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Primavera Marcelista e a Revolução dos Cravos

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 71-75)

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL NO SÉCULO XX:

1.3 O ESTADO NOVO (1932-1974)

1.3.5 Primavera Marcelista e a Revolução dos Cravos

Os eventos ocorridos até então dão um panorama não muito favorável para o regime português, especialmente por causa dos efeitos da Guerra Colonial que continuava ceifando vidas nas províncias ultramarinas. Os problemas internos também forçavam Salazar a repensar na sua política para resgatar confiança não somente da população, mas principalmente das pessoas que o rodeavam, que trabalhavam juntamente com ele.

Porém, em agosto de 1968, o Presidente do Concelho começou uma longa batalha contra os seus problemas de saúde advindos de uma lesão sofrida com uma queda em seu escritório. Com idade avançada, os dias que sucederam a queda foram marcados por constantes dores de cabeça e idas ao médico, apesar de o Presidente alegar que estaria tudo bem. Com o agravamento do quadro, após uma cirurgia e duas hemorragias intracranianas, e independentemente do desfecho, enquanto o ministro ainda se encontrava hospitalizado, começaram a busca de um sucessor que conseguisse substituir Salazar, governar sem a presença dele e, ainda, ter a aprovação das Forças Armadas.

Assim, no dia 27 de setembro de 1968, Marcello Caetano37 assumiu a posição de primeiro ministro – o segundo ministro de Portugal desde 1932. Surpreendentemente, Salazar foi melhorando de maneira gradual, mas ainda muito debilitado, não lhe contaram sobre a sucessão de seu cargo, segredo que mantiveram até o dia da sua morte, quase dois anos após o incidente. Retornou à sua residência sob cuidados médicos, mas sua equipe nunca encontrou palavras para explicar-lhe o ocorrido, uma vez que Salazar ainda mantinha esperanças de voltar ao poder quando terminasse o seu repouso e sua saúde se restaurasse. Os acontecimentos políticos eram mantidos em sigilo: “Liam-lhe o jornal, o que queria dizer que tinham de exercer censura sobre a informação transmitida, a fim de manter secreta a nomeação de Caetano” (MENESES, 2011, p. 649). Mesmo percebendo já em 1970, um mês antes de sua morte, que os assuntos políticos foram mantidos em sigilo, nunca soube de fato o que teria ocorrido. Uma infecção renal agravou sua saúde, e Salazar veio a falecer no dia 27 de julho de 1970.

Caetano, em seu discurso logo após a morte de Salazar, diz que

Salazar recebeu um país arruinado, dividido, convulso, desorientado, descrente nos seus destinos, intoxicado por uma política estéril. Deixou um país ordenado, unido, consciente, seguro dos seus objetivos e com capacidade para os atingir” (Caetano apud Meneses, 2011, p. 653)

Embora houvesse mérito por parte Salazar relativamente a alguns avanços do país, era inquestionável que áreas como a agricultura e a indústria sofreram com os retrocessos, levando os jovens ao desemprego e forçando-os a emigrarem.

A entrada efetiva de Marcello Caetano trazia à população grande expectativa de mudança, especialmente porque o posicionamento político dele divergia do seu antecessor. Porém, não seria possível nenhuma transformação decisiva que não envolvesse o fim da Guerra Colonial e a independência das províncias ultramarinas, ações descartadas pelo Presidente pela possibilidade de militares tomarem o poder:

As Forças Armadas, através dos seus chefes, punham, pois, ao Presidente da República, como condição para aceitarem o novo Chefe de Governo, que não só se mantivesse a política de defesa do Ultramar como se evitasse qualquer veleidade de experimentar uma solução federativa. O Chefe de Estado transmitiu-me estas únicas condições.

37 Marcello Caetano já havia sido um dos destaques do Estado Novo, ao ser um dos redatores da Constituição em 1933, comissário nacional da Mocidade Portuguesa, e ainda o presidente do Conselho entre 1954 a 1958. Durante dez anos, ficou fora da política – trabalhou como professor – retornando em 1968, quando foi o mais votado entre a equipe para ocupar o lugar de Salazar – mesmo tendo ideias divergentes. Após a Revolução dos Cravos, Marcello Caetano ficou exilado no Brasil, onde foi bem recebido e convidado para dar inúmeras conferências e aulas na área de Direito (ressalta-se que o Brasil ainda estava sob o regime ditatorial). Lançou muitos livros sobre sua vida política e acadêmica e faleceu em 1980, no Rio de Janeiro.

