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CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL:

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Academic year: 2022

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LUDMILA JONES ARRUDA

CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL:

“O POVO É QUEM MAIS ORDENA”

São Paulo 2016

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CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL:

“O POVO É QUEM MAIS ORDENA”

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Letras.

Orientadora: Prof. Dra. Regina Helena Pires de Brito (UPM) Co-orientador: Prof. Dr. José Eduardo Franco (Universidade de Lisboa)

São Paulo 2016

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A778c Arruda, Ludmila Jones.

Canto de intervenção em Portugal: "o povo é quem mais ordena” / Ludmila Jones Arruda – São Paulo, 2016.

204 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.

Orientador: Profª. Drª. Regina Helena Pires de Brito Referência bibliográfica: p. 185-190

1. Lusofonia. 2. Canto de intervenção. 3. Revolução dos Cravos. I. Título.

CDD 869.93

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CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL:

“O POVO É QUEM MAIS ORDENA”

Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Letras.

Aprovada em 12 de agosto de 2016 BANCA EXAMINADORA

Prof. Dra. Regina Helena Pires de Brito Universidade Presbiteriana Mackenzie

____________________________________________________________

Prof. Dr. José Eduardo Franco

Universidade Aberta e Universidade de Lisboa

Prof. Dra. Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Marlise Vaz Bridi Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dra. Vima Lia de Rossi Martin Universidade de São Paulo

Prof. Dr. Alexandre Marcelo Bueno

Pontifícia Universidade Católica

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Para os meus pais, que tanto me incentivaram.

Para os que viveram as ditaduras e que foram silenciados.

Para os cantores que, com suas vozes,

nos libertam.

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Agradeço primeiramente a Deus, pela oportunidade concedida e por ter dirigido os meus passos até aqui; a Ele toda a honra e a glória!

Aos meus pais, Arody e Zoraide, pelo apoio incondicional e por todo o suporte prestado durante a minha caminhada; aos meus irmãos, cunhada e família pelo constante incentivo;

À minha querida orientadora, Prof. Dra. Regina Pires de Brito, por me inspirar, me corrigir e me orientar em todos os momentos desde o mestrado até a conclusão do doutorado;

Ao meu co-orientador, Prof. Dr. José Eduardo Franco, por todo o apoio e pelas sugestões ao longo dos meus estudos e ainda, pela indicação de materiais e professores que certamente trouxeram valiosas contribuições para a presente pesquisa;

A todos os membros da minha banca, Prof. Dra. Vima Lia de Rossi Martin; Prof. Dra.

Neusa Maria Barbosa Bastos; Prof. Dra. Marlise Vaz Bridi e Prof. Dr. Alexandre Marcelo Bueno, por todas as propostas, comentários e correções acerca da minha pesquisa, que foram e serão indispensáveis para o meu crescimento acadêmico, e ainda, à Prof. Dra.

Vera Lúcia Harabagi Hanna também pelas sugestões dadas durante a qualificação;

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por toda a competência, pelo profissionalismo e pela motivação;

À Universidade de Lisboa, especialmente a equipe do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL), por ter me acolhido, me auxiliado e por toda a orientação prestada no decurso dos meus estudos em Lisboa;

A todos os entrevistados desta pesquisa, o jornalista e escritor José Jorge Letria; aos cantores Sérgio Godinho e Francisco Fanhais e ao Prof. Dr. António Borges Coelho, Prof.

Dr. Fernando Rosas e Prof. Dr. Pedro Calafate: a todos o meu profundo agradecimento pela disposição, atenção e cuidado ao me conceder as entrevistas e as devidas correções;

e também ao Prof. Dr. António Nóvoa pela indicação de nomes que foram fundamentais para a entrevista;

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da minha pesquisa;

À Biblioteca Casa de Portugal, que mais uma vez contribuiu com empréstimos de materiais, documentos e obras que foram importantes para a realização do meu trabalho;

Aos meus amigos que me acompanharam e me deram apoio em algumas questões acerca da tese, em especial Priscilla Barbosa Ribeiro, Vanessa Maria da Silva, Jade, Márcio e Sabrina Bettini; e aos que me auxiliaram durante a estadia em Lisboa;

Aos colegas do curso de Pós-Graduação em Letras pelo incentivo e companheirismo;

À Universidade Presbiteriana Mackenzie, pelo apoio e recursos para o desenvolvimento da pesquisa;

À Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal do Nível Superior (CAPES), agência financiadora deste projeto, pelo incentivo e financiamento dos estudos no Brasil e no exterior;

Finalmente, a todos aqueles que me acompanharam nesses quatro anos e me motivaram a concluir mais uma etapa em minha vida. Todos os conselhos, orações e palavras de apoio foram fundamentais ao longo desses anos.

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Foi bonita a festa, pá Fiquei contente.

E ainda aguardo, renitente Um velho cravo para mim.

Já murcharam a tua festa, pá Mas certamente Esqueceram uma semente em algum Canto de jardim.

Sei que há léguas a nos separar Tanto mar, tanto mar Sei também quanto é preciso, pá Navegar, navegar.

Canta a primavera pá Cá estou carente Manda novamente algum cheirinho De alecrim!

(Chico Buarque, 1978)

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Mackenzie (UPM)

RESUMO

Entre 1933 e 1974, o Estado Novo, regime opressor e autoritário iniciado com António de Oliveira Salazar, trouxe consequências desastrosas para Portugal, agravadas com o início da Guerra Colonial em 1961. Essa situação acarretou inúmeros protestos, desde reuniões, encontros acadêmicos, grupos ativistas, produções literárias até canções de intervenção que denunciavam a política e revelavam a luta, a insatisfação e o descontentamento popular – aspectos de destaque na presente pesquisa. Inserido no âmbito dos Estudos Lusófonos, o presente estudo propõe investigar elementos linguístico e poéticos presentes em canções de intervenção portuguesa compostas no período pré e pós Revolução dos Cravos. Recorre-se, para tratar dos aspectos históricos do Estado Novo, em especial sobre a atuação do governo e as ações da polícia que reprimiram a circulação de obras e a difusão de canções contrárias ao ideário salazarista, aos estudos de Meneses (2011), Rosas (2013) e Pimentel (2007, 2011). Para a seleção das canções que compõem o corpus analisado, procedeu-se a uma série de entrevistas com ativistas que reagiram às imposições da censura naquela época: os cantores José Letria – hoje escritor e jornalista – Sérgio Godinho e Francisco Fanhais e os acadêmicos Fernando Rosas, António Borges Coelho e Pedro Calafate, que contribuíram com informações e indicações de canções que significativas no período final do Estado Novo. Neste aspecto, lidando com a questão da memória, foi importante o aporte teórico de Halbwachs (2013), Le Goff (1996), Traverso (2009). Para a escolha das sete canções - Grândola Vila Morena, Menina dos Olhos Tristes, Vampiros, O Menino do Bairro Negro, de Zeca Afonso, e Cantar da Emigração e Trova do Vento que Passa, de Adriano Correia de Oliveira, e por fim, Liberdade, de Sérgio Godinho - considerou-se, também, o sucesso da canção, mensurado pela ação da censura e pela popularidade alcançada por cantores como Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira. No esteio de alguns pesquisadores como Raposo (2000) e Letria (1999, 2013) para a parte analítica, foi possível traçar elementos reveladores da importância das canções resgatadas para a (re)construção identitária dos portugueses. Além disso, possibilitou perceber como as mensagens permanecem latentes na sociedade portuguesa nos dias atuais – como se pôde verificar com as manifestações da recente crise econômica europeia, quando algumas dessas canções voltaram a ser entoadas, revestidas de novo valor simbólico, mas resgatando o tom de denúncia e protesto, tendo seu conteúdo ressemantizado e atualizado.

