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2.1 O trabalho – contexto sócio-histórico e desafios na contemporaneidade

2.1.2 O trabalho na contemporaneidade

Nos dias atuais, em pleno século XXI, observa-se um movimento vertiginoso de processos que corroboraram para uma mudança discursiva e social mais significativa do trabalho em termos de concepções discursivas, sentidos e significados. Dentre os tantos processos, podem ser citados os impactos da reestruturação produtiva, as terceirizações, privatizações, queda do emprego vitalício e pleno emprego, aumento do trabalho informal, mudança nos contratos de trabalho, flexibilização, padronização e exigências por competência e capacitação profissional. Parte dessas transformações sociais foi assistida no palco do século XVIII, com a revolução industrial, com o desenvolvimento de unidades produtivas e com o surgimento de entidades representantes dos direitos dos trabalhadores, os chamados sindicatos (POCHMANN, 1999). A partir da revolução industrial, entrou em cena um novo contexto do trabalho e novos desafios têm emergido conforme padrões de especialização, concretizando uma série de exigências para o trabalhador moderno nas mais diversas profissões.

Concomitantemente, uma lógica de instabilidade e imprevisibilidade fez com que o trabalho, antes tido como para a vida toda, adquirisse um caráter de transitoriedade (GRISCI, 2002). Com efeito, pode-se observar a reestruturação de organizações em conformidade com as exigências de produtividade, agilidade e capacidade de inovação, compondo fatores capazes de modificar as relações entre organizações e entre empregadores e empregados, individual e coletivamente (BECKER; GERHART, 1996).

Desterritorização, virtualização, flexibilização e despadronização, representam outra mudança, caracterizando novos significados de trabalho nos tempos modernos (KALLINIKOS, 2003). Com isso, alteraram-se as concepções discursivas e as práticas de trabalho, o perfil das ocupações, o emprego e a renda; alteraram-se as identidades políticas e ideológicas do trabalho, as imagens

e o próprio sentido do trabalho; alteraram-se as relações entre capital e trabalho e entre trabalho e consumo. Alteram-se as exigências dos trabalhadores, e a eles são compelidas características de maleabilidade, criatividade, flexibilidade, adaptabilidade e resiliência (KALLINIKOS, 2003; LANCMAN; UCHIDA, 2003).

Alguns autores advogam que as mudanças no contexto do trabalho foram positivas no sentido de permitir maior autonomia para os trabalhadores e melhores condições para o exercício das atividades laborais. Outros, porém, salientam o surgimento de modos sutis de controle do trabalho humano e controle da subjetividade. Por exemplo, Gaulejac (2007) defende que essa lógica contemporânea de gestão do trabalho ultrapassa os moldes de controle disciplinares descritos por Foucault, formatando um ―modelo gestionário flexível que pretende seduzir o corpo e a alma, envolver a psique e orientá-la para a capitalização das empresas‖ (GAULEJAC, 2007, p. 110). Para o autor, o mecanismo de gestão que organiza o trabalho humano na contemporaneidade prescreve modelos de comportamento e condutas que formatam uma espécie de ―cultura corporativa‖ que atua no sentido de mobilizar as subjetividades dos trabalhadores, para desenvolver um ―modelo ideal de trabalhador‖, adequado às exigências da nova ordem econômica. Concorda-se com Gaulejac (2007), pois se trata de um movimento que ultraja a subjetividade individual em prol da construção de uma subjetividade coletiva que supervaloriza um perfil de profissional polivalente, criativo, flexível com capacidade de tomar decisões inteligentes para a manutenção da lógica de mercado instituída pelo capitalismo financeiro dos dias atuais.

Trata-se de um discurso assentado na lógica utilitarista de resultados e na ótica de uma racionalidade instrumental, evidenciado, principalmente, a partir de 1990 com os imperativos da alta performance e da excelência da ideologia gerencialista (AUBERT; GAULEJAC, 2007). De acordo com estes autores, essa

ideologia permeia as relações do indivíduo com o seu trabalho nas organizações contemporâneas, inscrevendo-se como continuação da ―ética protestante‖ desenvolvida por Max Weber (1947/1999) e formatando novas concepções discursivas e novos significados para o trabalho.

Impregnada por discursos de competitividade, agressividade, concorrência, competência e pela necessidade de vencer a qualquer preço, a ideologia gerencialista produz o homem ―managerial" (homem gerencial), subsumido ao seu trabalho e aos valores organizacionais para escapar do vazio social, à ausência de referências, à falta de sentido de assim assegurar, por meio da carreira, a consagração de sua existência terrestre (AUBERT; GAULEJAC, 2007). Gaulejac (2007, p. 237), ainda, afirma que embora o trabalho seja, nos dias de hoje, o lugar onde o indivíduo acredita que irá encontrar segurança, autonomia e as bases sociais para existir socialmente, ele é apenas o meio e não o fim em si dessa existência social, pois ―o trabalho é um meio de subsistência, e não a finalidade da existência‖, apesar de central e singular.

Nessa discussão, Enriquez (2001) problematiza os efeitos nefastos dos discursos ideológicos do modelo gerencial no mundo do trabalho contemporâneo, enfocando que algumas de suas consequências no plano social têm sido a dissolução do vínculo social, o enfraquecimento dos movimentos sociais, a exclusão social, a competição exacerbada, a diminuição das lutas sindicais, e a supervalorização das organizações. Já, no plano individual, as consequências são ainda mais devastadoras, pois é impelido ao indivíduo idealizar a organização da qual faz parte, integrar-se e colocar os valores organizacionais acima de seu próprio ideal de ego e de sua subjetividade. Juntamente com esses autores, assume-se que a ideologia gerencial trouxe modificações estruturais na forma de organização do trabalho, afetando os significados envoltos nas práticas dos trabalhadores.

Complementa Dejours (2006) que os modos contemporâneos de trabalho usurpam os trabalhadores à custa de alienação e injustiça social. Para ele, a forma pela qual a atividade laboral está organizada na atualidade choca-se diretamente com a vida mental e com a esfera das realizações, das motivações e dos desejos do indivíduo, levando-o à perda do sentido na realização das tarefas e conduzindo-o ao sofrimento. Considerando-se essas alegações, faz-se necessário apresentar a concepção de Dejours sobre o trabalho, para compreender melhor a analogia que ele faz entre trabalho, sofrimento e patologia e, também, porque a concepção dejouriana embasa, em grande medida, os resultados desta tese.