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O bailarino, professor e coreógrafo Pedro Tomás, mais conhecido como Petchu, é angolano, tem 42 anos e pode-se dizer que a sua história com as danças africanas começou praticamente na barriga da mãe, pois vem de família com muita tradição a nível da arte em Angola. Da sua formação, ainda no país natal, constam diversos cursos de dança, os quais aprendeu com cubanos, brasileiros e angolanos. A sua experiência docente começou quando ainda era um jovem bailarino com cerca de 20 anos, na época em que assumiu a direção artística do grupo Kilandukilu, em Angola. Há 14 anos veio morar em Portugal e isso fez com a vivência pedagógica não se concentrasse em bailarinos apenas, mas se alargasse para outros públicos, muito diversos entre si. Petchu considera-se o primeiro professor a inserir as danças tradicionais africanas nas escolas, “um profeta da dança africana” (PETCHU, 2010). Desenvolve, também, um trabalho vasto ligado a danças africanas a par (semba, kizomba), sendo que, ao longo da sua extensa carreira, já participou e foi premiado em inúmeros festivais, encontros, companhias etc. Atualmente, o contato com África é menos regular: visita a filial do Kilandukilu, sediada em Luanda, com intuito de “recolher material novo” e, ao mesmo tempo, levar para lá o que aprende por terras europeias (PETCHU, 2010).

As suas aulas acontecem duas vezes por semana em horário pós-laboral (20h30- 22h30), na Escola das 1001 Danças, situada no edifício secular do Ateneu Comercial, em

pleno coração de Lisboa. Esta é uma escola que se tem tornado cada vez mais popular por proporcionar à comunidade em geral uma grande variedade de danças, oferecendo formação nas chamadas “danças do mundo”, e tornando as aulas mais “acessíveis” ao nível de preços e conteúdos. A sua turma única tem em média 10 alunos, todos jovens, e prima pela diversidade de nacionalidades – alguns portugueses, alguns angolanos, uma alemã, uma italiana, um cabo- verdiano, um polonês –, o que espelha bem a realidade social da capital lisboeta.

A maior parte das danças que Petchu aborda é proveniente de Angola, mas, desde que chegou em Portugal, com o contato com outros bailarinos africanos que também viviam no país, acabou por alargar e aprender um pouco de outras culturas, misturando hoje as danças angolanas com danças de Cabo Verde, da África do Sul, do Senegal. A sua pesquisa com outras culturas leva a que, durante as suas aulas, os alunos possam experienciar diferentes danças, sendo que Petchu frequentemente situa os alunos explicando o nome, proveniência e contexto dessas danças. No mural da Escola consta que o nome dessas aulas é “danças tribais”, porém, para Petchu, a sua aula é de “dança tradicional africana”, pois já não é a “dança lá do mato” (PETCHU, 2010), mas sim uma “fusão” de diversas danças africanas. Sobre as suas aulas, o próprio afirma que, por identificar nos seus alunos uma necessidade de se “libertarem” das pressões diárias, acabou criando uma “espécie de dançaterapia, com um bocadinho de quase ginástica,... rítmica, estilo africano” (PETCHU, 2010).

Uma aula habitual deste professor começa com um aquecimento articular localizado combinado com alongamento de alguns segmentos musculares; esse aquecimento aos poucos se transforma em movimentos que os alunos vão repetindo, que também já é uma forma de preparação cardiopulmonar. Seguidamente, Petchu ensina pequenas coreografias, juntando “passos” que os alunos repetem durante bastante tempo e mudam ao comando dele. Depois de fazer várias vezes com os alunos, Petchu deixa que estes dancem sozinhos essas coreografias. Na parte final da sua aula traz-se um pouco de algumas danças mais populares nas boates da capital, como o kuduro, de Angola, ou o funáná, de Cabo Verde, talvez uma forma de tentar agradar a todos os praticantes. Antes de terminar, Petchu desliga a luz da sala e propõe um breve alongamento, composto por alguns dos movimentos do aquecimento, porém mais lentos, e algumas pausas para alongar certos grupos musculares.