Palavras-chave: Lusofonia, Canto de Intervenção, Revolução dos Cravos.

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Mackenzie (UPM)

ABSTRACT

Between 1933-1974, Estado Novo (New Estate), na authoritarian and opressive regime ocurred in Portugal under the government of António de Oliveira Salazar, brought huge impacts in Portugal, worsened by the beginning of the Colonial War in 1961. This situation led to a number of protests, gatherings, academic groups, ativists, literary productions and revolutionary songs which denounced the politics and revealed the fight, the dissatisfaction and the popular discontentment – being the core of this research. Inside Lusophone studies, the present paper aims to investigate the poetic and linguistic discursive elements present in Portuguese intervention songs composed before and after the Carnation Revolution (1974). The historic aspects of the Estado Novo is – mainly – based on the studies of Meneses (2011), Rosas (2013) and Pimentel (2007, 2011) specially on how the government used to act through censorship, which stopped the spread of protest songs and the diffusion of ideas which were against Salazar’s ideology.

In order to select the songs for the analysis, six people were interviewed, amongst ativists and singers who imposed against the censorship: the singers are José Jorge Letria, Francisco Fanhais and Sérgio Godinho; along with academics Fernando Rosas, Pedro Calafate and António Borges Coelho – who contributed by giving important information and pointing songs which were significant in that period. In this aspect, in order to deal with memory, the theories of Halbwachs (2013), Le Goff (1996) and Traverso (2009) were relevant. The seven songs, Grândola Vila Morena, Menina dos Olhos Tristes, Vampiros, O Menino do Bairro Negro, sung by Zeca Afonso, Cantar da Emigração and Trova do Vento que Passa, by Adriano Correia de Oliveira, and finally Liberdade, by Sérgio Godinho - were also chosen considering the popularity the songs gained during the period, due to the action of the censorship. Based on Raposo (2000) and Letria (1999, 2013) to help the analysis, it was possible to outline elements which proved that those songs were important for the identity re(construction). Also, it is important to mention that such songs remain latent in the present, specially after the last European crisis when several of those songs were chanted again, covered by a new symbolic value, but rescueing the revolutionary characteristics present in their contents.

Keywords: Lusophone, Protest Songs, Carnation Revolution.

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Mackenzie (UPM)

RESUMEN

Entre 1933-1974, en Portugal rigió el Estado Novo (Nuevo Estado), un régimen autoritario y represivo bajo el gobierno de António de Oliveira Salazar, el cual trajo grandes consecuencias en dicho país, aseverado por el comienzo de la Guerra Colonial en 1961. Esta situación propició la formación de protestas, reuniones, grupos académicos, grupos activistas, producciones literarias y canciones revolucionarias que denunciaban la política y revelaban la lucha, la insatisfacción y el descontento popular – lo cual es el objetivo central de esta investigación. Dentro de los estudios Lusofonia, el presente paper apunta a investigar los elementos poéticos y lingüístico-discursivos presentes en estas canciones de protesta compuestas antes y después de la Revolución de los Claveles en 1974. Los aspectos históricos del Estado Novo están, principalmente, basados en los estudios de Meneses (2011), Rosas (2013) y Pimentel (2007, 2011), específicamente en cómo el gobierno actuaba mediante la censura para frenar la difusión de las canciones de protesta y así como de las ideas que estuviesen en contra de ideología de Salazar. Para el criterio de selección del corpus de canciones que se analizaron, se entrevistaron seis personas, entre los que se encontraban activistas y cantantes que se impusieron a la censura: los cantantes son: José Jorge Letria, Francisco Fanhais y Sérgio Godinho, junto con los académicos Fernando Rosas, Pedro Calafate y Antonio Borges Coelho, quienes contribuyeron dando importante información así como también indicando qué canciones fueron significativas en ese período. En ese aspecto, para trabajar con el concepto de memoria, las teorías de Halbwachs (2013), Le Goff (1996) y Traverso (2009) fueron relevantes en este estudio. Las siete canciones elegidas son Grândola Vila Morena, Menina dos Olhos Tristes, Vampiros, O Menino do Bairro Negro, cantadas por Zeca Afonso, Cantar da Emigração y Trova do Vento que Passa, por Adriano Correia de Oliveira, y por último Liberdade, de Sérgio Godinho. Fueron también seleccionadas considerando la popularidad que las canciones adquirieron durante ese período dada la censura. Basado en conceptos de Raposo (2000) y Letria (1999; 2013) en el análisis, fue posible evidenciar elementos que dan prueba de la importancia de esas canciones para la (re)construcción identitaria. Es también importante mencionar que estas canciones permanecen de manera latente en el presente, en especial luego de la crisis europea, momento en el que muchas de estas canciones fueron entonadas nuevamente, rescatando las características revolucionarias presentes en su contenido pero con un nuevo valor simbólico.

Palabras clave: Lusofonia, Canciones de Protesta, Revolución de los Claveles

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FIGURA 1 – Mapa Portugal Primeira Classe... 30

FIGURA 2 – Mapa: Portugal não é um País Pequeno - SPN... 40

FIGURA 3 – A Lição de Salazar... 47

FIGURA 4 – Contracapas dos Livros...47

FIGURA 5 – A Dona de Casa... 48

FIGURA 6 – Alfabetizando ... 49

FIGURA 7 – Respeitai as Autoridades ... 49

FIGURA 8 – Texto: Portugal é Grande...50

FIGURA 9 – Boletim de Existência de Presos (1936) ... 57

FIGURA 10 – Boletim de Existência de Presos e Deportados (1945) ...58

FIGURA 11 – Vote com Salazar por Portugal...67

FIGURA 12 – Comemoração do Aeroporto de Lisboa... 77

FIGURA 13 – José Jorge Letria... 88

FIGURA 14 – Disco: Até ao Pescoço... 92

FIGURA 15 – Capa do Livro: A Arte de Armar... 93

FIGURA 16 – Francisco Fanhais... 98

FIGURA 17 – Sérgio Godinho... 104

FIGURA 18 – António Borges Coelho... 107

FIGURA 19 – Biografia Prisional de António Borges Coelho... 110

FIGURA 20 – Pedro Calafate... 114

FIGURA 21 – Fernando Rosas... 117

FIGURA 22 – Fachada da Associação José Afonso ... 120

FIGURA 23 – CD Cantigas do Maio... 123

FIGURA 24 – Mandado de Captura de Zeca Afonso... 125

FIGURA 25 – Apresentação no Coliseu de Lisboa... 130

FIGURA 26 – Coliseu: 40 anos depois... 131

FIGURA 27 – Folheto: Cantar Grândola... 131

FIGURA 28 – Capas dos Álbuns de Zeca Afonso... 133

FIGURA 29 – Manuscrito de ‘Os Vampiros’... 142

FIGURA 30 – Muros... 143

FIGURA 31 – Muros... 143

FIGURA 32 – Muro Liberdade... 174

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TABELA 1 – Taxa de Analfabetismo em Portugal... 52 TABELA 2 – Emigração para a França... 66 TABELA 3 – Governos Provisórios PREC... 75

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AJA – Associação José Afonso

ARMCPF – Associação dos Reformados e dos Ex-Militares/ Ex-Combatentes Portugueses de França

CEE – Comunidade Econômica Europeia

CLSTP – Comitê de Libertação de São Tomé e Príncipe DGS – Direção Geral de Segurança

