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6 COMPREENDENDO AS CONCEPÇÕES DE ENSINO-APRENDIZAGEM

6.3 ANALISANDO O CONHECIMENTO CIENTÍFICO CONCEBIDO NAS

PROPOSIÇÕES DOS MATERIAIS DIDÁTICOS DOS SUBPROJETOS PIBID/BIOLOGIA DA UFPE

Nesse momento, empreendemos a análise dos aspectos didático-pedagógicos identificados nas proposições dos materiais selecionados, a propósito de consolidar a tarefa que traçamos ao propor o segundo objetivo de pesquisa: Analisar as formas como o conhecimento científico é concebido nas proposições dos materiais didáticos. Para tanto, recorremos aos elementos agrupados pelo eixo temático Abordagem do conhecimento, a saber: a) Noção de conhecimento prévio; b) Revisão de conhecimentos assimilados; c) Abordagem disciplinar; d) Abordagem transversal; e) Abordagem histórica.

Os aspectos didático-pedagógicos destacados para esse momento revelam as formas como os conhecimentos científicos se apresentam nas proposições dos materiais a despeito de sua valoração. Tratamos de compreender como o conhecimento da biologia se entrelaçou (ou não) com possíveis dimensões históricas, sociais e socioambientais e de que forma foi utilizado nas propostas de atividades, por entendermos que a interface dos conceitos e verdades científicas com esses fatores, além de realçar concepções, denota a importância designada à formação do licenciando.

Os primeiros elementos a serem analisados nessa seção agrupam-se no tema Noção de conhecimento prévio. Esses elementos foram destacados das proposições dos materiais do subprojeto I e expressam a exigência de determinados conjuntos de conhecimentos científicos que os alunos deveriam ter obtido previamente, a propósito de conferir habilitação para a participação na experiência :

“Para a realização da atividade os alunos devem possuir conhecimentos prévios sobre biologia de fungos.”

É possível depreender a necessidade da garantia da aquisição prévia do conhecimento científico que atribuirá aos alunos à preparação necessária para a integração no desenvolvimento da proposta. Segundo Libâneo (2006), esse traço funda-se na concepção tradicional e se afigura como forma de saber se os alunos se encontram prontos para a participação da aula.

Nessa abordagem, as concepções prévias dos alunos não têm importância e deverão ser arbritariamente substituídas pelo conhecimento científico (AMARAL, 1997). Não se trata,

pois, do sentido da dimensão socioconstrutivista que versa sobre a compreensão dos saberes prévios que os alunos constroem a partir da sua relação com o mundo e com as pessoas, antes, a noção de conhecimento prévio que ora se apresenta, propõe a constatação de certos conhecimentos disciplinares da biologia que os alunos já deveriam ter apreendido em situações antecedentes.

Concernente ao tema Revisão de conhecimento assimilado, destacam-se deste elementos presentes em materiais didáticos do Subprojeto II que evidenciam propostas de conduzir os alunos a atividades de revisão de conhecimentos trabalhados em aulas antecedentes:

“Após a aula teórica de Reino Plantae, os alunos serão convidados a participar de uma atividade prática no laboratório de ciências, onde os mesmos serão estimulados a responder algumas questões relacionadas a aula anterior.”

Observa-se a intenção de revisar questões trabalhadas num momento anterior, a propósito de capacitar o aluno para a participação na experiência proposta. Diferentemente do sentido de constatar o conhecimento, propõe-se que o professor resgate questões e convoque o aluno a rememorar o conteúdo da aula teórica precedente. Corroborando esse sentido, Saviani (1999) pontua que a atividade de revisão de conhecimentos assimilados é um recurso pedagógico utilizado pelo professor de posturas tradicionalistas, tendo em vista garantir a preparação dos seus alunos para a assimilação de novos conhecimentos:

Se os alunos fizeram corretamente os exercícios, eles assimilaram o conhecimento anterior, então eu posso passar para o novo. Se eles não fizeram corretamente, então eu preciso dar novos exercícios, é preciso que a aprendizagem se prolongue um pouco mais, que o ensino atente para as razões dessa demora, de tal modo que, finalmente, aquele conhecimento anterior seja de fato assimilado, o que será a condição para se passar para um novo conhecimento (p. 56).

A revisão denota a preocupação com a assimilação de um certo conjunto de conhecimentos e a consequente garantia da aprendizagem do aluno. A prova da assimilação, que consiste em respostas escritas e/ou orais dos alunos a questões relacionadas ao conteúdo rememorado, será o indicador de que a atividade seguinte poderá ser executada com sucesso pelo professor.

Tratando-se da abordagem disciplinar, tema que abarca elementos realçados das proposições de materiais de ambos os subprojetos, foi possível depreender a tendência da

valoração exacerbada dos conhecimentos disciplinares da biologia, que se apresentaram apartados de qualquer interface com outros conhecimentos científicos pertencentes a outras disciplinas e/ou com a realidade dos participantes.

