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Em fevereiro de 2010 rumamos ao norte do país, cidade do Porto, para acompanhar o trabalho da bailarina, coreógrafa e professora Eva Azevedo.

Eva Azevedo tem 32 anos e a sua formação nas danças africanas inicia em 2002, estudando com a maioria dos mestres, professores e companhias que estiveram ou residem em Portugal. O fato de não haver formação profissional ou acadêmica nesta área em Portugal levou a que, em 2006, ela embarcasse numa viagem para realizar um estágio intensivo de dois meses em Guiné Conacri. Essa experiência foi referida pela bailarina como um marco na sua carreira e, desde então, voltou ao continente africano em 2009, por mais um mês, desta vez ao

Burkina Faso, já financiada pela Gestão de Direitos dos Artistas (Portugal). No último ano tem especificado mais o foco do seu trabalho, se especializando em danças do Burkina Faso, país da África Ocidental.

A sua atuação como professora de dança africana da costa oeste de África começou em 2003 e foi, num primeiro momento, motivada por não existir, na época, nenhuma formação continuada nesta área na cidade do Porto. De assinalar que, apenas com um ano de aprendizagem Eva Azevedo tornou-se professora, o que pode ter acarretado naquele momento uma limitação de conhecimentos, já que estava iniciando sua atividade docente. Progressivamente, dentro de um circuito cultural “alternativo”, à medida que mais e mais gente ia sabendo e experimentando essas aulas, a demanda de alunos possibilitou que, hoje em dia, essa professora divida a sua atividade docente por quatro espaços diferentes, todos na região metropolitana do Porto, e realize, ainda, diversos workshops pontuais por todo o país. Assim, o grupo de alunos é cada vez mais heterogêneo, desde jovens a adultos, chegando até a seduzir pessoas de meia-idade.

Desde 2005, Eva Azevedo criou, com Paulo das Cavernas20 (também fundador e músico do grupo Semente), o projeto “Escola Sementinha”, e toda a atividade pedagógica por eles desenvolvida passou a ter esse nome. Este projeto objetiva o ensino de dança e música africana da costa oeste de África e preconiza um conceito de “escola ambulante” sem uma sede própria. Ela se “materializa” através de formação continuada em diferentes espaços e workshops em que Paulo Rodrigues e Eva Azevedo realizam um pouco por todo o país.

A nossa coleta de informação realizou-se no Centro de Formação Cultural Ácaro/Contagiarte (CFC), lugar em que Eva dá aulas desde 2003. As suas aulas estão integradas na formação regular desse centro, em horário noturno (20h-22h), duas vezes por semana. Desde o início, estas aulas decorrem em horário pós-laboral, o que faz com que capte todo o tipo de indivíduos, e não só jovens ou “público da dança”. A procura crescente de alunos levou a que, neste momento, tanto a turma de iniciantes como a de avançados possuam em média de 12-18 alunos, numa faixa etária entre os 18 e os 50 anos. Vale assinalar que observamos duas aulas de iniciantes e duas de avançados, o que enriqueceu ainda mais a nossa análise.

Dentre as aulas observadas no campo, a estrutura standart de uma aula começa primeiramente com um momento de consciência corporal (através da concentração na respiração, em imagens, na distribuição do peso etc.), e prossegue com um aquecimento em

que se distancia um pouco da linha das danças africanas para trabalhar força e flexibilidade combinados, recorrendo a alguns exercícios do método Pilates. Em seguida, entra num aquecimento aeróbico, praticando alguns passos básicos de “dança africana”, num momento inicial em “diagonais” e, posteriormente, espalhando os alunos pela sala, com a professora ensinando uma sequência a partir de “passos” que foram trazidos nessas “diagonais”. Em algumas aulas, Eva Azevedo faz o “exercício de libertação”, que detalharemos em seguida. Na parte final da aula, a formadora costuma formar um círculo com toda a turma para entoar um cântico africano. Para terminar, a professora entra já na parte de desaquecimento, em que propõe um alongamento. As aulas observadas decorreram no inverno, e Eva salienta que não estavam fazendo o relaxamento final devido ao frio, mas que, depois desse período, iriam retomar esse momento da aula.