FNAT – Federação Nacional para a Alegria no Trabalho FNLA – Frente Nacional de Libertação de Angola FRELIMO – Frente de Libertação de Moçambique GNR – Guarda Nacional Republicana

INE – Instituto Nacional de Estatística

INTP – Instituto Nacional do Trabalho e Previdência MC – Movimento dos Capitães

MEN – Ministério da Educação Nacional MP – Mocidade Portuguesa

MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola MUD – Movimento da Unidade Democrática

MVSN – Milizia Volontaria per La Sicurezza Nationale (Itália)

NATO (Sigla utilizada em Portugal para OTAN) – Organização do Tratado do Atlântico Norte

OMEN – Organização das Mães pela Educação Nacional ONU – Organização das Nações Unidas

OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte

PAIGC – Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde PALOP – Países Africanos de Língua Portuguesa

PCP – Partido Comunista Português

PCTP/MRPP – Partido Comunista dos Trabalhadores Portugueses / Movimento Reorganizativo do Partido do Proletariado

PI – Polícia de Informações PIB – Produto Interno Bruto

PIDE – Polícia Internacional e de Defesa do Estado

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PREC – Processo Revolucionário em Curso PVDE – Política de Vigilância e Defesa do Estado RFA – República Federal da Alemanha

RTP – Rádio de Televisão Portuguesa

SEIT – Secretaria de Estado da Informação e Turismo

SMFOG – Sociedade Musical Fraternidade Operária Grandolense SNI – Secretariado Nacional de Informação

SPN – Secretariado de Propaganda Nacional UDP – União Democrática Popular

UNITA – União Nacional para a Independência Total de Angola UPA – União das Populações de Angola

URAP – União de Resistentes Antifascistas Portugueses

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS... 17

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL NO SÉCULO XX: NOTÍCIAS DO MEU PAÍS... 30

1.1 I REPÚBLICA (1910-1926) ... 32

1.2 DITADURA NACIONAL (1926-1932) ... 33

1.3 O ESTADO NOVO (1932-1974) ... 38

1.3.1 O Ensino na Ditadura e a Mocidade Portuguesa ... 44

1.3.2 A Censura ... 53

1.3.3 Desdobramentos das Guerras ... 62

1.3.4 Anos Cruciais para Salazar (1958-1962) ... 66

1.3.4.1 A Abrilada e a Guerra Colonial ... 68

1.3.5 Primavera Marcelista e a Revolução dos Cravos ... 70

1.4 PROCESSO REVOLUCIONÁRIO EM CURSO ... 74

2. PERSPECTIVAS DA MEMÓRIA DO 25 DE ABRIL: A HISTÓRIA NA VOZ DE QUEM A VIVEU... 77

2.1 MEMÓRIA... 78

2.1.1 Memória Individual e memória coletiva... 79

2.1.2 História versus Memória... 83

2.2 PERSONALIDADES ENTREVISTADAS ... 85

2.2.1 José Jorge Letria ... 88

2.2.2 Francisco Fanhais ... 98

2.2.3 Sérgio Godinho ... 104

2.2.4 António Borges Coelho ...107

2.2.5 Pedro Calafate ... 114

2.2.6 Fernando Rosas ... 117

2.3 SOBRE JOSÉ “ZECA” AFONSO... 120

2.4 REUNIÃO DOS CANTORES: 29 DE MARÇO DE 1974 ... 129

3. ESCUTANDO AS VOZES DE QUEM RESISTE: HÁ SEMPRE ALGUÉM QUE DIZ NÃO ... 133

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3.3 MENINO DO BAIRRO NEGRO ... 148

3.4 GRÂNDOLA VILA MORENA ... 153

3.5 MENINA DOS OLHOS TRISTES... 161

3.6 CANTAR DA EMIGRAÇÃO ... 165

3.7 LIBERDADE ... 169

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 175

REFERÊNCIAS ... 185

ANEXOS ... 191

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O término da dissertação de mestrado, defendida sob orientação da Professora Dra. Regina Pires de Brito, junto ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 2012, sob o título Aspectos da Questão Identitária em Músicas de Intervenção Cabo-Verdiana, motivou-me a prosseguir os estudos na área de Lusofonia, centrando-me na história e análise das composições artístico-musicais, que procuram revelar como questões sócio-político-econômicas se misturam e interferem no cotidiano dos indivíduos.

Verificando a importância que o estudo dessa temática desempenha no mundo acadêmico, devido não somente ao papel significativo que as canções têm na vida do ser humano, mas também por incluírem letras que dialogam com o momento em que está se vivendo, decidiu-se esta pesquisadora a dedicar-se, nesta tese, às composições surgidas com o Estado Novo em Portugal.

O gênero musical, pelo seu caráter interdisciplinar, consegue abarcar questões que vão além da canção (letra) e dos elementos formais da música (ritmo, melodia, harmonia) – sendo também possível, a partir da letra, trabalhar questões linguísticas e históricas, mostrando como a escolha da palavra pode ser eficaz nas várias maneiras de interpretação existentes em uma composição – nosso foco nesse estudo. Por isso, optou-se por utilizar o termo “Canção” ou “Canto”, ambos também utilizados por estudiosos da área (RAPOSO, 2014; LETRIA, 1999) e tais termos dão ênfase à composição da letra e não à questão musical em si. Sabendo que os elementos formais da música também conferem sentido às interpretações das canções aqui utilizadas, estas também serão referidas como auxiliares à interpretação. O Canto de Intervenção foi utilizado como um meio de informação e de conscientização dos problemas políticos advindos de governos anteriores, tendo o poder de informar, por meio da letra, os prejuízos causados, apelando, principalmente para o lado emocional do ouvinte.

Canções desse gênero são vistas por toda a parte e em épocas distintas – acentuando o interesse interdisciplinar desta pesquisa para o leitor que esteja envolvido em áreas diversas, como música, história, política, linguística. O sucesso dessas canções não se limita a um período curto de tempo ou a um espaço restrito. Podemos citar como exemplo as canções de protesto brasileiras surgidas na Ditadura Militar, entre 1964 e

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1985, com as canções de Chico Buarque, Caetano Veloso ou Geraldo Vandré, que continuam atualizáveis e motivando diversos estudos acadêmicos.

Deslocando-nos de Cabo Verde, a fim de expandir os estudos para outro espaço lusófono, Portugal foi escolhido por apresentar uma vasta discografia nessa temática, iniciada com as canções de Adriano Correria de Oliveira em torno de 1960 e imortalizada com as canções de Zeca Afonso durante a ditadura militar salazarista, entre 1933 e 1974.

As canções desempenharam grande função no contexto português, não somente pela conscientização que ela trouxe ao povo, mas também pelo fato de uma das canções mais populares – Grândola Vila Morena, de Zeca Afonso – ter sido utilizada como a senha para o Golpe Militar, ao ser tocada na Rádio Renascença na noite do dia 24 de abril de 1974, confirmando o início da Revolução.

