• Nenhum resultado encontrado

Aspectos essenciais da Psicodinâmica do Trabalho (PDT)

2.2 A Psicodinâmica do Trabalho (PDT) – compreendendo as interfaces entre a

2.2.1 Aspectos essenciais da Psicodinâmica do Trabalho (PDT)

A PDT ―é antes de tudo uma clínica‖, como ressalta Dejours (1992), uma vez que busca compreender os aspectos psíquicos e subjetivos que são mobilizados pelos trabalhadores na sua relação com a organização do trabalho (HELOANI; LANCMAN, 2004, p. 82). Indubitavelmente a PDT concebe o trabalho como um elemento integrador e central na construção da saúde e da identidade das pessoas, principalmente, porque transcende o tempo da jornada de trabalho propriamente dita e se estende para toda a vida social (DEJOURS; ABDOUCHELI; JAYET, 1994). Ademais, a psicodinâmica se mantém aberta ao diálogo interdisciplinar.

Todavia, em função de suas características específicas, é intitulada clínica do trabalho, pois enfatiza o estudo de campo como condição necessária para as investigações sobre saúde mental e as situações concretas de trabalho. Afirmar que a PDT é uma clínica implica dizer que ―a fonte de inspiração é o trabalho de campo e que a toda a teoria é alinhavada a partir deste campo‖ (DEJOURS, 1996, p. 137).

Além de enfocar a psicodinâmica como uma clínica, Dejours (2001) a define como uma teoria das relações entre subjetividade e trabalho, situando-a como uma antropologia relativa à centralidade do trabalho na vida humana. Porquanto, em termos ontoepistêmicos, a psicodinâmica se afirma como uma teoria crítica do trabalho, à medida que questiona a rígida prescrição de tarefas

(MENDES, 2007). A autora pontua, inclusive, que essa vertente focaliza o trabalho como processo de subjetivação e o trabalhador como organismo de engajamento, resistência, dominação e transformação da realidade social.

Um aspecto essencial da PDT é que essa abordagem busca viabilizar a compreensão contemporânea do trabalho e da subjetividade, vislumbrando entender como os trabalhadores conseguem alcançar o equilíbrio psíquico, mesmo estando submetidos a condições de trabalho desestruturantes (DEJOURS, 1996). Essa vertente dá condição aos trabalhadores de expressarem sua voz e seus sentimentos em relação às contradições do contexto de trabalho, que respondem por grande parte das causas geradoras de prazer e sofrimento (DEJOURS, 1992). Por esse motivo, é um método de pesquisa e de ação que consiste em um espaço de escuta e de reflexão da relação do sujeito com o seu trabalho (SILVA; MENDES, 2012), sendo, pois, uma das abordagens que sustentam a proposta de pesquisa aqui apresentada.

Na tentativa de se avançar nessa discussão, Macedo e Fleury (2012), com base nos trabalhos e premissas de Dejours, destacam os fundamentos da Psicodinâmica do Trabalho, dispostos no Quadro 6:

Bases Campo Foco

Psicanálise; Psicossomática e Psicanalítica; Ergonomia franco-belga; Sociologia do trabalho; Sociologia política; e

Psicologia do trabalho francesa.

Investigação das formas de sofrimento, seu conteúdo, sua significação

e seus processos defensivos.

A relação dos homens com a organização do trabalho, enfatizando

os coletivos.

Quadro 6 Os fundamentos da PDT

Fonte: Macedo e Fleury (2012, p. 225).

Conforme explicitado, a PDT além de investigar as formas de sofrimento no trabalho, compreende as estratégias e os processos defensivos desenvolvidos pelos trabalhadores, fornecendo um olhar diferenciado do mundo

do trabalho, pois em vez de focar a investigação na patologia (como sugere a Psicopatologia), essa abordagem privilegia a investigação sobre a normalidade.

Ocorre que Dejours, em seus trabalhos de campo, deparou-se com um ―estranho silêncio‖, pois, ao encontrar os ―ruídos‖ do que ele denominou de loucura do trabalho, defrontou-se com um estado de normalidade. E, conforme denuncia Dejours (1996, p. 152), assiste-se a uma reviravolta epistemológica em que a normalidade aparece como um elemento enigmático, mais propriamente como ―um equilíbrio precário (equilíbrio psíquico) entre constrangimentos do trabalho desestabilizantes, ou patogênicos, e defesas psíquicas‖.