Ficou bem claro que, - se fosse mal sucedido no meu propósito de obter em 1969 um voto eleitorado favorável ‘a defesa do Ultramar, eu cederia o Poder às Forças Armadas. (CAETANO, 1976, s/p)38

Caetano aparentemente mostrava uma tendência inicial para uma política de

mudanças e reformas políticas, o que levou a denominarem esse período de Primavera

Marcelista. Segundo um depoimento dele, nunca se preocupou em fazer uma política de esquerda ou direita, e sim, em ser fiel ao seu mandato e em averiguar as necessidades do povo e fazê-la da maneira mais eficaz possível. (CAETANO, 1976). Ainda, “lutei contra os partidos totalitários, [...] as actividades clandestinas, os perturbadores do sossego público pelo terror, e como era meu dever, reprimi a desordem, a imoralidade, a subversão. Fui vencido neste combate, hoje em dia apelidado de “fascista”. (s,p)

Mas questões de todos os lados ameaçaram o poder de Marcello Caetano: oposições de governo, frentes democratas e socialistas; greves dos trabalhadores,

contestação estudantil (que ganharam força após o Maio de 6839), fatos que atenuaram a

fragilidade do governo e culminaram no fortalecimento dos militares, já em fins de 73 e início de 74.

O ano de 1973 foi bastante conturbado para Marcello Caetano, com a intensificação dos protestos por parte das Forças Armadas, com a Guerra Colonial (e independência da Guiné-Bissau) e novamente a pressão da ONU contra a Política Colonial portuguesa – agravada especialmente com a denúncia feita pelo TIMES que

repercutiu pelos jornais europeus, somando-se ao Massacre de Wiryamu40 ocorrido em

Moçambique em dezembro do ano anterior. Ainda nesse ano, ocorreram eleições gerais de 1973 em que não houve candidatos de oposição por falta de transparência do governo e mudanças na lei eleitoral.

Mas o momento mais relevante do ano ocorreu com o início das manifestações contrárias por parte das Forças Armadas, iniciando-se no Porto, em junho de 1973, com

38 Texto integral disponível em: http://leccart2006.tripod.com/prof_mc.pdf

39 Maio de 68 foi um movimento ocorrido na França iniciado por estudantes com o objetivo de reivindicar reformas no setor educacional, provocando muitos confrontos e uma grande repercussão midiática. A tentativa do presidente francês Charles de Gaulle de inibir tal revolução gerou mais descontentamento levando o restante da população (trabalhadores, camponeses) a aderir aos protestos e à greve que contou com quase dez milhões de adeptos. O fato de ter sido um movimento que abrangeu os aspectos universitários, sociais e políticos, a sociedade francesa ficou bastante desestruturada inicialmente e após um mês de muitas revoltas, o presidente convocou novas eleições, vencidas por aliados de Gaulle. O movimento refletiu internacionalmente impulsionando outros jovens a lutarem mais pelos seus direitos – o que ocorreu em Portugal poucos anos depois.

40 O Massacre de Wiryamu ocorreu em Moçambique em dezembro de 1972, quando uma tropa portuguesa matou em torno de quatrocentas pessoas de algumas aldeias, inclusive mulheres e crianças. O governo português nunca confirmou os fatos.

