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Consideremos, portanto, a lei

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1 CURRÍCULO DO CURRÍCULO

1.6 Consideremos, portanto, a lei

Brasil - 1992 - 3ª série do curso Técnico em Contabilidade Integrado ao Ensino Médio sob a legalidade da lei Nº 5.692 de 1971. Enquanto a professora explicava que se alternaria entre uma aula de gramática e uma de texto... „a sem luz‟, aluna do último ano, esbravejava questionando: - “depois vai querer que junte tudo... e aí fica mais complicado... -Tô absurdada, fêssora... Tô besta de ver!!!! Se é pra juntar .... Por que se tem que separar? -Não existe o termo „absurdada‟.” Interpelava a professora tentando conter a „verborragia‟ da

estudante. -„„Como não existe?!... acabei de inventar?!!! - Você não pode inventar palavras.

28 -Porque não? (?!?!?!?!?!!) Carlos, já fazia, antes de ser Drumond. João, também, antes mesmo de ser Guimarães ou

Rosa... Mas ... estas eram épocas de obediência e disciplina. Todos haveriam de fazer como propunha

o currículo. Como já vimos anteriormente, a influência de um currículo para as classes menos favorecidas, em oposição a um outro, para os dominantes da época, foi sempre um marco na política educacional brasileira de forte influência na distribuição das riquezas e na organização das classes sociais. Assim, durante algum tempo mesmo frequentando um curso secundário, o cidadão profissionalizado, em curso técnico não usufruía o direito ao ingresso no nível superior, o que apenas na década de 50 é que fora corrigido. (RAMOS, 2004).

Considerando tal histórico, em concordância com vários autores entre eles Lopes (2004), enquanto indivíduo, devo confirmar que, indiscutivelmente, as políticas públicas da educação surgem e recaem sobre seu público com conotações bastante específicas. Na década de 90, por exemplo, as razões que me encaminharam ao curso Técnico em Contabilidade, eram, exclusivamente, demandadas pela necessidade de formação profissional que garantisse a sobrevivência. Muito embora a legislação educacional da época, ainda, a Lei 5.692 de 1971, circulasse como uma alternativa de neutralizar a dualidade educacional, em vistas de se impedir a negligencia do direito a educação propedêutica às classes menos favorecidas. Sobre tal expectativa legal a oferta obrigatória de cursos profissionalizantes hipoteticamente, “integrados”, era o que se reservava a classe trabalhadora sob os moldes do aligeiramento. Nesse sentido, o problema não fora atacado como também sequer fora reconhecido, uma vez que:

Menos que as imposições da legislação, são as exigências da divisão social e técnica do trabalho que determinavam a existência de diversos ensinos de 2º grau, que distribuirão o saber de forma diferenciada, segundo as necessidades de instrumentalizar os alunos para ocupar distintas funções na hierarquia do trabalhador coletivo. (Kuenzer, 1989, p. 23).

Sem contar que, através de tal normatização a EB haveria de se submeter a chamada “ parte de formação especial” de modo que teria ainda por objetivo a sondagem de aptidões e iniciação para o trabalho, e de habilitação profissional, no ensino de 2º grau;” sob as regras e moldes “do mercado de trabalho local ou regional, à vista de levantamentos periodicamente renovados.” (Lei nº 5.692/71 art.5º). Tal legislação conforme RAMOS(2004), provinha de:

Acordos assinados pelo governo brasileiro com a USAID (United States Aid International Development) demonstravam a intenção de se ampliar ao máximo as matrículas nos cursos técnicos e de promover uma formação de mão-de-obra acelerada e nos moldes exigidos pela divisão internacional do trabalho. (p. 33).

Ao que tudo indicava era também objetivo da compulsória EPT da época, a contenção de demanda para o ensino superior, facultando a profissão em detrimento da formação especializada mais crítica, na graduação, destinada a elite. (RAMOS, 2004). Tivemos neste momento, a prescrição que estipulava a integração e na prática mantinha-se uma concepção de instrumentalização para o trabalho. Obviamente que isto não se restringia apenas a uma questão de decreto, mas inclusive de mínima implementação, a exemplo da reduzidíssima

29 carga horária do curso dito integrado, 600 horas, menor que a dos cursos atuais estipulados pelo decreto 5.154/2004.