Apesar de o professor identificar a sua aula como uma “terapia”, defende que os alunos têm que sair de lá com conteúdos. Utiliza música mecânica, porém isso não impede a tônica na relação entre música e dança, princípio das danças africanas: Petchu usa músicas africanas, mais animadas no início, frénéticas no meio, faz “uníssonos coreográficos” com o refrão ou o final/início das músicas, e, para o alongamento, coloca uma música calma,

geralmente alguns cânticos africanos. É uma aula que se baseia muito na repetição de “passos” em frente ao espelho, o que, por um lado, facilita a aprendizagem dos iniciantes, mas, por outro, lhe confere um certo caráter estático, já que o aquecimento, os movimentos, as coreografias e o alongamento são feitos, o tempo inteiro, sem mudança espacial. Petchu preocupa-se mais em tornar a aula aberta e acessível a todos do que em corrigir muito: porém, se repara que alguém tem alguma dificuldade, repete os movimentos ao lado dessa pessoa.

Uma das marcas desta aula é que ela se desenvolve numa forte relação com o espelho. O espelho, que ocupa toda a largura da sala, acaba por ser uma maneira de os iniciantes poderem acompanhar melhor a aula, mas também introduz outras questões: os praticantes ficam mais presos em seguir um modelo. Este fato vem colocar em evidência um entendimento de ensino mais tradicional, baseado na dinâmica “cópia-repetição”. Perguntamo-nos se isso acontece pelos próprios princípios das danças africanas terem a ver com repetição (ver WELSH, 2001: cap. 2.3) ou se por uma permanência de paradigmas de ensino antigos, em tempos contemporâneos. Porém vemos uma relação com as declarações de Petchu em que várias vezes surge uma abordagem da dança enquanto “transmissão de conhecimento”, expressa em termos como “passar a informação”, “pegar o material, levar para lá, trazer para cá” (PETCHU, 2010). Identificamos, assim, nestes posicionamentos a permanência de uma filosofia de ensino ligada ao tecnicismo, ao aluno “tabula rasa” que pode ser relacionada à ideia de dança apenas como virtuosismo, espetáculo ou aprimoramento técnico (MARQUES, 1999).

Por outro lado, apesar de Petchu lidar com a dança como “transmissão” de conhecimento, ele pressupõe interlocução e questionamento por parte de seus alunos. À semelhança de Eva Azevedo, este professor consegue criar um ambiente em sala de aula de descontração, bem-estar e igualdade. Novamente, este clima não é propriamente algo “intencional” (isto é, não é algo para o qual ele tenha “estratégias” explícitas), mas sim algo decorrente do espírito leve que cria nas aulas, que faz com que, à imagem do professor, os praticantes estejam abertos e comunicativos. Existe um clima de relaxe e igualdade, tanto que os alunos chegam a corrigir o professor quando este se engana. Num outro exemplo, na fase final da aula, um momento de dança mais descontraída, Petchu coloca um aluno cabo- verdiano mais avançado puxando alguns “passos”, enquanto os outros colegas e ele mesmo o imitam. Petchu tem uma inteligência social para saber como e quando interagir com os alunos. Nas nossas observações, reparamos numa mulher de cerca 30 anos que, ao longo de toda uma aula, estava com dificuldade ao tentar acompanhar movimentos mais coreografados. Porém, quando chegou o momento final de descontração, na hora de um “rebolado” de

quadril, Petchu, com uma interação divertida na hora certa – “Nossa Senhora!” (PETCHU; 2010) –, fez com que ela se soltasse e dançasse por prazer (pois reparou que ela estava mais familiarizada com aquele estilo de movimento e aí seria o timing certo para interagir com ela). Por isto, identificamos que este educador sabe como realçar o melhor de cada um e, com isso, cuida do bem-estar da turma.

