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Analisando os Questionários, Percebemos

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2 PARA SE ANALISAR ALGUNS DADOS E A VIVÊNCIA

2.1 Analisando os Questionários, Percebemos

Conforme os questionários foram pouquíssimos os professores que apresentaram uma experiência inferior a um ano na docência, e sua formação acadêmica é no mínimo de especialização, fato que não pode ser considerado uma generalização se comparada às escolas de outras redes educacionais. Pelo menos a metade, dos respondentes apresenta mestrado, enquanto, aproximadamente 30% deles já passaram pelo doutorado ou estão em curso. O que, para alguns representa uma forma de se preparar para “melhor atender as necessidades dos alunos e também para [se] capacitar à altura para exercer a carreira de professor” (Professor da EPT), muito embora, a maior parte de suas pesquisas parece focar estudos específicos da área técnica e tecnológica de suas especialidades, provavelmente, sem um enfoque pedagógico maior.

Numa das várias leituras dos questionários aplicados para esta pesquisa nos foi revelada uma questão que consideramos pertinente de ser tratada. Trata-se do questionamento de um professor que indicou como dificuldades para a integração a falta de recursos financeiros. Em nossas análises, ampliamos a argumentação do professor para compreendermos outras questões fundamentais do debate. Segue abaixo a transcrição da pergunta e da resposta.

2.1) Para você existem dificuldades para o desenvolvimento de ações de integração curricular? Quais? Por quê?

Se é que eu entendi direito o que é integração curricular sim. Acho que a tal integração não é de responsabilidade apenas da escola. É uma questão política. Ao meu entender, para se fazer / implementar uma proposta como essa, em larga escala em todo território brasileiro, envolve muitos recursos financeiros, capacitações, produção de novos livros didáticos, etc. Na educação, as coisas tendem a não funcionarem muito bem, porque os políticos simplesmente fazem as leis, mas não pensam como e quais recursos serão utilizados para concretização das mesmas. Tá certo que lei não se discute, obedece. Mas, na educação, o „obedecer‟ envolve outros fatores, pois lidamos com seres humanos. (Professor da EB)

Lamentavelmente, não há, conforme os documentos oficiais que tratam sobre o tema, um financiamento específico para Integração Curricular. Como a Integração Curricular, constitui e incorpora-se como diretriz para a EB e EPT, seu financiamento se dá na medida em que se dá o financiamento do chamado ensino médio. Sem dúvida que isso é uma

36 contradição e uma dificuldade na medida em que, para tanto, é necessário uma nova concepção que inova também as práticas e, portanto, os materiais, livros e recursos, tal como sugeriu o respondente.

Neste sentido, endossamos mais uma vez a necessidade de discussão e produção alternativas de práticas de integração, que nos estimulem e nos embasem teoricamente, como também legalmente, para novos embates, talvez em busca de recursos. Enquanto isso, é preciso que haja estudo e discussão.

Quando perguntados sobre a escolha da profissão de professor, a maior parte dos professores alega certa identificação/vocação na escolha pela docência, o que não lhes faz omitir a desvalorização, os baixos salários, “os ossos do ofício que são muitos!!!” (Professor da EB). Contudo, também admitem terem sido influenciados por outros aspectos como a oportunidade de trabalhar com pesquisa e ensino profissionalizante e a remuneração, (especificamente no caso da rede federal de ensino). Ou ainda a motivação de antigos professores e da família, como também o desejo íntimo de poder transformar, em alguma medida, a realidade social com que se deparam.

Quando mencionado o Decreto nº 5.154 de 23/07/2004, embora não seja comum algum preparo mais específico para o trabalho na EPT (curso aperfeiçoamento, formação continuada, etc) que vá além de uma orientação pedagógica à pinceladas, poucos foram os que alegaram não conhecê-lo. Conquanto, sua grande maioria já observe a necessidade de uma discussão mais profunda do tema, além de acompanhamento pedagógico para sua implementação, alguns parecem acatar a integração como uma proposta de qualificação da educação.

Leva a formação do cidadão de maneira mais completa e integrada, não fragmentando o aspecto crítico-reflexivo mais pertinente do núcleo comum [do currículo] com a parte técnica profissionalizante fugindo assim da formação tecnicista. (Professor da EB).