Dessa forma, a pesquisa tem como objetivo geral analisar, em composições portuguesas, vinculadas à categoria “canto de protesto ou de intervenção”, elementos linguísticos e poéticos que mostrem a contribuição dessas para uma conscientização política durante o regime salazarista, e que permanece latente e se constitui como elemento significativo no construto identitário dos portugueses. Para tanto, dentre os objetivos específicos estão:

 apontar eventuais impactos que a fase ditatorial teve sobre a construção da identidade do povo português e seus reflexos no Portugal contemporâneo;

 levantar as principais canções de intervenção compostas nos períodos pré e pós Revolução dos Cravos, dentre as quais foram selecionadas para comporem o corpus para análise;

 entrevistar intelectuais, jornalistas e artistas que vivenciaram o período em estudo, num resgate pela memória, focalizando a importância da denúncia e do protesto por via artística;

 analisar, nas canções selecionadas, elementos linguístico-discursivos e poéticos reveladores de marcas da opressão do regime ditatorial, observando como contribuem para a formação identitária e,

 verificar e destacar a importância da música como forma de protesto e o impacto que ela teve na história de Portugal e a sua repercussão nos dias atuais recorrendo a pesquisas e entrevistas feitas com jornalistas, intelectuais professores que viveram na época.

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Para que pudessem ser cumpridos os objetivos da pesquisa, a pesquisadora fez parte de um programa de doutorado-sanduíche da CAPES junto à Universidade de Lisboa, sob a co-orientação do professor doutor José Eduardo Franco, então diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa (CLEPUL). A oportunidade permitiu a realização das entrevistas com as personalidades que integram esta pesquisa: o jornalista e escritor José Jorge Letria, os cantores Francisco Fanhais e Sérgio Godinho, e os professores Pedro Calafate, Fernando Rosas e António Borges Coelho.

Inserido no escopo dos Estudos Lusófonos, o presente trabalho adota a concepção de lusofonia proposta por Brito (2010):

A lusofonia deve, na nossa perspectiva, ser compreendida como um espaço simbólico linguístico e, sobretudo, cultural no âmbito da língua portuguesa e das suas variedades lingüísticas, que, no plano geosociopolítico, abarca os países que adotam o português como língua materna e oficial (Portugal e Brasil) e língua oficial (Angola, Cabo Verde, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Guiné-Bissau – que constituem os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) – e Timor-Leste. Entretanto, não se pode restringir a lusofonia ao que as fronteiras nacionais delimitam. Nesse modo de conceber a lusofonia, há que se considerar as muitas comunidades espalhadas pelo mundo e que constituem a chamada “diáspora lusa” e as localidades em que, se bem que nomeiem o português como língua de “uso”, na verdade, ela seja minimamente (se tanto) utilizada: Macau, Goa, Ceilão, Cochim, Diu, Damão e Málaca. Além disso, a lusofonia é inconcebível sem a inclusão da Galiza (LOURENÇO, 2001). Somam-se a isso outras regiões de presença portuguesa no passado e/ou onde, relativamente, se fala português ainda hoje: na África – Annobón (Guiné Equatorial), Ziguinchor, Mombaça, Zamzibar; na Europa – Almedilha, Cedilho, A Codosera, Ferreira de Alcântara, Galiza, Olivença, Vale de Xalma (Espanha). (p. 177)

O termo “Lusofonia” é, assim, utilizado neste estudo para designar os espaços que têm a língua Portuguesa como língua oficial de comunicação, mas ressalta-se, que dentre os espaços citados, mesmo onde a língua portuguesa é a oficial, nem sempre é a principal língua de comunicação entre a população, que se utiliza de outras línguas nacionais – ainda nas palavras de Brito (2013a):

Uma síntese do universo lusófono – que se procura reunir numa noção (ainda que mítica) de lusofonia – pretende conciliar diversidades linguísticas e culturais com a unidade que estrutura o sistema linguístico do português. Deste modo, como referimos, uma descrição possível apresenta uma dimensão geográfica da língua portuguesa distribuída por espaços múltiplos, numa área extensa e descontínua e, que, como qualquer língua viva, se apresenta internamente caracterizada pela coexistência de várias normas e subnormas. Estas, naturalmente,

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divergem de maneira mais ou menos acentuada num aspecto ou noutro, numa diferenciação que, embora não comprometa a unidade do sistema, possibilita-nos reconhecer diferentes usos dentro de cada comunidade.

(2013a, p. 12)

O fato de a língua portuguesa não ser a língua materna de países como Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe - países multilíngues - e o histórico de independência ainda recente nesses países causam divergências quanto ao uso do termo, pois, como explica Namburete (2006):

Grande parte dos escritos sobre a lusofonia coloca maior ênfase na língua portuguesa, englobando apenas os que falam português e excluindo, naturalmente, aqueles que, mesmo vivendo em países ou comunidades que decretaram o português como a sua língua oficial, não falam, não lêem e muito menos escrevem na língua de Camões. (p.63) Assim, o termo não se limita a uma “exclusão”; pelo contrário, a língua, como parte de uma identidade, precisa estar composta por diferentes características formadoras dessa identidade múltipla, como defende Fiorin (2010):

Essa identidade está apoiada na diversidade, que agrega, e no fundo comum da cultura e da língua. Essa identidade não é a assimilação de umas identidades a outras, não é a exclusão de identidades, não é a segregação de patrimônios identitários. (p. 27).

Ainda como o linguista propõe, “para que a lusofonia seja um espaço simbólico significativo para seus habitantes, é preciso que seja um espaço em que todas as variantes linguísticas sejam, respeitosamente, tratadas em pé de igualdade” (2006, p. 46), sem a atribuição de uma “autoridade paterna”, visto que não há um proprietário da língua (LOURENÇO, 2001). Brito (2013b) assevera que as línguas não são utilizadas de maneira homogênea pelos seus falantes, podendo variar não somente em termos de espaços, mas também entre tempo, faixa etária e classe social.

Neste estudo o termo “lusofonia” baseia-se em definições que vão além da acepção etimológica. Levando em consideração que a língua é uma importante manifestação cultural, vem carregada de valores culturais e históricos, fazendo com que cada nação a utilize de forma diferente uma da outra, pois nela estão inseridos seus valores, características culturais e históricas, destacando as diferenças existentes na utilização da língua portuguesa. A ideia é simplesmente ressaltar e valorizar as diferenças linguísticas e culturais existentes em cada espaço lusófono, e não “apagar” os valores neles contidos, já que a “ideia de lusofonia só faz sentido se a concebermos acima das nacionalidades, muito além de qualquer percepção mítica de uma nação, ou de

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responsabilidade de preservação por parte de outra. ” (BRITO e BASTOS, 2006, p. 74).

No mesmo sentido, o imaginário lusófono, como já apontava Lourenço (2001), é o Da pluralidade e da diferença e é através dessa evidência que nos cabe, ou nos cumpre, descobrir a comunidade e a confraternidade inerentes a um espaço cultural fragmentado, cuja unidade utópica, no sentido da partilha em comum, só pode existir pelo conhecimento cada vez mais sério e profundo, assumido como tal, dessa pluralidade e da diferença.

(p. 111)

A partir dessa diferença existente nesses espaços é que nos cabe afirmar que a Lusofonia só faz sentido se destacarmos as variedades existentes dentro de cada local e se separarmos como o português europeu, o português angolano, o português moçambicano, o brasileiro, etc (conforme Brito, 2013b). Cada espaço, convivendo com diferentes línguas faz com que a língua portuguesa também se transforme e agregue características pertencentes a tal espaço, diferenciando-se de outras variedades do português no mundo, já que cada país tem a sua realidade histórica e valores diferentes um do outro. Assim como também ressalta Franco (2015) uma vez que não existe nenhuma língua pura em razão de influências históricas anteriores, a Língua Portuguesa foi construída por todos os que dela se apropriam, pois, mesmo tendo sido afirmada como

“língua de império, língua de dominação ou língua colonial”, ela não apenas colonizou, mas também “foi colonizada”.