O seu trabalho não se limita a abordar apenas a “vertente dança”, mas se espraia por vários elementos da(s) cultura(s) africana(s), fornecendo informações de ritmos, cânticos, hábitos, tradições, entre outros. Eva Azevedo diz que as suas aulas se baseiam nas danças africanas da costa oeste (etnias mandinga, susu e baga21), que são danças ligadas a rituais sagrados de contato com a natureza (agricultura, pesca, guerra etc.), “misturado com as minhas influências e as minhas criações” (AZEVEDO, 2010).

Nesse sentido, o que esta professora propõe é um trabalho a partir de elementos de danças africanas tradicionais provenientes de vários países de África, dos quais ela se apropria e relê à luz da sua visão particular de dança e de mundo, desenvolvendo uma forma de se adequar aos corpos, ritmo e perfil do seu público. Assim, como uma espécie animal que, para sobreviver, tem que evoluir, isto é, desenvolver modificações que lhe permitam adaptar-se ao meio, o mesmo acontece com o conhecimento: inserido num outro contexto tem que mudar, sob pena de não se multiplicar (DAWKINS, 1979). As danças que Eva propõe, apesar de ainda manterem o nome, já são uma coisa diferente, e sua abordagem da “dança africana” evidencia uma série de adequações metodológicas que faz com que este tipo de dança se insira e, inclusive, se torne mais “democrática” por estas terras.

Essa perspectiva pode ser destacada em dois momentos de sua aula. Em primeiro lugar, destaca-se a integração de outras disciplinas do corpo na aula. Tanto na concentração inicial como no aquecimento, como, aliás, em todos os momentos da aula, Eva utiliza princípios metodológicos da técnica de Pilates, formação que faz parte do seu currículo. Está presente uma noção de alinhamento e de correção postural, e recorre também bastante ao uso

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de metáforas (“Abrir um sorriso no peito”, “um balde com água na cintura” etc.). Concomitantemente, também o alongamento final é feito seguindo exercícios e a temporalidade do Hatha Yoga. A introdução dessas técnicas complementares vem enriquecer a sua aula, dando-lhe uma vertente de consciência e alinhamento corporal, coisa que, à partida, não seria tão trabalhada numa aula de dança africana no contexto autóctone. Abdicando de uma visão “essencialista” de danças africanas, concebe-se o cruzamento de linguagens e técnicas, elementos que, à primeira vista, poderiam parecer “deturpadores”. Decorrente da introdução dessas técnicas tem sido referida pelos alunos uma evolução e maior informação ao nível de “consciência corporal, de boas posturas físicas” (MORAIS, 2010).

Figura 1. Aula de Eva Azevedo. Foto: Hugo Lima.

Em segundo lugar, seja aula de iniciantes, seja aula de avançados, existe uma preocupação em criar uma decomposição de informação. Essa decomposição acontece não só na estrutura de aula, como também ao nível do conteúdo. Na estrutura de aula, identificamos uma divisão e uma organização da informação em segmentos gradativos com propósitos bem definidos. Para dar um exemplo, com o momento de consciência corporal inicial Eva Azevedo dá uma atenção ao contexto e ao próprio dia a dia da sua população de alunos, os quais, muitas vezes, vêm para a sala de aula carregando consigo o stress do emprego, do trânsito, da rua etc. Da mesma forma, sendo esta uma dança que trabalha a partir de esforço aeróbico, capacidade de explosão, saltos etc., e sendo Portugal um país frio na maior parte do ano, faz sentido ter um aquecimento reforçado, lubrificando as articulações e esquentando bem a musculatura.

Esse esforço de tornar a informação acessível é visível na exposição dos conteúdos. Eva trabalha no sentido de uma “desfragmentação dos passos” (AZEVEDO, 2010), ensinando

os movimentos acumulativamente: primeiro as pernas, os braços e a cabeça, para depois mostrar a articulação entre essas partes. Segundo, deixa que os alunos se apropriem do movimento: primeiro no dobro do tempo, para só depois fazê-lo mais tarde na velocidade real. Parece-nos que este tipo de estratégia, por um lado, pode ajudar os alunos a ter um tempo de familiarização com a movimentação, a entender as partes, para depois entender o todo; por outro, pode contribuir para uma desapropriação do movimento, porque também, ao decompor muito, por vezes perde-se um pouco a noção do “todo”, do conjunto que é um movimento. Tende-se a uma mecanização que recai numa ação que é mais comandada do que intuída.