Percebemos, contudo, que, o currículo integrado é visto pela maioria, sob a visão dicotômica entre a EB e EPT, uma instrumentalização dos saberes a serviço do conhecimento para o trabalho, embora esta perspectiva, a do trabalho, também seja apenas uma das necessidades humanas. Assim, a principal preocupação tem sido justamente a articulação entre os dois currículos básico e profissionalizante. Por esta razão talvez, outros temas dicotômicos foram indicados nas respostas, apontadas como dificuldades para a integração como se seguem: disciplina e interdisciplinaridade, teoria e prática, EB e EPT, currículo prescrito e currículo vivido, etc. De modo geral, tais temas (dicotômicos e polêmicos como são) tendem a nos exigir uma posição de escolha excludente e por isso acabam por comprometer uma concepção curricular integrada.

Podemos dizer que, paradoxalmente, a aprendizagem e o trabalho fazem parte das necessidades humanas. Ora aprendemos com o trabalho, ora aprendemos para ele. Ocorre que, na atualidade a oportunidade de trabalho e de estudo, pertencem a realidades sociais diferentes e contraditórias que alimentam a dicotomia entre tais atividades humanas, sobretudo quando é negligenciada a subjetividade e auto-realização que pode proporcionar ao homem. Por isso a necessidade de se compreender e atender às necessidades humanas de forma integrada. Neste sentido analisaremos uma questão que emergiu de uma resposta ao questionário, quando perguntamos:

2.3)- Considerando sua experiência de ex-aluno e atual professor, quais ganhos ou perdas pedagógicas você observa ao utilizar instrumentos que objetivam a integração curricular?

37 A tal questão nos foi respondido:

Entendo que o conhecimento escolar organizado em disciplinas são vistas ainda como indispensáveis instrumentos de sistematização de saberes e habilidades, portanto, acredito que a integração curricular que está sendo proposta e justificada por mudanças dos processos de trabalho e de organização do conhecimento no mundo globalizado pode se tornar perigosa, pois podemos incorrer em erros ou danos irreparáveis à sociedade. Foi [n]o currículo que temos hoje que se formaram os atuais cientistas e todo conhecimento [grifo nosso] que se tem hoje e, o currículo integrado, ainda não formou nenhum. Agora eu pergunto. Será que realmente o tal currículo integrado, visto sobre os diversos olhares e expectativas sobre o mesmo será realmente bom para o nosso futuro? (Professor da EB).

Como não pretendemos dar respostas acabadas, que finalizem o debate, cuidamos aqui de problematizar o questionamento desmembrando-o em outros tantos, como forma de ampliarmos quaisquer respostas. Assim, principiamos, questionando o conceito de currículo integrado, visto que como fora exposto por alguns dos atores da educação, o currículo vai além dos conteúdos estendendo-se como suas partes integrantes as práticas e valores, concepções e posturas, objetivos e experiências, que não se limitam à definição de seu decreto de imposição (Nº 5.154/2004), ou ainda a sua definição conceitual. Devemos esclarecer também que ”A perspectiva interdisciplinar não é contrária à perspectiva disciplinar; ao contrário, não pode existir sem ela e, mais ainda, alimenta-se dela. (LENOIR, In. Fazenda, p. 46, 2010). Portanto, uma concepção verdadeiramente integradora, prevê a aproximação e o diálogo entre as disciplinas e seus saberes, não sua extinção. Contudo, não se trata de uma aproximação apenas de conteúdos, mas de saberes (saber pragmático, saber científico, saber popular). Em tal concepção também se aproximam práticas e ações (pedagógicas, gestoras, cognitivas) e ainda as diversas culturas. Devemos esclarecer ainda que tal aproximação dá-se não no sentido de sua seleção, classificação ou eleição, mas de maneira a darem-se a conhecer umas pelas outras.

Na sequência, cabe perguntarmos, qual o currículo que temos hoje, o imposto pela legislação? A considerarmos que para tal currículo prescrito temos uma vastidão de currículos vividos efetivamente, configurados a partir das concepções, crenças e convicções dos atores educacionais, que raramente coincidem com as dos legisladores, talvez já tenhamos em alguma medida um “currículo integrado”, em franca execução. Mas ainda, qual é o currículo praticado pelos autores da educação hoje? Em que pese a resposta a tal pergunta, uma vez que não há homogeneidade nas práticas pedagógicas, podemos esclarecer que pode nos interessar mais o resultado (não estatístico) de uma educação que se diz não reprodutivista.