A sua estratégia principal tem sido, então, o humor. Também aqui está presente o fator repetição, já que, ao longo das suas aulas, Petchu repete alguns “mantras cômicos”, isto é, diversas frases que usa permanentemente: “Brincadeira tem hora”, “Vocês são bué [muito], dj é bué [muito]”. Além disso, utiliza outras estratégias para manter a energia da turma em cima: “gritos” e modulação da voz (“Puuuxa!!”, “Pisa lá”), contagens, de vez em quando usa um apito etc. As expressões utilizadas, os comandos verbais, como, inclusive, a sua própria figura, suscitam um sorriso, quando não gargalhadas, do seu público. O ambiente descontraído continua quando alguém tem uma dificuldade: o formador ri-se, deixando, assim, a própria pessoa descontraída. Este ensinar através da brincadeira, característica mais forte destas aulas, parece funcionar muito bem com o seu tipo de público e ser um diferencial das suas aulas em relação às demais.

Desta forma, faz jus à denominação que o próprio criou de “animador de danças africanas em Portugal e no resto do mundo”. Para Petchu, o seu tipo de público precisa deste tipo de atitude: “Então, este é o meu maior trabalho: que as pessoas saiam das aulas felizes, animadas, satisfeitas com o que vão fazer nas aulas de dança africana” (PETCHU, 2010). Nesse sentido, ele explica que foi desenvolvendo um “alter-ego” que o ajuda a criar um ambiente propício à prática de danças africanas no contexto em que agora atua:

O Petchu é mais solto, é mais para a brincadeira nas aulas, é outra pessoa, então eu acredito que este personagem que eu tenho, mediante a minha vida, e mediante as aulas, é a mesma coisa que o pessoal - quando as pessoas vão fazer as minhas aulas tiram aquela “roupa” que têm e eu digo muitas vezes: “Não, aqui somos todos iguais, tira a gravata, tira o salto alto, e vamos pular, vamos transpirar porque a vida é só uma” (PETCHU, 2010).

Assim, ao mesmo tempo em que observamos que, por um lado, ele quer transmitir uma mensagem ligada ao “carpe diem”, ao ser feliz e aproveitar o momento, a maneira que escolhe para o fazer acaba perpetuando alguns estereótipos. Primeiramente, em vez da prática educativa ser vista como uma troca e uma responsabilidade/autonomia mútua, reforça-se o estereótipo do professor-animador que tem que fazer de tudo para motivar a sua turma e que toda a energia tem que partir dele. Em segundo lugar, dentro de um assunto que iremos

aprofundar mais adiante, este tipo de atitude corresponde ao que os ocidentais esperam ver de um “africano”, e, nesse sentido, pode reforçar estereótipos e preconceitos. Talvez procurando uma maneira de fazer com que este tipo de dança se insira mais em Portugal, o professor angolano trata-a quase como uma atividade aeróbica, chegando a afirmar que criou uma ginástica de estilo africano. Esta abordagem fitness é perceptível inclusivé no tipo de público que cativa, sendo de referir o caso de duas irmãs, em torno de 30 anos, que faziam aula de tênis. Através destes comportamentos, reparamos que, na visão do formador, talvez sejam condicionalismos necessários da inserção das danças africanas no meio em que trabalha, porém até que ponto tratar as danças africanas como uma espécie de aeróbica não disvirtua grande parte dos seus princípios fundamentais?

Dentro dessa questão é interessante destacar alguns pontos. Voltando ao depoimento anterior, podemos sinalizar um aspecto que tem sido bastante referido ao falar sobre dança africana em Portugal, o seu caráter terapêutico. Como uma atividade em que se transpira, em que se “liberta tudo”. Nas palavras de Petchu: “hoje há a descoberta das danças africanas, acima de tudo como uma espécie de libertação espiritual. Uma libertação do corpo e da mente, para as pessoas sentirem-se bem, transpirarem...” (PETCHU, 2010). Ao mesmo tempo, reparamos que, especialmente nas danças angolanas, existe bastante movimentação de quadril. Este tipo de movimentos, numa terra até há bem pouco tempo extremamente “castrada” sexualmente, parece estar dando oportunidade às pessoas de entrar em contato com o seu corpo de outra forma, e de suprir a necessidade de experienciar prazer. Apenas através destes dois pequenos exemplos podemos imaginar o desestabilizar de paradigmas e os novos horizontes que este tipo pode estar criando no referido contexto. Atento à forma como este tipo de dança pode se adaptar às necessidades do seu público, Petchu insiste nas suas danças à luz de um caráter terapêutico. Um aluno, que é conhecido pelo apelido de “Cebola”, nos conta da seguinte forma:

