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Interdisciplinaridade Estratégia de Integração e de Ressignificação

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2 PARA SE ANALISAR ALGUNS DADOS E A VIVÊNCIA

2.3 Interdisciplinaridade Estratégia de Integração e de Ressignificação

Para fins de Integração Curricular, conforme o Documento Base da Educação Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio temos que:

[...] a interdisciplinaridade aparece [...] como necessidade e, portanto, como princípio organizador do currículo e como método de ensino- aprendizagem, pois os conceitos de diversas disciplinas seriam relacionados à luz das questões concretas que pretende compreender. (DOC. BASE, 2007, p.52).

Diante do disposto, entendemos que a prática interdisciplinar é fundamental para a ação de integração efetiva de currículos. Sendo um conceito surgido da necessidade de compreender a complexidade que nos cerca, a interdisciplinaridade está associada a capacidade e esforço em aproximar e destacar interseções entre as experiências, e parece ter surgido, em contraponto à especialização e limitação da disciplina, evidenciando tendências educacionais pós-modernas que, já não se contentavam com respostas prontas e limitadas de apenas uma área de conhecimento, um ponto de vista.(SANTOMÉ, 1998)

Também nos pareceu que a interdisciplinaridade está associada a uma forma complexa de compreender os fenômenos sem o isolamento, promovido pela ciência moderna, que embora fracionasse o conhecimento, manteve a concepção flagrada ainda hoje de que “Ter cultura era ter conhecimentos sobre todas as especialidades do saber, frente ao mundo do trabalho que exigia domínios muito específicos”. (SANTOMÈ, 1998, p. 48). Neste sentido Santomé (1998) compara a compartimentalização das matérias ao sistema fragmentado de produção capitalista, que como é sabido aniquila do trabalhador sua subjetividade e sua capacidade de criação. Assim, o conhecimento sob influência moderna da especialização, de certa forma aniquilaria o pensamento crítico, por reduzir seu campo de visão, contextualização e abrangência.

Por sua vez, a profundidade no processo de aproximação entre as disciplinas gerou uma série de classificações do fenômeno interdisciplinar. No entanto, considerando que a integração de currículos se dá a partir das disciplinas escolares, e por consequências da

41 interação e enriquecimento entre elas, adotamos o conceito de interdisciplinaridade proposto por Jean Piaget e citado por Santomé (1998), salientando que a interdisciplinaridade constitui:

Segundo nível de associação entre disciplinas, em que a cooperação entre várias disciplinas provoca intercâmbios reais; Isto é, existe verdadeira reciprocidade nos intercâmbios e, consequentemente, enriquecimentos mútuos. (SANTOMÉ, 1998, p. 70).

Nestes termos, na tentativa de compreender as concepções implícitas nas práticas dos atores da educação aqui pesquisados, selecionamos alguns relatos organizados em grupos de experiências, citadas pelos professores como práticas nas quais “acredit[am] ter[em] alcançado a integração curricular”9

.

Quando eu trabalho com os alunos sobre a importância das bactérias, consigo mostrar a relação delas na produtividade agrícola, fixação de nitrogênio, produção de alimentos, degradação de alimentos, que são temas relacionados e complementares à área técnica [do curso]. (Professor da EB).

[...] no momento em que discuto com os meus colegas da área técnica sobre as contribuições que a disciplina que leciono poderia oferecer à disciplina deles e acato as suas sugestões, o faço com a intenção de integrar o currículo. (Professor da EB).

Em algumas aulas do ensino profissionalizante, como por exemplo, a de Agropecuária, é necessário fazer a ligação e buscar o conhecimento dos alunos em determinadas áreas básicas do conhecimento como a Biologia, a Química, a Geografia, entre outras, que se fazem necessárias e fundamentais para se compreender a informação técnico- profissionalizante que se deseja alcançar. (Professor da EPT).

O primeiro grupo, em termos de prática pedagógica, parece articular um saber, normalmente do currículo básico, como instrumento para o desenvolvimento de saberes e fazeres propostos pelas disciplinas do currículo profissionalizante, e é visto como uma perspectiva instrumental de interdisciplinaridade. Nesse sentido, Lenoir (2010) observa que, “A perspectiva instrumental refere-se, pois, menos a uma categoria de conhecimento do que a uma categoria de ação.” (In. FAZENDA, p. 48, 2010).