Nas proposições dos materiais do Subprojeto I, observa-se a ênfase no conhecimento disciplinar a partir de direcionamentos que conduzem os alunos a identificação e a caracterização de eventos biológicos:

“Identificar cada fase da divisão celular: Mitose; Caracterizar os eventos nucleares e citoplasmáticos que ocorrem em cada fase da Mitose; Identificar cada fase da divisão celular: Meiose; Caracterizar os eventos nucleares e citoplasmáticos que ocorrem em cada fase da Meiose”.

Já no contexto dos materiais do Subprojeto II, a abordagem disciplinar revela-se em orientações para a caracterização, a diferenciação e a compreensão dos organismos:

“Caracterizar a estrutura de um vírus; Diferenciar os vírus dos demais seres vivos; Compreender os mecanismos reprodutivos dos vírus”.

Os elementos ora destacados denotam o traço da concepção pedagógica tradicional que propõe conduzir os alunos à participação em experiências embasadas estritamente por conhecimentos científicos, intencionando a aprendizagem de informações e conceitos disciplinares. Nessa abordagem, o conhecimento científico apresenta-se historicamente descontextualizado e desconectado de outras formas de conhecimento (AMARAL, 1997), das experiências dos alunos e das realidades sociais, valendo pelo seu caráter intelectual, motivo pelo qual a pedagogia tradicional é criticada como intelectualista e enciclopédica (LIBÂNEO, 2006). Prevalece a imagem da Ciência Moderna caracterizada pela ruptura com o senso comum e como instrumento de conquista da natureza (FAHL, 2003).

A razão de ser dessas orientações é a própria aquisição de conceitos e informações enfatizados pelo conteúdo curricular e aglutinados na disciplina de biologia, de forma tal que o conhecimento não é valorado pelos seus possíveis enlaces com as dimensões sociais, culturais e históricas dos alunos, antes sim, apresenta-se restrito aos seus conceitos e a sua lógica interna.

A índole disciplinar caracteriza-se por se ocupar com a variedade e quantidade de noções e conceitos científicos, em detrimento do estímulo ao pensamento reflexivo. Nessa trama, o professor encarrega-se de “passar” o conteúdo presente no material didático e o

aluno, por sua vez, assume o papel de atender toda a demanda de conhecimento oriunda das instruções do professor e do material. O conhecimento, por conseguinte, se resume ao que é externo ao aluno.

Prosseguindo com a análise, os próximos elementos a serem destacados agrupam-se no tema Abordagem transversal. Esses elementos despontaram em orientações de duas propostas de atividades práticas dos materiais do Subprojeto I, a saber: a) Fazendo biodiesel com óleo utilizado em frituras e b) Fabricando sabão com óleo utilizado em frituras. Observa- se que as ocorrências de propostas de temas transversais envolveram compostos da mesma natureza (óleo utilizado em frituras) e foram restritas a temáticas socioambientais.

Figura 3 - Introdução do tema transversal a partir da exposição da importância socioambiental da

fabricação do sabão com óleo utilizado em frituras.

Essas propostas caracterizam-se por apresentarem abordagens de temas que não pertecem a um campo específico, antes sim, perpassam uma gama de disciplinas e apresentam enlaces com uma problemática socioambiental que engloba a discussão de atitudes e responsabilidades individual e coletiva:

“Os biocombustíveis apresentam-se como uma alternativa aos combustíveis fósseis que, além de possuir reservas finitas e não renováveis, vêm causando graves transtornos ambientais. O biodiesel é um exemplo desse combustível podendo ser produzido a partir de óleo de soja já utilizado em fritura.”

Nesse excerto, o biocombustível apresenta-se como um tipo de combustível alternativo aos fósseis e, posteriormente, o biodiesel é concebido como um exemplo de biocombustível que pode ser produzido de forma acessível. Por isto, há o sentido de

integração do conhecimento e a intenção de conscientização por meio da exposição de uma temática que versa sobre uma questão socioambiental.

Conforme pontuam Lanes et al. (2014), os temas transversais começaram a ser incorporados no campo das Ciências Naturais a partir da publicação dos Parâmetros Currículares Nacionais (PCNs) para o Ensino Fundamental de 1998. Os PCNs reivindicam a necessária ampliação da visão de conteúdo para além dos conceitos e a inserção de procedimentos, atitudes e valores na condição de elementos educativos tão relevantes quanto as conceituações científicas tradicionalmente abordadas, advogando a necessidade de tratar de temas urgentes (denominados temas transversais) no âmbito das diferentes áreas curriculares e no convívio escolar.