Importante lembrar que a língua é um importante fator identitário de um país, pois é nela que carrega as características e pela qual se podem traçar as maneiras de pensar e de agir de um determinado povo. Equivale à afirmação de Lourenço (2001) quanto à não existência de um “dono” da língua:

Com efeito, uma nação não é dona de sua língua, pois é nela que encontra as suas imateriais mas não menos resistentes fronteiras, mas tudo se passa como se fosse. Dizemos que levamos nossa língua ao Oriente, ao Brasil, às antigas colônias, como se levássemos não só uma espécie particular de mercadoria, mas a mais preciosa de todas. (p. 189).

Assim, pode-se afirmar que a língua pertence àquele que dela de apropria, pois não há um “proprietário” da língua (LOURENÇO, 2001). Aquele que utiliza uma determinada língua, carrega-a de marcas culturais, históricas e valores nacionais, de afetividade, emoção, intencionalidade, vontade (MARTINS, 2002, apud BRITO, 2013b), pois “a língua que é a expressão mais visível de uma cultura, resulta da interação dos membros de uma comunidade, povo ou nação” (MARTINS, 2002, apud BRITO, 2013b, p. 21). Cabe lembrar, ainda, que a língua, segundo Hull (2001) é o mais importante

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símbolo nacional, e a escolha de uma língua oficial faz parte da identidade nacional.

Quando falamos de identidade nacional, ela pode ser “definida por memórias e mitos compartilhados, e símbolos e valores em comum” (SMITH, 1991, p. 21 – tradução nossa), e um desses valores em comum, que é uma das marcas identitárias de uma nação, é a língua falada e utilizada pela população, pois faz parte de uma característica pela qual um povo se identifica, se assemelha, visto que faz parte de toda uma história nacional vivida e compartilhada e uma pessoa se sente pertencente a um determinado grupo, assim como destaca Brito (2013b):

A identidade de um grupo – qualquer que seja sua amplitude – é uma realidade que se destaca na sua representação das demais percepções de mundo, porque se distingue e assim se reconhece pelos outros. O sentimento de pertença parece resultar de um movimento de mão dupla:

da exclusão, de diferença diante de uns; de inclusão, de afinidade junto a outros, considerados pares. (BRITO, 2013b, p. 22)

Quando um país atravessa momentos históricos conturbados que exigem a participação e a mobilização popular para enfrentar as dificuldades em conjunto, compartilham memórias que permanecem parte de todo o grupo e o ajudam na construção da história e da identidade de uma nação, como é o caso dos problemas a serem destacados no presente trabalho, decorridos em Portugal durante a fase da ditadura salazarista.

Após a instabilidade política e econômica vivida nas duas primeiras décadas do século XX, e ainda após a Primeira Guerra Mundial, o início de uma nova era política foi recebida com otimismo pelo povo português. Foi a partir de 1926 que Portugal começou a viver uma das mais duradouras ditaduras da história, finalizada somente em 1974 – tendo como governos Ditadura Nacional (1926 – 1933) e Estado Novo (1933-1974). A convite, o professor universitário António Salazar entrou na carreira política como Ministro das Finanças. Com sua postura arrojada e autoritária, as alterações que fez no governo trouxeram melhorias para a população, e aos poucos, com a confiança conquistada, chegou a Primeiro Ministro, tendo o apoio e o controle sobre toda a equipe.

A postura adotada como Primeiro Ministro era descrita como “anticomunista, antiliberal e antidemocrática” (AUGUSTO, 2011, p. 21) e assim se manteve durante todo o tempo em que ficou no poder, até 1968, quando, por motivos de saúde, foi sucedido por Marcello Caetano. No início, com a entrada de um novo regime, houve uma aceitação por parte dos portugueses, acreditando que isso poderia ser benéfico para o país, mas juntamente com a melhoria econômica, vieram também a perda da liberdade de expressão, a censura nos meios de comunicação, a unificação dos partidos políticos, o nacionalismo exacerbado, a

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reformulação do ensino de acordo com os interesses de Salazar e a queda da figura

“Presidente”, cabendo ao Primeiro Ministro o poder de todas as decisões. Com essa atitude dominante, e com o desejo grandioso de “controle extremo na vida dos cidadãos portugueses” (AUGUSTO, 2011, p. 24), a insatisfação aumentou nos vários estratos da sociedade e os jovens passaram a demonstrar o descontentamento de múltiplas formas:

música, jornalismo, literatura... veiculadas de maneira camuflada, a fim de escapar da censura.

Durante esse período do Estado Novo (1933-1974), a população presenciava mudanças drásticas na política, na educação, na economia, e sofria com a censura imposta pelo Salazarismo1, sentindo-se aprisionada e impotente para lutar contra as medidas determinadas pelo regime ditatorial. Essa opressão causou, posteriormente, inúmeros protestos pelo país e pelas províncias de ultramar, tendo sido uma das formas de protesto o recurso às canções de protesto, normalmente censuradas pela PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado). Para burlar a censura, os compositores, muitas vezes, procuravam camuflar o conteúdo das suas produções para que pudessem cantá-las e divulgar seus ideais, sem a interferência da polícia, ou, ainda, cantavam-nas às escondidas para que não fossem presos. A análise das letras de composições desse período possibilita não só relacionar pontos impostos por um governo opressor, mas também demarcar aspectos da construção identitária do povo português.

Com a repressão exagerada, e a indignação da população ao viver sob tais circunstâncias, a canção foi uma das saídas para expor os pensamentos, utilizada com a finalidade de mostrar sua posição, como afirma José Barata Moura, conhecido intérprete de músicas de intervenção, também perseguido pela censura da época:

uma canção é eficaz desde que, colocando-nos face à realidade, nos leve a assumir uma posição pessoal perante ela (realidade)[...] a canção deve acordar-nos para a urgência de darmos respostas verdadeiramente nossas. E este caminho é sempre o mais custoso: as tentações de demissão são constantes e, infelizmente, muitas vezes convidativas e/ou opressivas. (apud MOUTINHO, 1999, p. 28).

José Letria, outro importante cantor de intervenção português, e um dos entrevistados para a presente pesquisa, afirma que a “canção pode ser um complemento activo da luta de massas, devido à sua mobilidade e à sua capacidade de denúncia das contradições sociais” (1981, p. 19)

1 Convém assinalar que, dos 41 anos do regime do Estado Novo em Portugal, 35 anos estiveram sob a liderança de António Salazar, fazendo com que, muitas vezes, Estado Novo seja chamado de Salazarismo.

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A canção “símbolo” da Revolução dos Cravos, que marca o início de uma nova era para o país, foi “Grândola Vila Morena”, de Zeca Afonso, e o fato de ter sido “a senha final do golpe militar libertador constitui a confirmação dessa importância cultural e política” (LETRIA, 1999, p. 5). Mais uma vez, neste caso, o canto de intervenção, como lembra Letria, se torna “instrumento de mobilização e de consciencialização de largas camadas da população no combate à ditadura” (LETRIA, 1999, p. 5).

Com o término do Estado Novo, Portugal passa por nova fase de reconstituição e reformulação governamental para se adaptar às exigências do momento para que o país não ficasse muito ultrapassado em relação aos demais países da Europa. A partir de 25 de Abril de 1974, com a Revolução dos Cravos e o início de outro governo, realizaram-se eleições, fazendo surgir no país a esperança de um futuro promissor, com a adoção de novas medidas governamentais e uma fase democrática. No entanto, o que se viu a partir de 1974 foram períodos de grande instabilidade política no país, dificuldades financeiras, com a permanência dos militares no governo até 1986. A partir de então, a entrada de Portugal na Comunidade Econômica Europeia (CEE) trouxe novas perspectivas ao país.