O segundo grupo de descrição de práticas, porém, que tem como elemento integrante a discussão dialógica, nos pareceu conduzir suas características filosóficas como estímulo e proposta de um trabalho subjetivo de aprendizagem paralelo à aprendizagem laboral, para a profissão:

Durante minhas aulas eu costumo apresentar várias situações interdisciplinares onde os conceitos de Matemática são aplicados na Física, na Química e na Engenharia. Em todas estas situações eu procuro citar exemplos dentro da realidade social do meu aluno como também procuro desenvolver nos mesmos atitudes de mudança e

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42 transformação para que este possa interferir na sociedade. (Professor da EB).

[...] seminários que unem as perspectivas de mais de uma abordagem, produções textuais que rompem com a barreira entre os conteúdos, projetos científicos e posterior debate em sala, feira de ciências, são exemplos de iniciativas que já realizei/participei [...] que contribuem para atingir esse horizonte da integração[...] (Professor da EB).

Procurei trabalhar com eles baseada numa concepção de ensino e currículo em que o trabalho, a cultura, a ciência e a tecnologia constituíssem os fundamentos das minhas aulas. Acredito que nenhum aluno deve ser privado de ter acesso a nenhum tipo de conhecimento ou discussão mesmo que aparentemente, aquilo não faça parte do seu universo. Posso negar conhecimentos imprescindíveis de redação a

um aluno que só quer formar-se em técnico e voltar para a propriedade dos pais? Será que a escrita não é importante para ele também? Será que não devo discutir a questão do trabalho com um aluno que tem toda condição financeira para fazer uma boa faculdade? [grifo nosso] Quando se trabalha numa perspectiva

unitária, todos tem acesso a essas discussões e fazem uso delas à medida que forem necessárias em algum momento da sua vida. (Professora da EB).

Um terceiro grupo que intenta o debate sobre integração curricular prevendo que as ações de instrumentalização e associação dos conhecimentos se aglutinem, contudo, dá a entender que apenas a instrumentalização, talvez, não seja suficiente.

Infelizmente não creio que tenha havido efetivamente este momento. Em um momento ou outro procuro fazer um breve link com á área profissionalizante, porém, não julgo suficiente para se tratar de integração de currículo. (Professora EB).

Poderíamos entender como suficiente a perspectiva instrumental se considerássemos a lógica profissionalizante, cujo objetivo é a formação e habilitação para o desenvolvimento de ações laborais. Contudo, é preciso compreender que tais ações não se desmembram de uma reflexão cognitiva e intelectual, de previsão e programação de sua ação seja no trabalho braçal ou intelectual, para o que indistintamente “é exigida a vontade orientada a um fim, que se manifesta como atenção durante todo o tempo. (MAX. P.37, 1983). Nestes termos não há dúvida de que é indispensável a ampliação e potencialização do debate filosófico e dialógico em sala de aula, mesmo mediante a formação profissionalizante.

Nesta perspectiva de integração, os procedimentos apresentam, a nosso ver, quatro outras características, decisivas para uma educação que se diz libertária e significativa. São elas: a troca de informações entre as outras disciplinas, contextualização conforme realidade social do aluno, estímulo aos questionamentos críticos e intenção transformadora. Neste contexto, talvez não seja inadequado dizer, que resguardadas as devidas proporções, tal perspectiva “[...] tem como propósito a edificação de uma síntese conceitual ou acadêmica do fato, que é um jogo social e epistemológico, antes de tudo universitário, isto é, a unidade do saber.” (LENOIR, in: FAZENDA, p. 48, 2010).

43 Nesse sentido concordamos com Lenoir, (in: FAZENDA, p. 48, 2010) que atesta: “Fundamentalmente, as preocupações de ordem filosófica e epistemológica [que] têm por objetivo a constituição de um quadro conceitual global que poderá numa óptica de integração, unificar todo o saber científico.” A isso acrescentamos que a ampliação de uma interdisciplinaridade instrumental para uma interdisciplinaridade científica, voltada para a pesquisa e para a reflexão, poderá ainda, contribuir para a ressignificação do ensino escolar, isto por que:

Falando de interdisciplinaridade escolar, é conveniente manter intimamente ligada essa dupla visão de interdisciplinaridade, epistemológica e prática, de maneira a evitar divagações tanto do tipo idealista, que negligencia toda ancoragem na realidade escolar, como do tipo técnico-instrumentalista, em que a finalidade, a pertinência e o valor serão medidos pelo sucesso imediato. (LENOIR, in:FAZENDA, P. 49, 2010).