No cerne desse documento, os temas são direcionados para o Ensino Fundamental a partir de seis eixos: Ética, Pluralidade Cultural, Meio Ambiente, Saúde, Orientação Sexual e Trabalho e Consumo. Contudo, a proposição dos temas não se restringe apenas ao nível do Ensino Fundamental, isto porque não se reporta a uma disciplina específica (ou a um único nível de ensino), mas a assuntos em sentido amplo e abrangente, suscitando, desse modo, condições para que essa noção seja estendida para outros níveis, como por exemplo, para os anos do Ensino Médio.

Os temas transversais destacados das orientações dos materiais didáticos corroboram a perspectiva ambiental das proposições dos PCNs, à medida que denotam a inserção da discussão sobre o homem e de seus interesses socioeconômicos e suas relações com a questão ambiental.

[...] o ser humano faz parte do meio ambiente e as relações que são estabelecidas — relações sociais, econômicas e culturais — também fazem parte desse meio e, portanto, são objetos da área ambiental. Ao longo da história, o homem transformou-se pela modificação do meio ambiente, criou cultura, estabeleceu relações econômicas, modos de comunicação com a natureza e com os outros. Mas é preciso refletir sobre como devem ser essas relações socioeconômicas e ambientais, para se tomar decisões adequadas a cada passo, na direção das metas desejadas por todos: o crescimento cultural, a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental (BRASIL 1998, p. 27).

O conhecimento sobre o meio ambiente passa a ser compreendido a partir de suas interfaces com o conhecimento do homem e de suas ações que geram modificações ambientais. A abordagem transversal, nesse caso, implica, para além da discussão em nível conceitual e disciplinar da própria biologia, a introdução de temas que integram várias disciplinas e versam sobre valores atitudinais, a propósito da conscientização e transformação de uma realidade.

No campo da educação, a transversalidade trata-se de um conceito que foi longamente debatido e objeto de reflexão de pensadores expoentes, como Piaget, Dewey, Decroly, Freinet e Montessori. Não obstante as perspectivas de transversalidade desses pensadores apresentem seus pormenores, suscitando singularidades, estas convergem em suas críticas à visão compartimentada do conhecimento que reduz o ensino a conceitos científicos isolados.

Portanto, o conceito de transversalidade não se afigura como um elemento novo no campo da educação e os temas transversais aparecem como proposições que revigoram um assunto exaustivamente discutido e que, no entanto, desponta atualmente com grande relevância, tendo em vista a superação da concepção fragmentária do conhecimento. Tratam- se de elementos que evocam velhos aspectos pedagógicos reivindicados por vários teóricos da educação, como também, por vários grupos de renovação pedagógica (YUS, 1998).

Nessa perspectiva, os temas transversais representam o discurso do conhecimento integrado/globalizado/interdisciplinar e da retomada de uma proposta educacional de viés ético-moral-humanístico, inclinando-se no sentido de problematizar os desafios sociais e culturais emergentes na sociedade contemporânea.

É bem verdade que a abordagem de temas transversais é passível de suscitar experiências de estímulo à consciência do pensar e do agir criticamente sobre uma determinada realidade. Contudo, advogamos que apenas a presença desses temas em uma determinada situação não denota necessariamente a superação da visão compartimentada do conhecimento, tampouco da concepção pedagógica tradicional.

Atentando para o nosso contexto de análise, os temas transversais apresentam-se no escopo de um modelo pedagógico tradicional, haja vista que foram propostos sob uma forma expositiva, a propósito da realização de práticas demonstrativas:

Figura 4 - Procedimentos para a realização da prática demonstrativa a partir da produção do

biodiesel.

Nota-se que a proposta de atividade não permite a problematização sobre o biodiesel e sobre a sua importância socioambiental enquanto combustível alternativo aos de origem fóssil. Antes sim, revelam-se procedimentos prefixados que conduzem os participantes a produção e observação do biodiesel como o produto final. Nessa abordagem, não se consubstancia o propósito transdisciplinar do tema, havendo a ênfase na proposta demonstrativa dos elementos bioquímicos necessários para a produção do biodiesel.

A presença de temas transversais nas propostas analisadas foi reduzida a formas ilustrativas que despontam em momentos introdutórios e não dialogam com as orientações posteriores sobre como proceder para a realização da experiência. Esse sentido de transversalidade apresenta-se como um subsídio para a exposição da importância de um determinado assunto para um contexto socioambiental, não perpassando todas as propostas, que aderem a orientações procedimentais de caráter demonstrativo e compartimentalizado.