Essa integração foi de extrema importância para a economia portuguesa, dando aos portugueses melhoria de suas condições de vida, diante de um quadro (ilusório) de baixa dívida pública, com elevado crescimento econômico e queda dos juros (ABREU et al, 2013). Porém, a partir de 1999, após a adesão de Portugal à moeda única, o Euro, o país é obrigado a viver “acima de suas possibilidades” para poder acompanhar a economia europeia. As causas apontadas para a crise que se instalou definitivamente no país após 2005 são inúmeras, dentre elas: a elevada dívida externa, as privatizações e as desregulamentações do setor financeiro, a liberalização dos movimentos de capitais e a forte instabilidade financeira (ABREU et al, 2013). Além disso, o governo culpabilizou a população e a má gestão do governo anterior:

segundo o novo discurso oficial, a profunda crise em que Portugal se encontrava devia-se não apenas aos erros das governações anteriores, mas também ao comportamento irresponsável dos portugueses, que andaram – garantem-nos – a viver acima de suas possibilidades (p. 9) Como veremos adiante, se é verdade que não faltam exemplos de má governação no passado recente, as condições que conduziram a crise começaram a avolumar-se há duas décadas, fruto da conjugação de uma integração europeia disfuncional, de alterações significativas no contexto global e de fragilidades estruturais da economia e da sociedade portuguesa. Tais condições foram agudizadas pela crise financeira internacional de 2008-2009, cujos efeitos se fizeram sentir em

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diferentes países do mundo, mas que afetaram de modo mais acentuado economias que apresentavam à partida maiores fragilidades. Assim sendo, é difícil sustentar que foram essencialmente os erros das governações anteriores – que existiram e não devem deixar de ser apontados – que nos conduziram à crise e ao recurso à assistência financeira externa. (ABREU et al, 2013, p.10)

Com a implantação do Euro, Portugal vê o início de uma década com grandes mudanças para a economia portuguesa. As condições que geraram a crise começaram a ampliar, na verdade, há duas décadas, devido às alterações significativas no contexto global e à vulnerabilidade da estrutura da economia portuguesa (ABREU et al, 2013). Foi após a virada do século que as taxas da dívida pública portuguesa começaram a disparar, piorando a partir de 2008, por conta da crise econômica internacional e suas implicações, como a forte quebra do PIB, os seus efeitos sobre as finanças públicas (como a diminuição das receitas fiscais) e a adoção de medidas pontuais de estímulo à atividade econômica.

Com o desemprego, a elevada dívida externa, as taxas de emigração e a crescente desigualdade social, os portugueses manifestam-se contra as medidas adotadas pelo governo, relembrando situações semelhantes vivenciadas durante a ditadura, voltando às ruas a fim de mostrar a indignação e de criticar a postura dos governantes. O espaço público foi tomado por vozes que relembram, em certa medida, o período marcado pela repressão, repetindo o tom de insatisfação em relação à situação do país, e esperando que, com as manifestações, novas medidas sejam tomadas na expectativa de melhores dias.

Os problemas já apontados, somados à necessidade de ajuda externa e à solicitação de intervenção da Tróika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e a Comissão Europeia), geraram manifestações por todo o país, como a “Que se lixe a Tróika” (CAMARGO, 2013). Assim, Portugal, com cortes na despesa pública, atravessou uma crise com inúmeras consequências desastrosas para o país, dentre as quais:

desemprego, instabilidade profissional e pessoal, o alastramento da privação material, a emigração forçada, o aumento das desigualdades, as falências no setor empresarial, configurando uma das piores crises da história portuguesa.

Entre 2012 e 2013, com a insatisfação diante da crise aumentando, os portugueses vão às ruas e recuperam canções de intervenção marcantes nos anos 70, como a composição de Zeca Afonso, “Grândola Vila Morena”. Essa canção fez novamente presença em algumas das manifestações decorridas atualmente, não somente em Portugal, como também na Espanha e na Bélgica.

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Tendo esse cenário como pano de fundo, levantou-se o conjunto de canções de protesto memoráveis naquele contexto, a partir de depoimentos (colhidos especificamente para este trabalho) de jornalistas, intelectuais e compositores dos quais foram retirados elementos para a seleção das composições que fazem parte do corpus de análise.

Diante do exposto, a tese está estruturada em três grandes capítulos, com subitens que auxiliam na divisão e organização da pesquisa. No primeiro capítulo, intitulado

“Aspectos Históricos de Portugal do Século XX: Notícias do Meu País”, faz-se breve exposição sobre a história de Portugal, mostrando a trajetória de Salazar no governo, na implementação da Ditadura Nacional e do Estado Novo e algumas das mudanças significativas que fez ao assumir o poder, dentre os quais a reforma do ensino escolar e a criação e reorganização da polícia política. Nesse capítulo, também se apresentam eventos que contribuíram para a permanência de Salazar no poder e outros que prejudicaram o seu governo, fazendo com que a população começasse a desconfiar da sua política, como as eleições de 1958, o ‘terremoto delgadista’, a abrilada e a Guerra Colonial. Também será abordada a Primavera Marcelista, de Marcello Caetano, governo que deu continuidade ao Salazarismo, abrindo, a partir de então, as portas para a Revolução dos Cravos, em 1974. O capítulo finaliza com o período revolucionário e as mudanças ocorridas com a queda do Estado Novo.

O capítulo seguinte, denominado “Perspectivas da Memória do 25 de Abril: a História na Voz de quem a Viveu”, traz trechos selecionados e comentados das entrevistas realizadas com as personalidades citadas. Desse modo, uma vez que os depoimentos contemplam aspectos da memória individual e coletiva, visto que muitas das declarações não estão documentadas pela História ou registradas em documentos, recorreu-se ao aporte teórico dos conceitos de memória e história, fundamentados principalmente em Halbwachs (2006, 2013), Le Goff (1996) e Traverso (2009). Estando a memória em processo de constante construção (TRAVERSO, 2009), ela é filtrada por conhecimentos adquiridos posteriormente podendo modificar as recordações. Por ser uma pesquisa que recorre a informações relatadas a partir de lembranças de um regime finalizado há mais de quarenta anos, muitos pormenores podem ter sido omitidos ou distorcidos pela própria memória do depoente, como levantado numa autobiografia de José Letria (1999), utilizada para elucidar alguns detalhes das entrevistas realizadas.

Ainda neste segundo capítulo, apontam-se detalhes da história dos entrevistados, especialmente no que diz respeito à luta durante o regime salazarista. Com o suporte das

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literaturas disponíveis (LETRIA, 1999, 2013; RAPOSO, 2014; GUERREIRO e LAMAÎTRE, 2014), e a transcrição de alguns trechos, procurou-se resgatar a imagem que tinham do Estado Novo. Foram entrevistados:

a) o escritor e jornalista José Jorge Letria – que à época do regime ditatorial também integrava o grupo dos “cantores de intervenção”;

b) o cantor Francisco Fanhais – também padre e professor;

c) o cantor Sérgio Godinho - exilado no exterior, regressando após o 25 de Abril;

d) o professor catedrático da Universidade de Lisboa, António Borges Coelho - historiador e ativista durante o regime;

e) o professor da Universidade de Lisboa, Pedro Calafate que, ainda muito jovem durante a ditadura, viu na música uma forma eficaz de mostrar o seu descontentamento;

f) o professor da Universidade Nova de Lisboa, Fernando Rosas - historiador durante o regime e ativista político.

