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Anos Cruciais para Salazar (1958-1962)

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 67-71)

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL NO SÉCULO XX:

1.3 O ESTADO NOVO (1932-1974)

1.3.4 Anos Cruciais para Salazar (1958-1962)

Entre os anos de 1958 e 1962 Salazar atravessou um período de crise em seu governo começando pouco antes das eleições presidenciais de 1958 e perdurando com o início da Guerra Colonial em 1961. A falta de crescimento econômico e a instabilidade política geraram dúvidas acerca de sua sobrevivência no governo e muitos políticos se uniram para tentar um golpe militar, mas sempre fracassaram. Sua permanência no governo foi devido à falta de entendimento entre seus adversários e críticos do regime, dando margem a justificativas e defesas por parte de Salazar.

Para as eleições presidenciais de 1958, Portugal contou com um forte candidato independente, Humberto Delgado, que tinha sido representante de Portugal na OTAN, adido militar em Washington, e foi um dos apoiantes do regime antes de ser influenciado pela política norte-americana e pela amizade com o antigo inspetor da Administração Colonial, Henrique Galvão:

A fazer fé nas palavras de Marcelo Caetano, foi a experiência de vida nos Estados Unidos que despertou em Humberto Delgado a convicção de que era necessário agitar o Estado Novo, um objetivo já referido por Delgado no início da década de 1950, faltando apenas esperar pela sua promoção a general (que ocorreu em 1953) para começar a agir. Delgado planejava mudar o regime a partir de dentro e não opor-se completamente a ele. (MENESES, 2011, p. 467)

33 Tabela feita com base no Instituto Nacional de Estatística, 2006. Disponível em: http://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=CENSOS&xpgid=ine_censos_estudos

Em sua candidatura, Humberto Delgado afirmou que exoneraria o ministro, caso ganhasse as eleições e sua postura causou desconforto no ditador:

Finalmente o seu estilo: o desassombro, a coragem física e moral como que a resgatar as décadas de medo, de silêncio, de opressão, de temor, reverencial face a um poder distante e autocrático – tudo resumido nesse santo-e-senha da explosão popular e da esperança que foi o Obviamente demito-o! lançado sobre Salazar. (ROSAS, 2013, p. 241 – grifo do autor)

Salazar viu-se fortemente pressionado com a atitude audaciosa de Delgado e além de causar tumulto internamente, mexeu também com a população que começava a segui-lo e a acreditar em alguma mudança. Anteriormente, as eleições presidenciais durante o Estado Novo não houve candidatos de oposição, de maneira que Salazar nunca fora realmente ameaçado, e pela primeira vez, um candidato independente concorreria as urnas sem desistir da disputa antecipadamente.

Delgado levantaria o país de norte a sul, faria descer à rua, espontaneamente, sem que ninguém soubesse como, surpreendendo tudo e todos no regime e nas oposições, centenas de milhares de pessoas que o aclamavam em delírio, que o levantavam em ombros, que vinham a pé, de longe, descalços, filhos no colo, ver passar e saudar o “senhor general”. (ROSAS, 2013, p. 242)

Todos os esforços de Humberto Delgado foram em vão, pois no fim, o candidato escolhido pela União Nacional, Américo Tomás, “venceu” as eleições por 75% dos votos, resultados “sem dúvida manipulados” (GÓMEZ, 2011, p.74), sendo que o eleito foi “uma personagem sem relevo cujo mérito principal era a sua ortodoxa fidelidade a Salazar” (GÓMEZ, 2011, p. 74), conforme vemos propagandas

veiculadas como na imagem ao lado34, que mostra o candidato

sendo apoiado por António Salazar.

Alvo de ameaças por parte da polícia política, Humberto Delgado pediu asilo político na embaixada do Brasil, mas ainda assim planejava outras estratégias para um golpe militar, sendo novamente frustrado.

Um ano após a fraude das eleições, Salazar aprovou

uma constituição que afirmava que o presidente seria eleito não mais por sufrágio, e sim por um colégio eleitoral, formado apenas por membros da União Nacional, evitando assim a possibilidade de ‘nova’ tentativa de golpe. O presidente eleito Américo Tomás

34 FIGURA 11: “Vote com Salazar Por Portugal”: Fonte: Imagem retirada dos Arquivos da Torre do Tombo, sob número: PT-TT-AOS-D-M-18-1-14-647_m0001. Disponível para consulta online em: http://digitarq.arquivos.pt/details?id=3893358

permaneceu no poder por mais dois mandatos, saindo apenas em 1974, com a queda do regime. Henrique Galvão (2010) também relatou em sua carta o episódio das eleições fraudadas:

Ainda te foi fácil roubares escandalosamente as eleições e alcandorares o candidato vencido à chefia do Estado. A máquina estava perfeitamente montada para estas manigâncias. Mas já não te foi possível manter no país a dúvida quando ao verdadeiro resultado das eleições. O Humberto Delgado ganhou-as por maioria esmagadora. O país viu-te, alucinado e de cabeça perdida como nunca, decomposto, knock down, no teu desvairo, a organizares ridículas manifestações de desagravo, a atacares a Igreja, que também havias mistificado fazendo-o passar como filho fiel, só porque ela, pela voz claríssima e puramente religiosa do Bispo do Porto e de muitos sacerdotes, se recusou a colaborar na tua farsa eleitoral e te chamou a atenção para a miséria deste povo [...]. (GALVÃO, 2010, p. 57)