Nesse cenário, os temas transversais situam-se em abordagens tradicionalistas nas quais a discussão crítica acerca de questões atitudinais e o conhecimento integrado não se incorporam plenamente, devido ao caráter metodológico fragmentário e demonstrativo. Essa constatação corrobora a leitura empreendida por Fernandes e Megid Neto (2012), à medida que estes autores observaram a emergência de um modelo tradicional “modernizado” no Ensino das Ciências, que incorpora superficialmente os principais traços de modelos pedagógicos alternativos sob a prevalência da concepção tradicionalista.

Os elementos agrupados no tema Abordagem transversal evidenciaram a intenção de se desenvolver experiências pautadas na perspectiva de integração de conhecimentos e de relação com temas socioambientais. No entanto, à medida que as propostas de introdução de temas transversais foram estruturadas a partir de um modelo metodológico tradicional, a finalidade dessa abordagem foi reduzida a um caráter ilustrativo, apartado da discussão crítica que versa sobre valores e atitudes do homem em relação ao meio ambiente.

Atentando para o tema Abordagem histórica, decorrente dos elementos dos materiais produzidos e utilizados por professores do Subprojeto II, destacam-se orientações embasadas na correlação de um objeto de estudo da ciência com os aspectos do seu contexto histórico de produção ou de descoberta:

“ Descobertos por Ivanovsky em 1892 ao estudar a doença do mosaico do tabaco; Ivanovsky filtrou um extrato de folhas do tabaco infectadas para isolar a bactéria, que para sua surpresa “passou” pelo filtro; Com o avanço do microscópio, na década de 50 foi verificado que os vírus eram diferentes de bactérias e outros seres.”

O excerto acima trata do processo de descoberta do vírus e o seu caráter não intencional, como também, da importância dos avanços tecnológicos para o aprofundamento dos estudos da estrutura viral e da sua diferenciação das bactérias, denotando à ciência o seu caráter de processo e de construção humana, influenciado pelo contexto sócio-histórico no qual ocorre. Desse modo, a orientação evidencia o conhecimento científico como provisório, em certa medida subjetivo e fortemente enlaçado com o momento histórico em que foi produzido.

A historicização do tema/objeto de estudo se revela como um elemento passível de trazer à tona a real complexidade do labor científico e da produção de conhecimento, possibilitando que os alunos constatem como os modelos científicos são modificados e adaptados a novos dados (experimentais ou teóricos), descobertas e progressos de outros ramos do saber, da mesma forma, como os aspectos sociais, econômicos e políticos, de crença pessoal, a persistência e a criatividade interferem na construção e aceitação desses modelos (SEQUEIRA; LEITE, 1988).

Contudo, atendo-nos ao contexto da análise, a abordagem histórica que se destaca das orientações dos materiais didáticos, embora situe o tema abordado em seu contexto de produção, não representa uma mudança de concepção. Isto porque apresenta-se no bojo de uma metodologia tradicional, a partir da sua incorporação a um modelo expositivo em cujas

orientações estiveram distribuídas em slides e sistematizadas para a comunicação verbal do professor. Não se percebe, nesse contexto, aberturas a propósito da discussão do objeto de estudo com base em seu viés histórico, antes sim, destaca-se a exposição do momento histórico de uma descoberta e da subsequente evolução da ciência.

Esse tipo de abordagem não possibilita a mudança de postura do aluno durante a experiência, pois, mesmo sob um viés histórico, o conhecimento é organizado para que o professor o transmita e o aluno receba. O papel do aluno permanecerá o de ficar atento ao conhecimento sistematizado e exposto, a propósito de adquirir o máximo de conteúdo possível durante o período de aula.

Analisamos aqui as formas como os conhecimentos científicos foram concebidos nas proposições dos materiais didáticos produzidos e utilizados por professores de ambos os subprojetos da área de biologia, vigentes no âmbito do PIBID/UFPE. Foi prevalente o sentido disciplinar tradicional do conhecimento biológico, quer na condução à realização de uma atividade, quer na forma de constatar os conhecimento prévios dos alunos ou nas propostas de revisão de conhecimentos assimilados.

Se tratando das situações propositivas em que foram percebidas abordagens de temas transversais e históricos, estas estiveram situadas no escopo de um modelo metodológico tradicional, evidenciado pelo caráter expositivo ou demonstrativo das orientações dos materiais. Por essas razões, entendemos que os elementos até aqui analisados fundam-se na concepção tradicionalista que, por vezes, incorporou superficialmente abordagens pautadas pela relação do conhecimento científico com questões socioambientais ou pela relação de um determinado objeto de estudo com a exposição do contexto histórico no qual foi produzido.

Na seção seguinte, analisaremos os modos avaliativos que foram identificados nas orientações dos materiais didáticos. Nesse caminho, pretendemos destacar as formas de avaliação propostas e desvelar a concepção de ensino-aprendizagem que fundamentou suas ocorrências.

6.4 AS PROPOSTAS AVALIATIVAS DOS MATERIAIS DIDÁTICOS DOS