Considerando a convivência cotidiana com os professores, observamos algumas questões que julgamos imprescindível para compreender a prática de integração. São elas a preocupação com a aproximação e discussão entre disciplinas, a contextualização como cenário para o ensino, como também a problematização crítica estimulando os alunos para ações de transformação. Tais questões são, nestes segundo e terceiro grupos, uma característica marcante dos professores, que articulam estas posturas mesmo fora da sala de aula. Mediante esta vivência, nos parece óbvio que tais educadores articulam em sua prática pedagógica as duas perspectivas interdisciplinares, de modo a alcançar aprendizagem na subjetividade. Neste sentido talvez, Lenoir nos alerta que embora:

Essas duas tendências exprimem uma tensão que percorre a questão interdisciplinar desde o seu nascimento concordamos que [...] essas duas visões, que parecem contraditórias à primeira vista, devem ser preservadas e mantidas, [e] sobretudo, é importante recorrer [a elas] de maneira complementar, porque elas „não são mutuamente excludentes‟ (LENOIR, in:FAZENDA, P. 49, 2010).

Neste sentido, a interdisciplinaridade escolar, cujos fins são instrumentais, “tem por finalidade a difusão do conhecimento (favorecer a integração de aprendizagens e conhecimentos) e a formação de atores sociais”. Enquanto isso, “a interdisciplinaridade científica tem por finalidade a produção de novos conhecimentos e a resposta às necessidades sociais”. (LENOIR, in: Fazenda, p. 52, 2010.). Disto depreendemos que, se constitui objetivo da escola que seus egressos sejam capazes de utilizar-se dos conhecimentos inclusive para a produção de outros novos, então é preciso que eles sejam apenas instrumentalizados com saberes estruturais (a julgar o currículo básico), mas, também de maneira flexível e reflexiva, o que favorecerá sua subjetividade, na forma de capacidade de criação.

Por ora, entendemos que, tais relatos, manifestados via questionários, são importantes pistas para a construção de um currículo integrado que favoreça a qualidade da educação. Contudo, salientamos que, é preciso mais indicações, como também novas ações de integração que predisponham alunos e professores a perfazerem juntos os caminhos da aprendizagem. Também reconhecemos que, por não haver receita que contemple toda a complexidade da escola e do currículo, é preciso que haja desprendimento e flexibilidade em evidenciar o que os atores da educação criam ou podem ainda criar. Assim, se isto depende de uma formação, debate e interação entre os profissionais de diferentes áreas e disciplinas, é

44 também verdade, que a organização e encaminhamento de tais ações, sua valorização e estímulo, provém, sem dúvida de atitudes dos gestores.

A exemplo da proposta de um currículo nos moldes globalizados sob uma prática interdisciplinar, no Brasil, conforme Documento Base/2007, denominado Currículo Integrado que tem surgido em função da necessidade de se superar a dicotomia entre uma educação popular e a educação para a classe abastada da sociedade, podemos perceber os limites de uma aproximação de conteúdos apenas. Semelhantemente, a necessidade de tornar o currículo e seus saberes mais significativos para o aluno tem estimulado a possibilidade de integração. O que nos força reconhecer que uma prática interdisciplinar é sem duvidar uma boa estratégia de ressignificação curricular, contudo ela não é o suficiente para a integração de currículos, justamente, porque um currículo não se limita aos conteúdos como também sua integração não se limita a associação entre seus conteúdos, apenas. È também necessário que as ações sejam elas, gestoras, didáticas ou ainda cognitivas no que se refere aos educandos, tenham ligação e significação com os objetivos da escola e seus educadores, como também com as necessidades de seus educandos e da própria sociedade. E isso deve se apresentar também nos documentos institucionais.

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