Nas entrevistas, os depoentes mencionaram a importância da música, especialmente as de Zeca Afonso, considerado o precursor das canções como forma de protesto, e como a música atua como elemento de conscientização. Também foi dedicado um item para falar da importância da carreira de Zeca Afonso e seu impacto nas entrevistas e na vida das pessoas até hoje, e suas canções de grande importância fazem parte da análise que compõe o último capítulo do presente trabalho.

No capítulo 3, “Escutando as Vozes de quem Resiste: Há sempre alguém que Diz Não”, dedicado inteiramente à análise das canções selecionadas principalmente a partir das entrevistas, a saber: Os Vampiros, Menina dos Olhos Tristes, Grândola Vila Morena, Menino do Bairro Negro (todos de Zeca Afonso), Cantar da Emigração, Trova do Vento que Passa (de Adriano Correia de Oliveira) e Liberdade (de Sérgio Godinho), esta última, sendo lançada logo após o 25 de Abril. Para a análise, foram levados em consideração os aspectos: estrutura da composição, seleção lexical e aspectos simbólicos de alguns termos. Além disso, procurou-se, na medida do possível, descortinar a pluralidade de sentidos das canções. Convém assinalar que, embora não seja objeto deste estudo tratar dos ritmos, melodia e instrumentos musicais utilizados nas diversas canções, algumas

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considerações foram feitas na medida em que colaboraram para melhor compreensão das composições.

Em todos os capítulos, além de referências incluem-se documentos de difícil acesso, alguns reproduzidos diretamente de arquivos históricos e outros recuperados de websites oficiais destes órgãos – mediante autorização para publicação (ver ANEXO A) – contribuindo para confirmar algumas das informações tratadas no estudo. Outros métodos utilizados para enriquecer este trabalho foram os registros por meio de imagens e fotografias que reforçam a recuperação das canções analisadas, assim como a importância que os cantores ainda têm na sociedade atual.

Seguindo-se às Considerações Finais e às Referências, incluem-se os Anexos, contendo fotos de autoria da pesquisadora e documentos históricos, a fim de comprovar a relevância dos eventos ocorridos durante o regime do Estado Novo mencionados no decorrer da tese. A última página contém um DVD com a gravação das entrevistas feitas em Portugal e um CD com a reprodução das canções analisadas.

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Figura 1 - Fonte: Livro da Primeira Classe, p. 39

A ignorância é que nos pacifica, a paz está metida na ignorância, pronta para levar as pessoas à felicidade.

e isto era a receita do regime.

(Valter Hugo Mãe, em A Máquina de fazer Espanhóis)

CAPÍTULO 1 ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL DO SÉCULO XX:

“NOTÍCIAS DO MEU PAÍS”

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1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL DO SÉCULO XX:

“NOTÍCIAS DO MEU PAÍS”

2

O Estado Novo, instituído por António de Oliveira Salazar, pretendia resgatar os valores portugueses do período dos grandes descobrimentos, quando Portugal desfrutava de um enorme prestígio entre as nações europeias. Na visão de Salazar, a recuperação desse “orgulho” poderia ser obtida, dentre outras formas, por meio de propagandas, panfletos e discursos, nos quais Salazar detinha o controle necessário para propagar essa ideologia. Nesse governo, surge o lema “Deus, Pátria e Família”, introduzido pelo regime para colaborar com a mudança de postura que se esperava da população, enfatizando a importância de se respeitar, incontestavelmente, e a amar, incondicionalmente, a Deus e à Pátria acima de tudo. Convém destacar que, no período, a Igreja também passou para o controle total do Estado, sendo mais um fator favorável para a disseminação do ideário salazarista.

Com essa tentativa de reconstrução de valores, uma imagem nova e, de certa forma, esperançosa, foi-se criando no país, procurando fazer com que cada indivíduo se sentisse parte essencial da “grande” nação portuguesa. Assim, as pessoas foram, paulatinamente, absorvendo os novos ideais que culminariam numa estabilidade socioeconômica do país e passaram a demonstrar confiança no regime, que tudo sabia e a quem se devia obediência e respeito. Com isso, o salazarismo recupera a imagem de um “Portugal Heróico”, por meio, por exemplo, das propagandas noticiadas pelo Secretariado de Propaganda Nacional (SPN), mostrando o desenvolvimento de Portugal e o crescimento econômico das colônias. A exposição do Mundo Português, ocorrida em Lisboa, em 1940 foi outro evento de importância para a afirmação dos ideais do Estado Novo, que procurava mostrar os benefícios e a grandiosidade da nação ao se expandir para os espaços colonizados da África e Ásia.

Não seria tarefa fácil para Salazar incutir nos cidadãos esse novo ideário e fazer com que acreditassem no sucesso do seu governo. António Salazar assumiu como ministro para exercer o papel de “Salvador da Pátria”, de “herói”, e com essa imagem e com seus feitos, ganharia a população e se tornaria indispensável para o país, porém, para alcançar esse objetivo, seria necessário que Salazar, antes, destituísse as pessoas de seus

2 Um dos versos da Canção “Trova do Vento que Passa”, de Adriano Correia de Oliveira, analisada no terceiro capítulo.

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valores para que fosse possível assimilar novas ideias. A ideia do “Homem Novo”

(ROSAS, 2001) estaria assim formada, auxiliando a prolongar o regime totalitário,

“atingindo através da intervenção de órgãos do Estado ou do partido especializados nessa

‘moldagem’, intervenção autoritária, unívoca e inculcatória a todos os níveis de sociabilidade – desde a família à escola. Passando pelos lazeres e o trabalho” (ROSAS, 2013, p. 318)

A escola foi fator importante para a proliferação do pensamento salazarista, pois por meio dela se ensinava o amor inconteste à pátria [e ao seu líder] desde o primeiro ciclo obrigatório, além da reestruturação para se adequarem ao novo método. As crianças tinham uma rígida disciplina e aprendiam por meio de uma apostila que ressaltava esses ensinamentos nacionalistas e os professores – e também regentes escolares – também eram escolhidos e treinados por ministros de Salazar, para saber se eles lecionavam conforme o que pregava o Estado, e se iriam incutir na mente das crianças os reais valores preconizados pelo regime.

Ressalta-se, ainda, a criação de um grupo juvenil, denominado “Mocidade Portuguesa”, que abrangia crianças e jovens dos sete aos catorze anos, a fim de estimular o desenvolvimento integral da sua capacidade física, a formação do caráter e a devoção à Pátria – modelo que Salazar buscou na “Juventude Hitlerista” alemã. Enquanto os meninos aprendiam a importância da observância dos deveres morais, cívicos e militares, as meninas deviam compreender o valor dos afazeres domésticos e o papel da mulher na família.

Nos tópicos a seguir, detalha-se sobre a entrada de Salazar no governo e perpetuação do regime, conseguindo encobrir e reprimir inúmeras manifestações contrárias, não somente as que ocorreram internamente no seu governo, mas também as que vieram de fora, especialmente de grupos de jovens com o início da Guerra Colonial.

1.1 I REPÚBLICA (1910-1926)

Entre 1910 e 1926 Portugal viveu sob o regime republicano, conquistado após uma revolução que destronou a monarquia constitucional. Este período foi marcado por inúmeras mudanças e eventos conturbados, como a I Guerra Mundial, que trouxe instabilidades políticas e econômicas que culminaram no atraso do país em relação a outros países da Europa, gerando insatisfação popular. As eleições presidenciais ocorridas

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frequentemente (1919, 1921, 1922 e 1925) mostram a grande fragilidade do governo e a necessidade de uma mudança que pudesse fortalecer o país e restabelecer a confiança da população. Com a desvalorização da moeda, o aumento da inflação, da dívida externa, e a perda dos lucros, o Estado foi incapaz de converter essa situação, gerando confrontos e descontentamento popular, e, após algumas tentativas de golpe falhadas, o Exército finalmente tomou o poder em 28 de maio de 1926, dando início a uma das mais duradouras ditaduras do século XX.