um evento em que combatentes e ex-combatentes se reuniram em favor da defesa do

espaço Ultramarino – expondo que jamais trairiam a pátria. No Congresso dos

Combatentes do Ultramar pouco mais de quatrocentos oficiais reagiram às medidas e promoveram um abaixo-assinado contra o evento e a guerra, iniciando a partir daí a grande derrocada do governo: no mês seguinte, devido ao escasso número de capitães para combater na guerra do Ultramar (muitos se eximiam dos deveres, talvez por serem mais politizados e informados, levando a uma defasagem no número de combatentes), o governo se viu obrigado a tomar medidas controversas que geraram discordância por parte das Forças Armadas: para lutar na frente de batalha, não seria mais necessário um curso de quatro anos como de costume, e sim, um curso intensivo de apenas seis meses, para acelerar a chegada de mais combatentes. Com protestos e reações contrárias a essa medida, o governo foi obrigado a revogar a lei, mas os oficiais continuaram com suas manifestações contrárias ao regime, iniciando, assim, o Movimento Capitães (MC) – conhecido posteriormente por Movimento Capitães de Abril. Muitos desses capitães já estariam insatisfeitos com o governo de Marcello Caetano, e tais medidas foram o ápice para aumentar o desequilíbrio entre as Forças Armadas e o governo. Foi esse movimento que alterou a história portuguesa, sendo algo particular: “A grande singularidade no caso português foi precisamente a intervenção democratizante do Movimento dos Capitães, rara senão única neste século, e que estava longe de ser previsível, [...]” (PINTO, 1999, p.20241)

A partir desses episódios, os capitães passaram a se reunir eventualmente para discutir possíveis negociações para tomada de poder e com o tempo, o general António Spínola – que já havia trabalhado nas províncias ultramarinas – também se uniu ao movimento como um dos chefes das Forças Armadas, juntamente com o general Costa Gomes, que era o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas.

Em fevereiro de 1974, Spínola lança o livro “Portugal e o Futuro”, obra em que discute a fase de Portugal e o que deveria ser feito para salvá-lo dos problemas políticos ocorridos, gerando uma grande repercussão, aumentando a confiança entre o Movimento dos Capitães e o general Spínola, visto que suas ideias eram convergentes. Nesse livro, ele explica o retrocesso do país com a continuação da guerra:

Reduzir a questão ultramarina a posições extremas, e apresentar ao País o dilema da eternização da guerra ou da traição do passado, é atitude que não conduz com o futuro de grandeza e unidade que legitimamente

41 Disponível online em: http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/revistas-e-periodicos/revista-camoes/revista-no05-25-de-abril-a-revolucao-dos-cravos.html

aspiramos. [...] Quanta divisão estéril, quanta energia despendida, quanta ameaça velada envolvem esses dois extremos, qualquer deles em risco de resvalar para consequências incontroláveis! E ainda quanto sangue ingloriamente derramado, quanta angústia e quanta perniciosa demora na tomada do verdadeiro caminho resultam da irredutabilidade das duas teses! (SPINOLA, 1974, p. 12, 13)

O movimento dos Capitães cresceu e seus planos foram minuciosa e secretamente programados. Em março de 1974, surge uma data prevista para o Golpe Militar, para o fim de abril. Assim, na manhã do dia 24, os militares foram avisados pelo capitão Salgueiro Maia (um dos integrantes do MC) sobre o golpe que sucederia naquela noite, logo após duas canções que seriam tocadas na rádio Renascença: Ao som da primeira

canção-senha, “E depois do Adeus” de Paulo Carvalho, em torno das 23h, os militares se

dirigiram ao quartel para se organizarem.

Apenas após a segunda canção, “Grândola Vila Morena” de Zeca Afonso que foi

tocada à 0h20 no programa Limite (com vinte minutos de atraso, para o desespero dos

militares), é que iniciaria a marcha em direção ao Largo do Carmo. Sanches Osório, um dos seis oficiais que planejaram o Golpe Militar, explica a escolha dessa canção por Otelo Saraiva de Carvalho: “A frase da canção ‘o povo é quem mais ordena’ era interpretada pelos oficiais democráticos como uma palavra de ordem para uma democracia em que a vontade do Povo fosse respeitada” (SANCHES OSÓRIO, 1975, p. 37, 38). Com as operações militares em curso, deu-se a Revolução de 25 de Abril, também conhecida por

Revolução dos Cravos42. Com o povo nas ruas – logo após o discurso nas rádios e pela

TV, Marcello Caetano e sua equipe foram depostos do governo, dando início, assim, ao

período democrático na política portuguesa.

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 71-75)