A sensação não dá para explicar... venho cá soltar as emoções, posso estar chateado, com a cabeça cheia de porcaria, chego aqui descarrego tudo; agora vou para casa, e a semana vai começar hoje. Sinto-me vazio e limpo por dentro, quando tou aqui, tou só aqui, a minha cabeça não vai pensar em problema nenhum (CEBOLA, 2010).

Voltando às palavras do professor, a acepção de “espiritual” a que ele parece se referir é ao plano de fazer bem ao “espírito”, de promover uma limpeza de energia, seja através da liberação de toxinas através do suor, ou, inclusive, de restabelecimento de certos rituais.

[...] a mensagem que nós, sobretudo eu, fui passando através das minhas aulas. E as danças que eu faço são rituais, eu explico o que significa esse ritual que eu estou a fazer dentro da aula e ver que há uma história em tudo o que eu faço (PETCHU, 2010).

Este professor recria na sua aula movimentos de guerreiros, de animais, de sedução, gestos de pedido de ajuda a um “plano superior”, enfim, movimentos que fazem parte de um inconsciente coletivo. Simultaneamente, através da maneira como interage e cria à-vontade entre alunos, induz a que estes entrem num estado de catarse, de, como ele próprio afirma, “se libertarem das energias” (PETCHU, 2010). Entendemos, dessa forma, que estas aulas estejam funcionando como uma terapia para os seus praticantes. Assim, parece que algumas qualidades que as danças africanas em Portugal têm enfatizado, como a não exigência de rigor técnico, o estímulo à “catarse”, o reforço de laços sociais, a necessidade de permanecer no momento presente, a interação com música etc, têm feito com que estas aulas funcionem como uma terapia na vida dos seus praticantes. Por outro lado, este entendimento acaba colocando a dança num lugar de “não pensamento”, multipicando alguns lugares-comuns. Por exemplo: num momento em que relembra uma coreografia e se engana, o próprio professor diz: “Não posso pensar, se pensar bloqueio”; e também, discorrendo sobre “vantagens” de dançar danças africanas, defende: “sem pensar nem nada, estás-te a libertar” (PETCHU, 2010). Com isto não queremos dizer que tudo o que é terapêutico pressupõe uma abordagem de “não pensamento”; no entanto, no contexto em estudo, as duas questões acabam por vir juntas.

Figura 6. Aula de Petchu. Foto de divulgação.

Quando falávamos acima do professor animador, temos consciência de que este personagem inventado por Petchu, no fundo, espelha complexidades bem maiores. Vem

evidenciar a necessidade do “africano” de se enquadrar e tentar reproduzir o que é esperado dele (frequentemente um exotismo) para poder ter sucesso no mundo europeu. A curiosidade deste profissional é que ele parece transitar entre duas vertentes do estigma de exotismo ligado aos povos africanos: por um lado, utiliza e caricatura “coisas de pretos” (“gritinhos tribais”, panos africanos, cânticos, comportamentos “lá do mato”), parecendo que se coloca numa posição de submissão em relação ao ex-colonizador; por outro, explora o fascínio que o exótico provoca, usando-o para “aculturar os portugueses” (PETCHU, 2010), e para assumir, desta vez, uma posição “dominante” em relação a estes.