1.2 DITADURA NACIONAL (1926-1932)

Com o fim da I República, após o golpe militar do dia 28 de maio de 1926, inicia- se em Portugal um período inicialmente conturbado denominado por Ditadura Militar, o qual o general Óscar Carmona, um dos militares que apoiou o golpe, tornou-se o primeiro ministro do país, e fez parte do governo até 19513, ano de sua morte.

Uma das maiores dificuldades de início do governo, assim como ocorre em todas as transições, foi unir as forças dos participantes do golpe para um mesmo ideal. Com ideias, projetos e pensamentos diferentes após a queda da República, os anos iniciais da ditadura foram conturbados, trazendo dificuldades ao país, não somente de controlar a situação, mas de gerar uma política estável e de engrenar um novo projeto duradouro que fosse bem-sucedido ao governo (GÓMEZ, 2011).

Foi ainda nesse ano que o presidente convidou o renomado professor da Universidade de Coimbra, António de Oliveira Salazar para integrar o ministério das Finanças, por ser bem-conceituado e ser um dos principais nomes da área para voltar a fazer o país prosperar. Como foi algo feito de uma maneira sigilosa, poucos sabem o que sucedeu no pouco tempo em que Salazar ocupou tal cargo, parecendo querer esquivar-se da política: “ao contrário de seus colegas que rapidamente tomaram posse, Salazar não gostou do que viu e regressou prontamente a Coimbra, escudando-se atrás de alegados problemas de saúde” (MENESES, 2011, p. 67). Outras fontes dizem que ele teria problemas ao trabalhar com uma equipe, pois ele

não era um homem para estar à volta de uma mesa a suportar o convívio da governação, ouvindo opiniões de uns e de outros, aquiescendo numas, repudiando outras, discutindo até ao ponto de se alcançar um

3 O general Óscar Carmona foi o primeiro-ministro de Portugal de 1926 até 1932, quando Salazar assumiu o seu lugar. A partir daí ele cumpriu a função de presidente, cargo que ocupou até a data de sua morte, em 18 de abril de 1951.

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consenso geral. Era homem para mandar e ser obedecido, sem condescendências, nem hesitações. (CARVALHO, 2001, p. 721) Mas, dias depois, voltou forçado à Lisboa para tomar posse. Salazar era alguém que podia transformar Portugal ao ajudar a equilibrar as finanças, e isso era visto pelas pessoas que ocupavam o governo como uma das únicas saídas, pois ele tinha o poder de provocar profundas mudanças no ramo político, econômico e social e trabalharia com um “duplo objetivo: desenvolver o país e modernizá-lo” (idem, p. 68). Como um católico praticante que era, Salazar também queria recuperar os valores que foram perdidos nos governos anteriores, entre eles a religião, além de patriotismo e família (os três pilares do ensino que implantou anos mais tarde). Após alguns problemas no governo, Salazar se afastou temporariamente da política e alguns percalços na sua vida pessoal – sua mãe faleceu após uma longa enfermidade – Salazar voltou informalmente para ajudar Óscar Carmona, e trabalhou mostrando suas alternativas para solucionar a crise financeira, mas sem título de Ministro das Finanças, ocupado por outra pessoa.

Ganhando espaço na política e a confiança de todos, ele se mostrava uma pessoa sábia, eficiente e sabia criticar quando algumas medidas errôneas eram tomadas por parte do governo. Era normal naquela época que algum professor de nome enveredasse na política, pois numa sociedade predominantemente rural, não havia muitos homens com uma ótima educação capazes de controlar um país, e o fim que poderia ser reservado a ele, e que ele bem sabia era a permanência na política e sua ascensão como o primeiro- ministro.

Com uma nova eleição presidencial em 1928, em que Óscar Carmona era o único candidato, venceu as eleições e seu primeiro-ministro, mandou novamente recrutar Salazar como ministro das Finanças, pois considerava que ele era “alguém da mais alta competência e que o país inteiro considera como um dos seus maiores valores intelectuais e técnicos em assuntos financeiros” (FREITAS apud MENESES, 2011 p. 81). Assim, com a insistência do governo, e pouco tempo para pensar na proposta, Salazar aceita um novo convite, mas não sem algumas condições: todos os ministérios deveriam ser subordinados a ele e todas as suas ordens no âmbito econômico e financeiro deveriam ser obedecidas. Salazar pensou muito na proposta pelo fato de ter de abandonar o seu cargo de professor na Universidade, função que o fazia com o maior prazer. Além disso, pensava que poderia ser vergonhoso para ele perante os seus alunos caso não conseguisse controlar as finanças do estado (MENESES, 2011), visto que toda a carga e a esperança

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de dias melhores caíam sobre ele. A partir das exigências propostas – prontamente aceitas – foi empossado em 27 de abril de 1928, um dia antes de completar 39 anos, começando a partir daí a sua longa trajetória no comando do país.

Ressalta-se que, diferentemente dos demais ditadores da época, como Franco, na Espanha; Hitler, na Alemanha e Mussolini, na Itália, Salazar não alcançou o poder à força – pois o seu cargo foi praticamente “insistido” para que o ocupasse, e, após uma rejeição, só o aceitou mediante tais exigências – podendo o governo acatá-las ou não.

O seu conhecimento sobre muitos assuntos, não somente na área das finanças, em conjunto com a sua personalidade, fez dele praticamente um chefe da nação, ganhando espaço na política e mostrando serviço que deram rápidos resultados. Em pouco tempo, mostrou sua postura e competência e, ao lidar com as Forças Armadas, já o fazia com sua postura altamente autoritária e controladora:

O homem que falava às Forças Armadas nos termos referidos, doze dias apenas após a sua entrada no governo, não era, evidentemente o ministro das Finanças, de uma pasta entre outras. Era já o chefe, o portador de uma mensagem, o executor de uma doutrina, cujo dedo indicador da mão direita, tenso e convincente com o cano de uma arma, apontava o caminho a seguir, inexoravelmente. (CARVALHO, 2001, p. 723)

Os cortes no orçamento e o seu plano de governo conseguiram superar os grandes desafios iniciais, que era equilibrar as finanças e terminar o ano com superávit. Todo esse controle seria feito a partir de uma “política de sacrifícios”, à qual as pessoas e o governo teriam de se adequar para equilibrar as finanças do estado e acabar com a dívida externa.

Em discurso proferido em 1929, Salazar explica as suas medidas, adotando sua política de verdade, política de sacrifícios e política nacional:

Num sistema de administração, em que predominava a falta de sinceridade e de luz, afirmei, desde a primeira hora, que se impunha uma política de verdade. Num sistema de vida social em que só direitos competiam, sem contrapartida de deveres, em que comodismos e facilidades se apresentavam como a melhor regra de vida, anunciei como condição necessária de salvamento, uma política de sacrifício.

(SALAZAR, 1935, p. 23)4

Salazar, em alguns de seus discursos, insiste que muitos dos problemas nacionais deviam-se à má administração dos governos anteriores. Ele pedia calma e paciência à população para que tais erros pudessem ser corrigidos passo a passo e para que Portugal

4 Discurso proferido na Sala do Conselho de Estado, em 21 de outubro de 1929.

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