURSO TEÓRICO-METODOLÓGICO

3.5 Estratégias de coleta dos dados

É premente destacar que a estratégia metodológica inicial era desenvolver uma etnografia em uma IFES do estado de Minas Gerais, pois se almejava adentrar na realidade de trabalho dos docentes e acompanhar suas rotinas, seu dia a dia e seu cotidiano e, assim, submergir na cultura, no não dito, no subjetivo, nos detalhes desse trabalho para melhor compreendê-lo em sua dimensão discursiva, prescrita e real. Para tanto, foram contactados alguns professores universitários da instituição escolhida. Nos primeiros contatos via e- mail e pessoalmente, o grupo de professores atuantes no campo da

Administração foi informado sobre os interesses da pesquisa. Nessa fase, sete professores demonstraram empenho em contribuir e se disponibilizaram a fornecer entrevistas para a realização da pesquisa. Entretanto, ao serem informados sobre o interesse em acompanhá-los em suas rotinas, muitos se esquivaram. Não houve abertura, por parte desse grupo de professores para a realização da etnografia. Assim, realizaram-se outros contatos com professores de outra instituição e ocorreu que eles também não se disponibilizaram a participar desse formato de pesquisa.

Ao constatar isso, a pesquisadora buscou conversar informalmente com professores universitários de seu ciclo de relacionamento para saber a opinião deles sobre ser pesquisado em seu dia a dia de trabalho. Muitos alegaram que não topariam participar de uma etnografia, pois se sentiriam intimidados, outros alegaram que ficariam constrangidos. Em face dessa dificuldade, optou-se por trabalhar com outras orientações metodológicas que, assim como a etnografia, permitiria adentrar-se nos aspectos subjetivos do trabalho docente e compreender suas nuances apoiada na ACD, PDT e SC.

Desse modo, adotou-se como estratégia de coleta de dados a entrevista em profundidade (por meio de um roteiro), a observação sistemática de campo relatada em diário e a análise documental. Esclarece-se que, por orientar-se pelas perspectivas teórico-metodológicas da PDT, da SC e da ACD, o processo de coleta de dados envolveu, então, a pesquisa de campo, a observação clínica como um espaço de escuta e a leitura contextual, textual e discursiva das falas dos professores entrevistados. Ao iniciar o processo de coleta, foi devidamente informado aos docentes sobre a garantia de sigilo de suas identidades e esclarecidos os objetivos do estudo.

É importante ressaltar que, antes disso, foram realizadas entrevistas informais com professores do ensino superior público da rede de relacionamentos da pesquisadora. O intuito foi amadurecer os interesses de

pesquisa. As conversas, mesmo que informais, foram essenciais para as definições da presente proposta e permitiram reforçar a importância de um estudo mais aprofundado sobre o trabalho docente. Buscou-se, ainda, conversar com alguns psicólogos sobre a orientação da psicodinâmica, o que permitiu alguns esclarecimentos sobre essa vertente teórica e a redefinição dos instrumentos de coleta de dados.

Concomitantemente realizou-se um pré-teste para a validação do roteiro de entrevista. Uma das entrevistas do pré-teste foi aplicada via Skype, com um professor colaborador de uma IFE de Minas Gerais. A outra entrevista do pré- teste aconteceu presencialmente em outra IFE de Minas Gerais. A partir dessa experiência, foram empreendidos ajustes no roteiro e nas estratégias de coleta dos dados, pois percebeu-se a necessidade de as entrevistas serem realizadas presencialmente e com o auxílio da observação sistemática de campo, para diagnosticar por meio da prática discursiva, as concepções simbólicas, as experiências subjetivas e os discursos e interdiscursos dos docentes.