A partir da Lei nº 7.044/82, extinta a oferta compulsória, a dicotomia deu-se em função de um ensino técnico esvaziado de uma formação básica reflexiva, uma vez que, dividida a EB antes vinculada ao EPT não mais se poderia contar com uma formação humana e filosófica, através dos conteúdos do currículo básico. Nesta conjuntura, certamente desenvolveu-se amplamente as concepções mecânicas, voltadas exclusivamente para a formação técnica, que, a grosso modo, consistia na plena atuação tecnicista. (RAMOS, 2004). Conforme atesta a história (RAMOS, 2004) embora já se viesse alimentando, (desde 1987) volumosa discussão contra uma formação profissionalizante adestradora, que negligenciava as origens científicas dos processos produtivos; passaríamos ainda, por um período de proibição da integração curricular entre EB e EPT, a partir do decreto 2.208/97, que estabelecia em seu “Art 5 º A educação profissional de nível técnico terá organização curricular própria e independente [grifo nosso] do ensino médio, podendo ser oferecida de forma concomitante ou seqüencial a este.”

Surpreendentemente, a implantação do decreto deu-se mediante a controversa composição da LDB Nº 9.394/96 que, conforme Ramos (2004) em um projeto original defendia e previa a integração curricular sem a supressão da educação básica de direito. Em tal projeto, substituído sem maiores debates, em meio a proposições políticas obscuras, certificava-se de que “Estava explícito que a formação técnico-profissional seria acessível a todos e não substituiria a educação regular.” (p.36), como também se propunha assegurar que:

[...] o ideário da politécnica [que] buscava e busca romper com a dicotomia entre educação básica e técnica, resgatando o princípio da formação humana em sua totalidade; em termos epistemológicos e pedagógicos, esse ideário defendia um ensino que integrasse ciência e cultura, humanismo e tecnologia, visando ao desenvolvimento de todas as potencialidades humanas. (RAMOS, 2004, p. 35 e 36). Em termos sociais a implantação de lei, a exemplo do Decreto 2.208/97, que contraria tal concepção, foi a nosso ver uma forma de abrir caminho irrevogável para as políticas neoliberais que, fatalmente, reduziriam uma vasta geração de trabalhadores à “mão-de-obra barata”.

Somente em 2004, já no Governo Lula, e ainda enfrentando as forças de oposição a uma educação emancipadora é que foi revogado o Decreto 2.208/97, substituído pelo Decreto 5.154/04, incorporado a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96, a LBDEN/96. Nesta nova perspectiva no Art.39 consta que “A educação profissional, integrada às diferentes formas de educação, ao trabalho, à ciência e à tecnologia, conduz ao permanente desenvolvimento de aptidões para a vida produtiva.” Desta forma, após importante tempo de dicotomia legalizada, tem-se para a educação uma chance legal de se fazer libertária, podendo inaugurar uma nova ordem social, essencialmente, inclusiva, embora a integração e o fim da dicotomia exija bem mais que um decreto dadas as concepções, ideologias e facetas da prática pedagógica.

Neste longo e complexo contexto, ora como uma luta política, desde a Lei nº 5.692/71 até o atual Decreto nº 5.154/2004 (já incorporado a LDB); ora como embate teórico a partir das tendências tradicionais até as atuais tendências multiculturalistas de currículo e suas nuances inclusivas, é que tem se dado a trajetória da Integração Curricular, alternado-se entre conquistas e derrotas, através da disputa de concepções e do poder legislador da EB e EPT. Contudo, tal movimento de aproximação e distanciamento das conquistas legais e teóricas frente aos ideais integradores, foi ou pode ser, um importante processo de amadurecido

30 teórico e conceptivo, para os atores da educação. Hoje, porém, não se pode dizer que a integração é uma realidade concreta e visível, embora se deva reconhecer que muitas são as iniciativas de uma atuação prática de cunho integrador, como veremos aqui relatadas. Contudo, cremos poder, no uso das palavras de Ramos (2004) entender que:

Daqui pra frente, dependendo do sentido em que se desenvolva a disputa política e teórica, o “desempate” entre as forças progressistas e conservadoras [e isso inclui tais forças também no âmbito do cotidiano das instituições escolares, pois elas mesmas nos] poderá conduzir para a superação do dualismo na educação brasileira ou consolidá-la definitivamente. (p. 38).

Em termos legais, devemos compreender que avançamos na construção de um currículo integrado para o ensino médio profissionalizante no Brasil. Contudo a integração, agora garantida em lei, pressupõem um esforço pedagógico de efetiva implementação. É neste sentido, que tentamos esta reflexão, pois:

Sabemos que a lei não é a realidade, mas a expressão de uma correlação de forças no plano estrutural e conjuntural da sociedade. Ou interpretamos o decreto como um ganho político e, também, como sinalização de mudanças pelos que não querem se identificar com o status quo, ou será apropriado pelo conservadorismo, pelos interesses definidos pelo mercado. (RAMOS, 2004, p. 27).

Sabemos que as investidas hegemônicas, voltadas para a uniformização de práticas pedagógicas, são uma realidade e apresentam-se de forma suscita e mascarada, o que realça a importância do debate, da análise e da compreensão das atuais propostas curriculares, sem que sejam dadas como receitas infalíveis.

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