Assim, reparamos que, ao mesmo tempo, a decomposição leva a que as pessoas

pensem nas partes, a professora repete várias vezes “Não pensem, dancem” (AZEVEDO,

2010). Parece, ainda, haver uma dificuldade em equilibrar o ensinar “dança africana” de uma forma tradicional (de modo mais “intuitivo”, por observação e por pulsação junto com o ritmo), com a sua pedagogização e a necessidade de decompor para o aluno que não cresceu nessa cultura e não está habituado a essa forma de aprendizagem específica.

De uma forma breve, é importante referir que, durante muito tempo, a transmissão de conhecimento nos contextos tradicionais africanos acontecia em grande parte pela observação e convívio com os mais experientes, os mestres, os pais e parentes. Só mais recentemente, a partir do século passado, fruto da mundialização e das trocas recíprocas por ela geradas, se começou a codificar e a buscar ferramentas para replicar estes ensinamentos. Os contatos e influências da sociedade ocidental contemporânea, edificada em certezas e valores de capitalismo, consumismo, imediatismo etc., vieram modificar a maneira como se lida com essas tradições.

De ressaltar que, principalmente em contextos ocidentais, houve uma necessidade de criar estratégias pedagógicas e metodológicas que permitissem “adaptações” a movimentações desenvolvidas por outras sociedades, outros corpos, outro clima, outra geografia22. Assim, a tendência pedagógica que Eva Azevedo desenvolve não é uma característica inteiramente “sua”, mas vem na linha de uma recontextualização que é feita quando um conhecimento autóctone se insere no mundo ocidental.

Da sua recriação, são, sim, “exercícios educativos” desenvolvidos para que os seus alunos captem determinadas qualidades de movimento. Por exemplo: se este tipo de dança

22 Por outro lado, também nos contextos autóctones, apesar de ainda hoje ser cultivada a tradição oral e

presencial, novas contaminações têm surgido consequências de fluxos entre africanos e europeus. Assim também em certos lugares em África (como na École de Sables no Senegal, por exemplo) têm sido desenvolvidas aulas e metodologias para transmitir ao corpo “estrangeiro” noções da qualidade de corpo/movimento que tais danças possuem. Para saber mais: http://www.jantbi.org/

envolve uma relação forte com o solo, um corpo com joelhos dobrados, disponível, em direção à terra, essas características, em corpos que não estão acostumados e até têm dificuldade nessas posturas, têm que ser trabalhadas, sendo que Eva desenvolve exercícios específicos para o efeito. O “exercício da molinha”, que ela costuma trazer nas aulas de iniciantes, consiste em se deslocar pelo espaço a partir de um “pulsar” com o chão (pequenas e contínuas flexões de joelhos), tentando se deslocar com o corpo sempre flexionado, explorando saltos, impulsos, experimentando de onde parte esse balanço. Este é um exemplo de um exercício desenvolvido para trabalhar dificuldades que os alunos costumam ter. Além disso, recorre várias vezes a imagens que não são fixas aos exercícios, mas que surgem para ajudar o aluno a perceber a qualidade do movimento (ex: o passo do “camelo”: “sintam o vosso camelo”, “Imaginem que estão a costurar com a mão”).