Da mesma forma é preciso definir: qual o perfil dos cientistas formados por este currículo? Seriam eles “gênios” da ciência positivista, filósofos progressistas, ou apenas grandes expert em ganhar dinheiro e poder político? Arriscamo-nos a dizer que, certamente, entre eles também há uma corrente de valorosos professoreseducadores. E afinal, todos os egressos da escola se tornaram ou se tornarão “cientistas”, produtores de conhecimento? Haveria, em meio aos jogos de interesses (políticos, econômicos sociais, intelectuais etc) espaço para tanta gente “pensante”? Ou na atual conjunta, apenas um restritíssimo grupo privilegiado e dominante, é que detém ou deteria o poder que emana da ciência, e portanto a produção do conhecimento considerado “válido”?

Se entendermos que um currículo gerador de cientistas é a mais adequada opção, estaremos sinalizando a formação científica, como único objetivo da educação, como também

38 negligenciando as várias dimensões e objetivos da educação, a saber, a sociabilização, a formação ética, crítica, humana, afetiva e profissional. E neste caso, fazendo uso das palavras de nosso respondente, haveremos de reconhecer que “no mundo globalizado [isso] pode se tornar perigoso, pois podemos incorrer em erros ou danos irreparáveis à sociedade”, como por exemplo, o monopólio científico, o uso indiscriminado da ciência, a reprodução das diferenças econômico-sociais, os sistemas autoritários, todos advindos de uma formação educacional acrítica e politicamente estéril.

Em contrapartida, se entendermos que a educação pode e deve em alguma medida transformar a organização sócio-econômica, então deveremos também entender que uma autêntica integração curricular prevê a significação dos conhecimentos, em sintonia com o bem estar e a ética humanas, e não se dá apenas em função de uma qualificação técnica ou científica, embora tais qualificações colaborem inegavelmente, na inteireza do conhecimento e evolução humanas.

Podemos afirmar que na perspectiva de integração não se pretende a exclusão dos conhecimentos científicos, ou quaisquer outros, antes o que se pretende é “um tipo de ensino médio que garanta a integralidade da educação básica, ou seja, que contemple o aprofundamento dos conhecimentos científicos produzidos e acumulados historicamente pela sociedade”, (Doc.Base, 2007, p. 24) que, aliás constitui o mesmo conhecimento científico, indicado por nosso respondente, do que se iniciou esta discussão. E neste sentido a perspectiva politécnica para a integração curricular diz respeito justamente “ao domínio dos fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo de trabalho [...]” (RAMOS, 2005, p. 42). Sabemos e reconhecemos a importância de tal conhecimento para a humanidade, o que, no entanto, questionamos é a distribuição deste de forma significativa.

O que atualmente se vê são as classes populares optarem por um currículo profissionalizante, por que “não podem „se dar ao luxo‟ de esperar até os 20 anos ou mais para iniciar a trabalhar”. Também nesta dinâmica estão grupos e culturas não reconhecidos no currículo escolar, (a exemplo das mulheres, homossexuais, ribeirinhos, índios, etc) Assim, independentemente do currículo e/ou de sua configuração, tais classes tendem a se encaminhar para o trabalho ou para a marginalização social. Ocorre que um currículo adequadamente integrado, não apenas o qualificaria para a profissão, como também lhes disponibilizaria, através de uma formação científica sólida a utilizar e produzir novos conhecimentos científicos, de forma crítica e reflexiva, através dos quais novas perspectivas se abririam, sem que fossem violadas suas culturas e saberes. Por isso, vemos no currículo integrado uma alternativa para que “deixe de ser um luxo o fato dos jovens das classes populares poderem optar por uma profissão após os 18 anos de idade” (Doc.Base, 2007, p. 24). Também por isso, a necessidade de um currículo significativo para todos os alunos e não para um grupo social apenas. Também por isso, a necessidade de se oportunizar na escola uma teoriapedagogia curricular, inclusiva, que rompa com a dicotomia entre a preparação para pensar (construir teorias e conhecimentos) e a preparação para agir (trabalhar, construir objetos e coisas), visto que constituem a nosso ver os dois lados que validam a mesma moeda, ou seja, a educação.

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