Durante esses momentos empíricos, realizaram-se as observações e as anotações em diário de campo e, assim, decorreu o processo investigativo. Na primeira e na segunda instituição pesquisada, as entrevistas aconteceram no próprio campus universitário, nas salas dos professores participantes. Já, na terceira instituição, alguns professores concederam as entrevistas em suas salas, enquanto os outros preferiram realizar o processo investigativo em suas casas. E, assim, foram pesquisados seis docentes da IFES 1, cinco da IFES 2 e sete da IFES 3, totalizando dezoito professores abordados. Entretanto, após o período de coleta, uma das entrevistadas da IFES 3 solicitou que a pesquisadora desconsiderasse a entrevistada concedida. Acredita-se que essa professora sentiu-se incomodada com as revelações que fez sobre o seu trabalho, e/ou temeu os resultados do estudo e possíveis desconfortos, mesmo apesar da

garantia de sigilo de sua identidade. Nesse caso, a análise foi centrada nas dezessete entrevistas validadas.

Para a condução dessas, adotou-se um roteiro (ver apêndice A), contendo cinco blocos de questões, que versaram sobre: (i) a trajetória socioprofissional dos docentes e suas dimensões ideológico-discursivas e sócio- históricas; (ii) as concepções discursivas, simbólicas e subjetivas do trabalho e a produção de significados e discursos; (iii) a organização do trabalho nas instâncias reais e prescritas; (iv) os prazeres e os sofrimentos; e (v) as estratégias de enfrentamento e propensão ao desenvolvimento de patologias. Ressalta-se que as entrevistas foram previamente agendadas, gravadas em áudio com o consentimento dos participantes e, posteriormente, foram transcritas na íntegra, com duração média entre 1 a 2 horas e 30 minutos. Durante a transcrição, optou- se por enumerar os agentes do discurso para facilitar a organização e o reconhecimento das narrativas no processo analítico. Assim os professores foram denominados de interlocutor 01, interlocutor 02... interlocutor 17.

De acordo com Fairclough (2001), durante o processo, emergem elementos essenciais do discurso, como a linguagem, a fala, a entonação, as pausas e os momentos de silêncio. Portanto, durante a fala dos entrevistados, a pesquisadora permaneceu em processo de escuta e observação, fazendo as anotações necessárias no diário de campo. Esforçou-se para criar um espaço discursivo-dialógico que permitisse ao entrevistado resgatar suas memórias, lembranças, experiências e concepções discursivas e de linguagem (verbal e não verbal) sobre seu trabalho, de modo a compartilhá-las no ato da investigação.

Conforme destaca Abrahão (2006), resgatar a memória é um exercício singular que permite ao sujeito transitar entre o presente e o passado e reconstruir fatos, discursos e práticas por meio das memórias que traz consigo. Além do mais, ao narrar uma memória, o sujeito poderá produzir outros discursos e significações para os fatos vividos transformando-se a partir da

narrativa. Narrar é mais que reviver o passado discursivo-ideológico, é, sobretudo, um ato de criação, de construção de novas possibilidades: ―Evoca, dá voz. Faz falar, diz de novo o conteúdo de suas vivências. Enquanto evoca, está vivendo atualmente e com uma intensidade nova a sua experiência‖ (BOSI, 2003, p. 45). Por isso, os entrevistados foram convidados a narrarem suas trajetórias socioprofissionais em suas práticas discursivas.

Paralelamente a essa estratégia de coleta de dados, foram realizadas, no trabalho de campo, observações sistemáticas do comportamento dos entrevistados e do cotidiano de seu trabalho. O foco da observação recaiu sobre o dia a dia na universidade (a sala de aula e demais rotinas, reuniões, atendimento de alunos); bem como sobre as conversas de corredores, a dinâmica, as relações sociais entre os agentes e demais elementos da realidade concreta de trabalho. Juntamente com a observação, realizaram-se pesquisas em documentos, em sites de agência de fomento à pesquisa científica, em editais e demais fontes que regem a profissão docente para ajudar na compreensão da organização prescritiva desse modo de trabalho. Ao compilar essas várias estratégias de coleta de dados, foi possível extrair informações valiosas sobre o trabalho docente e estabelecer os mecanismos de análise que permitiram atingir os objetivos do estudo.