Talvez por intuir que é um “poder” que tem em mãos, esteja cada vez mais forte o discurso de preservação do “original”, do que é “deles”. Petchu, na sequência da resposta sobre possíveis adaptações metodológicas, contesta: “eles [os alunos] vão fazer a dança tradicional e se eu tiver que adulterar já não estou a fazer o original (PETCHU, 2010). Portanto, este angolano refere-se a si mesmo como um “elemento transportador, passando através do movimento e canto, tudo aqui que é de tradição angolana e africana no geral” (PETCHU, 2010). Existe uma preocupação purista em “transmitir” a cultura “como ela é”. Por um lado, este tipo de atitude contribui para que angolanos, cabo-verdianos, são-tomenses, guineenses, moçambicanos, e seus filhos já nascidos portugueses e afastados da cultura dos seus pais, embarquem numa redescoberta de África, sendo, também, uma forma de reforçar laços identitários e comunitários. Por outro lado, faz descaso que, na verdade, quando eles vão “buscar” um conhecimento originário de lá e o inserem noutro contexto, o resultado disso será algo necessariamente diferente. O trabalho de Petchu, assim como o de Eva, é já também uma releitura. É só pensarmos no fato de o formador ter tido de apresentar as aulas dele como algo ligado ao fitness, ou à terapia, e podemos compreender que, em solo português, o lugar que este tipo de dança está ocupando é bem diferente. Assim, ele tira a dança do seu contexto e a recontextualiza, muitas vezes, a partir dos estereótipos do que o português espera do “africano”. Na verdade, o seu caminho vai também no sentido de uma releitura quando diz que recorre agora a danças de outros países africanos:

[...] também aprendi outros ritmos que eu passo hoje como danças de Cabo Verde, da África do Sul, não tão bem como eles que são mais profissionais que eu, porque eu já passo uma versão daquilo que eu aprendi, que é para poder passar como ideia (PETCHU, 2010).

[...] por fazer uma espécie de pesquisa, de ver na internet, ou falo com pessoas desses países africanos, também bailarinos que vivem aqui em Portugal, que então vão-me dizendo em que época e em que ocasião é que eram feitas as danças que eu hoje ensino como cópia de outros países. De Angola não é cópia, mas de outros países foram coisas que tive que aprender de Cabo Verde, de África do Sul, do Senegal (PETCHU, 2010).

Logo, neste assunto o professor parece oscilar entre uma atitude de “reprodução” e uma atitude de releitura. Na realidade, sabemos que nunca, mesmo entre pessoas de uma mesma cultura, mesmo entre irmãos, nunca é possível fazer uma cópia do gesto ou dos movimentos de outra pessoa. Sempre vai ser algo modificado, com a expressão pessoal de cada um. Pensamos que esta oscilação expressa um dilema entre o imperativo, nos tempos de trocas de mobilidade global, de se modificar a informação para que ela se adapte a novos contextos, e a necessidade de manter a sua tradição (e também um território “familiar”). Esta problemática entre manter o “original” e se deixar “fundir” está bem expressa nas ideias que Pedro Tomás (Petchu) nos revela no final da entrevista:

[...] é claro que há sempre um bocado do contexto europeu; a linguagem que nós utilizamos dentro da aula, né? Porque eu digo que não há necessidade de troca, mas temos também que nos adaptar à realidade do país em que nós estamos, então eu digo que acaba por haver uma fusão muito grande. Agora eu digo que é preciso trabalhar com o resto das outras culturas para colocar na minha, mas não fugir ao meu padrão [...] desde a altura em que atravessas uma fronteira, vais sofrer influências; então, tu ou vais só manter a tua tradição, ou vais fazer uma fusão... eu acho bem, porque só vem enriquecer a técnica. Atenção, não é enriquecer a cultura, porque a nossa cultura é aquilo que era quase intacto. [...] para nós só vem enriquecer aquilo que nós não temos lá, que é mais e mais a técnica e a forma de se expressar noutras culturas. Acho bem a fusão mas não podemos perder a nossa raiz e a nossa cultura tradicional africana (PETCHU, 2010).

Nesta fala fica bem evidente essa oscilação entre cópia e releitura que, no fundo, é uma questão recorrente nos tempos globalizados, e que já havíamos identificado no trabalho do grupo Semente. A complexidade que adquire este caso é que se trata de um angolano em terras portuguesas, onde frequentemente a única opção de se ver “incluído” social e artisticamente é justamente preservar a imagem esperada do africano. Na verdade, esse fato vem acrescentar pressões e complexidades de várias ordens, espelhando os territórios ambíguos e movediços dos tempos pós-coloniais.