Outro exemplo de adaptação metodológica que se tornou popular é o que Eva chama de exercício de “libertação”. Este exercício, que começou apenas como uma forma de desenvolver nas pessoas características das danças africanas (qualidade de movimento livre, improvisação e relação música-dança), parece estar cumprindo várias funções no seio deste grupo. Nele, é proposto que os praticantes se espalhem pela sala e “dancem livremente”, deixando aflorar o seu ritmo e expressão pessoal, a partir de uma música que está acontecendo ao vivo. Não cabe aqui nos aprofundarmos muito sobre a questão desse momento ser realmente “livre” ou não, mas dá para perceber que, apesar de ela dar a indicação “Sinta no seu ritmo pessoal”, há uma permanência rítmica e uma indução de qualidades e formas de movimento, o que, de certa forma, faz com que quem está envolvido na aula permaneça nas mesmas interpretações para esse exercício. Parece, assim, que, ao mesmo tempo que estas danças proporcionam uma grande libertação por promover a interpretação própria dos “passos”, também proporcionam uma certa limitação, já que, assim como noutros tipos de dança, como o ballet, por exemplo, busca-se uma imitação das linhas, dos gestos, do tipo de postura de corpo. Então, o “ritmo pessoal” e livre, por falta de outros estímulos, talvez não seja tão pessoal, mas seja mais uma liberação “parcial”, induzida a partir do que é “liberdade” para a professora, ou “liberdade” no contexto das danças africanas. No entanto, a educadora foi-se dando conta que este momento subia bastante a energia da aula e começou a desenvolvê-lo mais, o que a faz assumir atualmente:

[...] eu quero que as pessoas também vão às minhas aulas como um modo de se liberarem através da dança. [...] Todos nós temos um ritmo próprio, o nosso coração, o nosso tambor, e acho que a maioria do ser humano esqueceu-se de ouvir esse ritmo e nós vivemos muito ao ritmo do dia-a-dia, da sociedade, das tarefas, das obrigações. O que pretendo com as minhas aulas é que as pessoas depois de um dia

de trabalho, de stress, consigam na minha aula ir para dentro delas e ouvir o ritmo do coração (AZEVEDO, 2010).

Eva parece, então, com esse exercício, ter achado um meio de induzir os alunos numa espécie de catarse, não só devido à experiência de estarem dançando de uma forma mais ou menos livre, ao som dos tambores, como também por estarem vivendo um momento de comunhão, de sentimento de grupo. Todo mundo se liberta junto; não é a pessoa fechada em si mesma, mas sim comunicando com os colegas e com os músicos. Ao mesmo tempo, a formadora afirma que “as pessoas também gostam de dançar estas danças porque voltam a um passado nosso que está esquecido [...] a uma ligação ancestral com o divino” (AZEVEDO, 2010).

É interessante de se pensar que os elementos que ela explora dessas danças são aqueles que são adaptáveis ao novo contexto. Assim, esta professora tem desenvolvido bastante o que ela chama de ligação ao “divino”. Ela acredita que a “ligação com o divino, com a Natureza, é algo que está esquecido dentro de nós” (AZEVEDO, 2010) e que as pessoas têm vindo procurar isso na experiência de dançar estas danças. Para além disso, Eva também crê que a música ao vivo, um diferencial das suas aulas, traz os seus alunos para perto de uma “organicidade”, para perto do “nosso tambor, o nosso coração” (AZEVEDO, 2010).

Através de dinâmicas de “libertação” como estas, notamos, ao mesmo tempo, uma ênfase muito grande no “sentimento”, fazendo com que, muitas vezes, estas aulas estejam funcionando como uma “terapia”. “Terapia” porque indivíduos de todas as idades, estratos sociais e realidades ocupacionais se encontram entre quatro paredes, suam, riem, dançam e cantam juntos. Espaços e momentos como esses parecem estar preenchendo uma necessidade de convívio, de comunhão e de espiritualidade que são cada vez mais difíceis de cultivar nas sociedades ocidentais contemporâneas. Por isso, pode não ser propriamente que o objetivo das aulas seja “terapêutico”, mas às vezes os próprios alunos acabam por sentir estes efeitos, devidos às circunstâncias reunidas nestas aulas. Esta ideia é ilustrada na fala do aluno Bruno Morais (2010): “Sinto-me mais livre. Um deus. [...] Até certas tensões, stress, poder estar a libertar isso. A dança africana puxa lá para cima, para te expandires e libertares”.

Mas se, por um lado, se identifica nos praticantes uma vontade de se “libertar” das pressões da sociedade, das formas estipuladas, da dança “quadradinha”, com regras, e de poder dançar mais livremente, também fica claro que eles ficam travados por coisas como timidez, medo, falta de jeito, fruto desse tipo de dinâmicas de dança “livre” não fazerem parte das manifestações sociais portuguesas.