Nesse ínterim, Dejours (1996) chama a atenção para ―o quê‖ se constitui como normalidade, alegando que não se pode confundir estado de normalidade com estado de saúde, pois se a normalidade pode refletir em equilíbrio e saúde, de mesmo modo pode representar sintomas de estado patológico. Especificamente, esse sintoma aparece quando já não é mais possível controlar o sofrimento e se perde o equilíbrio no trabalho. E, de acordo com Dejours, nada tem de normal nisso, pois a palavra não pode ser reduzida a um sinal, uma vez que o comportamento é que deve ser visto como sintoma, constituído de deslizes e de sobreposições de sentido (LANCMAN; UCHIDA, 2003). Destarte, a normalidade é ―uma conquista mediante uma luta feroz entre as exigências do trabalho e a ameaça de desestabilização psíquica e somática‖ (DEJOURS, 1999, p. 19). Essa compreensão complementa a abordagem psicodinâmica e traz luzes para os resultados desta tese.

Continuamente, Dejours aponta que os eixos centrais da PDT se referem à construção da identidade do trabalhador, ao compromisso entre sofrimento e defesa, à sublimação como estratégia de enfrentamento, à racionalidade prática e ainda à preocupante alienação social (BUENO; MACÊDO, 2012). Silva e Mendes (2012) sintetizam estes eixos em: 1) organização do trabalho; 2) mobilização subjetiva; e 3) sofrimento, defesas e patologias.

Complementa Alderson (2004) que a PDT tem como premissa três aspectos básicos: (1) os sujeitos buscam a autorrealização por meio do trabalho; (2) na relação com o trabalho eles procuram suprir a lacuna entre o prescrito e o real; (3) e ainda carecem de reconhecimento por parte de seus pares, pois aspiram a desejos de julgamentos positivos acerca do que desempenham. Ademais, a PDT promove o entendimento sobre o interesse pela ação e a defesa de uma teoria do sujeito, demonstrando preocupação com o individual e com o coletivo em situações de vulnerabilidade no trabalho.

Conforme destacou Dejours (1987), o direcionamento da PDT não é individual, mas coletivo, pois ao buscar diagnosticar o sofrimento psíquico em situações de trabalho, a análise psicodinâmica não se volta para atos terapêuticos isolados, mas para situações coletivas de trabalho às quais os indivíduos estão submetidos. Ainda sob a lente de Dejours (1993), os trabalhadores não apresentam comportamentos passivos em relação às exigências e conflitos do trabalho. Muito pelo contrário, eles demonstram capacidade de estabelecer estratégias de enfrentamento aos efeitos nefastos, negativos e patológicos à saúde mental, construindo sistemas defensivos, fundamentalmente coletivos (MERLO, 2002).

A PDT tem também, por referência fundamental, os conceitos ergonômicos de trabalho prescrito e de trabalho real que orientam a construção da identidade do trabalhador e conduzem ao tão requerido estágio de sublimação. Dejours (1987), ao apresentar a noção de sublimação, descreve que esse estágio caracteriza o momento em que o trabalhador questiona a dominação e a alienação no trabalho. Em termos discursivos e ideológicos, significa um resultado de uma negociação bem sucedida entre desejos inconscientes do sujeito e a realidade (MENDES, 1995).

Adicionalmente, alguns desafios se impõem à abordagem psicodinâmica como, por exemplo, a prescrição de ações que favoreçam: (a) a transformação do

sofrimento em criatividade que, por sinal, conduz às vivências de prazer no trabalho; (b) o fortalecimento do psiquismo e consequente promoção da saúde física e mental; e (c) a construção da identidade profissional, bem como a condição de subjetivação no trabalho (DEJOURS, 2007; MENDES, 2007). Esse processo de subjetivação é compreendido por Mendes (2007) como a própria atribuição de sentido ao trabalho, expressa na relação do trabalhador com a sua realidade e nas suas formas de agir e pensar.

Pelo exposto, a abordagem psicodinâmica se inclina para os estudos dos prazeres, sofrimentos e patologias do trabalho e, ainda, para as ações e estratégias defensivas. Centra-se nos estudos das patologias sociais como a banalização do sofrimento, a servidão no trabalho, a depressão, a violência simbólica e moral, a exclusão, a servidão voluntária, o alcoolismo, os distúrbios osteomusculares, as síndromes e, inclusive, a ocorrência de suicídio no local de trabalho (MENDES, 2007; SANTOS; SIQUEIRA; MENDES, 2010b). A psicodinâmica se envolve ainda com a mobilização subjetiva e com as estratégias que o indivíduo utiliza para manter a normalidade em sua relação com o trabalho. Assim, o objetivo dessa abordagem científica é o estudo das relações dinâmicas entre a organização do trabalho e os processos de subjetivação que se manifestam nas vivências de prazer-sofrimento, na saúde e no adoecimento. Por esses condicionantes é que essa abordagem teórica embasa as discussões aqui empreendidas.