As eleições de 1958 trouxeram a Portugal inúmeras consequências para o governo, e o país passou por períodos de intensa agitação social e política, greves, manifestações e protestos estudantis. Além disso, o bispo do Porto, António Ferreira Gomes, redigiu uma longa carta ao primeiro-ministro, discordando do “Estado Novo” em muitos aspectos, dizendo que tal regime estaria em discordância com os Ensinamentos da Igreja (MENESES, 2011). A coragem do bispo e os itens demonstrados na carta fez com que sua demissão fosse exigida por Salazar, e além disso, sua carta foi copiada e inicialmente distribuída entre os párocos da diocese, tornando-a logo conhecida entre o restante da população. Para Salazar, ver a Igreja contra o seu regime, foi mais um golpe em seu governo, e tentou logo recorrer ao Episcopado Português já que seria impossível reprimir o bispo publicamente. O bispo foi afastado de seu cargo por um tempo, mas a Igreja não o substituiu por outro como pedia o ministro; ele saiu do país, mas não pôde regressar enquanto Salazar estivesse no poder.

Tais episódios revelam claramente como o ministro esteve sob ameaças internas e externas, especialmente no fim do seu governo, mas que, com seu poder e autoridade sobre os outros, conseguia sempre contornar a situação a seu favor. Mas as adversidades ainda estariam longe de acabar, com o início da Guerra Colonial.

1.3.4.1 A Abrilada e a Guerra Colonial

A Guerra Colonial teve início em 1961 e foi o ponto chave para o desgaste da ditadura. Pouco antes, Salazar ainda teve de enfrentar um período conturbado também internamente. Logo no início do ano, Henrique Galvão, um de seus ex-ministros que se

revoltou duramente contra o governo, comandou o assalto ao paquete Santa Maria chamando a atenção do mundo e especialmente da mídia americana, que já se mostrava contrária as medidas adotadas por Salazar e o pressionava pela posse [ilegal] das terras na África: o navio, que saiu da Argentina com direção aos Estados Unidos foi desviado pelo grupo de militares com o objetivo de ir a Angola e liderar um golpe de estado. Mesmo tendo falhado, o evento marcou a política salazarista e o enfraquecimento de seu governo era evidente. Ainda, a ONU passou a pressionar Portugal após a descolonização de outros países da África e o governo americano também questionou o andamento da

descolonização. Cabe aqui ressaltar que o general Humberto Delgado35 – exilado no

Brasil após represálias por parte do governo ocorridas por ocasião das eleições – enviou carta ao Secretário Geral da ONU relatando a Política Colonial Salazarista e solicitando uma posição em relação ao caso (ANEXO D). O posicionamento intransigente de Salazar em relação à descolonização dos territórios ultramarinos forçou o Ministro de Defesa Nacional Botelho Moniz a se rebelar contra o ditador e a tentar um Golpe de Estado que

ficou conhecido como Abrilada ou Golpe Botelho Moniz. Já seria a segunda tentativa em

menos três anos, iniciada com as eleições presidenciais de 1958, e ambas foram fracassadas. De todos os obstáculos obtidos nos últimos anos e todos os adversários que Salazar poderia enfrentar, Botelho Moniz teria sido talvez o mais arriscado para o ministro, causando certa inquietação e foi o que realmente poderia causar a sua saída do poder, por ter todas as evidências necessárias para o fim de seu comando: Adriano Moreira (ministro do Ultramar em 1961) “ouviu Salazar desabafar que nunca se sentira tão perplexo em toda a sua vida política, e admitir que o General Moniz tinha na mão todos os comandos” (MOREIRA, 2004 apud ROSAS, 2013, p. 246).

Com a descolonização de grande parte dos países da África, na década de cinquenta, restando praticamente a presença de Portugal em alguns territórios, a ONU voltou a pressionar o país por posse ilegal de terras, mas Portugal continuou afirmando

que tais terras não seriam colônias36, e sim, parte do território português. Ainda na década

de 50, foram surgindo líderes de movimentos nacionalistas que passaram a reivindicar a libertação das colônias, como por exemplo: Amílcar Cabral em 1956 fundou o partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC); Em Angola houve a

35 Humberto Delgado continuou suas tentativas de golpe de Estado após as eleições, sendo perseguido por agentes da PIDE, até que em 1965, após um tempo exilado, foi assassinado pela polícia política na fronteira com a Espanha, ao pensar que se encontraria com opositores ao regime.

rivalidade entre três grupos na luta contra o colonizador, a União das Populações de Angola (UPA) em 1955, mais tarde conhecido como Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA); o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), criado por Agostinho Neto em 1956; e, por último, a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) criada em 1966.Em Moçambique, a Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) foi constituída em 1962 por Eduardo Mondlane. Em São Tomé e Príncipe também foi organizado um movimento que pleiteava a independência das ilhas, o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP).

Salazar mostrava-se irredutível quanto à ideia de negociar uma saída dessas terras, porque causaria um “efeito dominó”, e caso alguma delas viesse a ser independente, as outras conseguiriam o mesmo feito com mais facilidade, uma vez que o governo estaria fragilizado. Dessa forma, a solução foi combater e emendar uma guerra a “todo custo” para manter as províncias ultramarinas em sua posse. A partir dessa época, com uma Guerra Colonial, o governo português teve de se comprometer com 40% do orçamento do Estado para a guerra, o que causava muitas revoltas pelo país, causando um forte impacto não somente na economia, mas também para muitas famílias que tiveram entes queridos lutando em uma guerra que não traria benefícios para o futuro da nação.

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 67-71)