Ao mesmo tempo, esta abordagem pode sugerir, muitas vezes, entendimento da dança como “não-pensamento”. O exemplo do “exercício de libertação” propõe uma dança “autêntica”, livre, intuitiva, onde, como coloca Eva, “não se pensa, sente-se”. A mesma visão é fomentada quando a formadora percebe que os alunos estão “bloqueando”, ela costuma dizer “Não pensem, sintam”, multiplicando, dessa forma, também uma atitude dicotômica que apresenta as danças africanas unicamente do ponto de vista da emoção, do intuitivo. Sabemos que esta é uma visão muito redutora da complexidade implicada no ato de dançar e que, na verdade, ele envolve a instância corpo-mente, com a qual “pensamos, fazendo”.

Numa outra dimensão, paralelamente a desenvolver os exercícios didáticos descritos, esta docente ensina, ainda, alguns princípios corporais (distribuição do peso, postura, intenção, foco) que ajudam o iniciante a se situar no estilo de movimento “africano”. Na prática, em um movimento no qual os alunos estão se atrapalhando no ritmo, Eva dá o conselho de anteciparem o salto, para, dessa forma, se sincronizarem com o tempo.

Figura 2. Aula de Eva Azevedo. Foto: Hugo Lima.

O que parece também funcionar bastante bem é a tendência de a professora repetir conteúdos, retomando informações e adicionando-lhes sentido, histórias, juntando-os no final da aula, elaborando pequenas sequências. Para essas sequências, a professora cria arranjos (chamados breaks), em uníssono com a música, elemento que cativa quem dança. Tanto nessa pequena coreografia como durante as aulas, Eva ensina dança muito em relação com a música, criando cantigas para os passos ou breaks, e desenvolvendo, assim, o treino da audição e ritmicidade, essencial para um bailarino de danças africanas. Por essa razão, a relação música-dança é bastante enfatizada nas opiniões sobre estas aulas:

Acho que seria totalmente diferente se não houvesse os músicos [...] a energia da sala muda. É muito mais calor, também do contato visual com eles, eles estão a puxar, nós também estamos queremos puxar, é uma sintonia. E também torna tudo mais real, assim eu penso, “Ok, isto é dança africana” (MORAIS, 2010).

Sobre as pequenas coreografias que Eva cria, poderíamos dizer que são baseadas, à primeira vista, num conceito de “dança africana” enquanto colagem de passos, que parece ser o que funciona melhor nestas aulas, em que as pessoas precisam de muito tempo para se familiarizar com novos movimentos, novas posturas, novos entendimentos de mundo. Em nossa opinião, esse entendimento de dança enquanto “passos”, enquanto aprendizagem instrumental de “receitas prontas” fornecidas por outros, prejudica a criatividade e dá pouco espaço ao novo e ao “imprevisto”. Mas, se pensarmos na forma como a dança é abordada nestas aulas, a situação é mais complexa do que parece à partida. Apesar de parecer ser o velho esquema de “cópia/repetição” do modelo do professor, porque a aula é estruturada em cima de passos que são ensinados aos alunos, simultaneamente, Eva Azevedo salvaguarda que cada um dance “do seu jeito”, cada um vá nos seus limites, dizendo várias vezes em cada aula frases como “Sigam o vosso ritmo” / “Dancem livremente” (AZEVEDO, 2010). E, ao mesmo tempo, ainda que Eva estruture grande parte da sua aula em torno da “transmissão de passos” e sequências, existem outras partes da aula em que as pessoas podem improvisar mais livremente, existem partes da aula em que as pessoas podem cantar e saber sobre costumes dessa cultura, evidenciando uma atitude, como já referimos acima, que vai além de uma mera “colagem de passos”. A professora incentiva a reinterpretação dos movimentos a partir do próprio corpo e “expressão pessoal” de cada aluno, dizendo mesmo: “Não se bloqueiem querendo fazer igual a mim, cada um tem o seu jeito” (AZEVEDO, 2010).

Assim, é válido referir que ainda que haja um foco na apreensão de “passos”, na repetição de um “abecedário”, isso parece acontecer como forma de apresentar aos praticantes um vocabulário novo, havendo depois uma certa descontração para que cada um dê o seu