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O Ensino na Ditadura e a Mocidade Portuguesa

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 45-54)

1. ASPECTOS HISTÓRICOS DE PORTUGAL NO SÉCULO XX:

1.3 O ESTADO NOVO (1932-1974)

1.3.1 O Ensino na Ditadura e a Mocidade Portuguesa

Título II – Dos Indígenas:

Artigo 15º: O Estado garante protecção e defesa dos indígenas das colónias conforme os princípios de humanidade e soberania, as disposições deste título e as convenções internacionais que actualmente vigoram ou venham a vigorar. [...] (ATO COLONIAL, 1930)

De acordo com o Ato Colonial, o Estado também tinha obrigação de zelar pelo tipo de trabalho a que os indígenas estavam sujeitos, sendo proibido aqueles que o explorassem economicamente, devendo sempre receber salário justo e toda assistência.

Artigo 19º: São proibidos: Todos os regimes pelos quais o Estado se obrigue a fornecer trabalhadores indígenas a quaisquer empresas de exploração económica [...] Art. 21º: O regime do contrato de trabalho dos indígenas assenta na liberdade individual e no direito à justo salário e assistência, intervindo a autoridade pública somente para fiscalização. (ATO COLONIAL, 1930)

1.3.1 O Ensino na Ditadura e a Mocidade Portuguesa

O conhecimento de Salazar, como dito anteriormente, ia além da área das finanças. Logo ao assumir a posição de ministro das Finanças, ele já se dedicou a pensar numa reforma no ensino primário e secundário, com o intuito de agilizar a disseminação do pensamento “salazarista”, especialmente entre as crianças. Com a ideia do comunismo que se difundia no mundo todo, ele não gostaria de ser confrontado em relação à sua prática governista e de sofrer possíveis ataques e questionamento por parte dos jovens, de modo que uma mudança no ensino se fazia uma urgência para tentar evitar tais problemas no futuro. Já em 1927, houve uma reforma que consistia no ensino obrigatório elementar dos 7-11 anos (e não mais dos 7 aos 12 como na I República), e no ensino superior complementar de 11 aos 13 (também reduzindo um ano em relação à política anterior). Já nessa programação, deram importância ao ensino da política nacionalista, mostrando a história de Portugal e das suas províncias ultramarinas, para apresentar aos alunos desde cedo a noção do valor do império português. (CARVALHO, 2001). No entanto, em 1929 a reforma sofre outra mudança com a redução de mais um ano em relação ao ano primário obrigatório. Em vez de quatro anos no ensino elementar, seriam agora três anos, considerando o quarto apenas uma complementaridade.

Sendo assim, em seu discurso proferido em 1934, após sua entrada como primeiro ministro, explica o motivo de sua decisão:

Nós não compreenderíamos – nós não poderíamos consentir – que a escola portuguesa fosse neutra neste pleito e ultrapassaria todos os limites que velada ou claramente, por actos positivos ou por omissão dos seus deveres, ela trabalhasse contra Portugal e ajudasse os inimigos da nossa civilização. Por mais longe que vá a nossa tolerância perante as divergências doutrinais que em muitos pontos dividem os homens, nós somos obrigados a dizer que não reconhecemos liberdade contra a Nação, contra o bem comum, contra a família, contra a moral. Queremos, pelo contrário, que a família e a escola imprimam nas almas em formação, de modo que não mais se apaguem, aqueles altos e nobres sentimentos que distinguem a nossa civilização e profundo amor à sua Pátria, como o dos que a fizeram e pelos séculos fora a engrandeceram. (SALAZAR, 1935, p. 309)14

Neste discurso, Salazar impõe a necessidade de a escola mostrar uma posição política e ideológica que fosse condizente com as praticadas pela nação, para que futuramente não aparecessem “inimigos”, que trairiam a pátria com a deturpação dos valores morais, familiares e religiosos e de alguma forma acarretariam em problemas para o regime. Ele rejeitava qualquer tipo de ensino que fosse liberal, democrático e positivista, preferindo métodos tradicionais – sem inovação pedagógica – e que fossem contrárias às práticas de discussões em que os alunos pudessem de alguma forma manifestar sua opinião. Com o ensino voltado para a prática dos valores centrais do Estado Novo – Deus, Pátria e Família – as crianças aprenderiam tais padrões sem jamais esquecê-los, e com profundo amor à pátria, mostrariam orgulho por pertencer a essa nação sem a necessidade de se expressar contrariamente ao que aprendia.

Salazar tinha um plano de impor na escola portuguesa as regras de pensamento e de comportamento da sua “doutrina” e a principal exigência era a de que as crianças aprendessem a ler, a escrever e a contar, de forma que houve até uma aprovação de lei que diminuísse o tempo obrigatório de estudo de cinco para três anos. Para eles, três anos era o tempo suficiente para uma criança rural aprender e com isso não seria necessário o professor ter grande preparação científica e pedagógica para transmitir conhecimentos tão limitados. Seria uma forma de eles economizarem dinheiro com os professores, com o treinamento deles e com a diminuição do tempo obrigatório de estudo – e diminuiria a taxa de analfabetismo nacional, que era alta – em torno de 70% em 1930. Ao mesmo

14 Discurso proferido no teatro S. Carlos, em 28 de janeiro de 1933, à academia nacionalista do país, que acabara de lançar a organização da Associação Escolar Vanguarda.

tempo em que se discutia para diminuir essa taxa, muitas pessoas que defendiam o estado autoritário não viam a necessidade dessa medida, pois a ignorância trazia submissão, modéstia, paciência e conformismo. Sem essa medida, o Estado teria mais facilidade em dialogar e impor suas vontades. O governo sabia dos problemas que teria com um povo mais alfabetizado, consciente e mais crítico: “o inconveniente de o povo saber ler não estava propriamente no facto em si mesmo de ler, mas no uso perigoso que dele poderia resultar” (CARVALHO, 2001, p. 728). Enquanto o governo discutia questões sobre a ameaça que um povo consciente poderia trazer ao país, outros mais tradicionais, como relatou Mónica (1977) em seu ensaio, não viam necessidade de se ensinar a ler e escrever por não serem tarefas mais importantes que o trabalho no campo, e seria algo “inútil” para a vida deles no país.

De qualquer forma, o ensino obrigatório reformulado por Salazar envolvia livros apenas aceitos pelo governo, para não dar margem a leituras de diferentes obras que poderiam “mudar” a cabeça do aluno e incutir ideias ameaçadoras para o regime. A melhor maneira de evitar problemas para o país seria deixar as crianças e adolescentes lerem apenas o que o Estado propusesse, e que houvesse também estrita vigilância em todas as obras que circulassem pelo país, para que nem mesmo os adultos tivessem acesso a elas. Essa vigilância teve êxito durante o regime, pois Salazar conseguiu mobilizar toda a polícia exatamente como ele queria a seu favor, além de proibir o funcionamento de bibliotecas e associações culturais. A ideia do regime era a obediência, a sujeição e submissão, para então incutir o conformismo da população (MARTINS, 1992).

Com toda essa forma, eles passavam uma ideia de que apenas eles sabiam o que era realmente bom e importante para o povo: “a ideologia neles contida e transmitida partiu de pessoas concretas, na maioria das vezes, privilegiados, que determinavam o que

era bom e o que era mau. Para os outros.”15 Desse modo, não haveria tanto perigo com

relação a ideias contrárias aparecerem a ponto de desestruturar o regime e os grupos que porventura fossem criados na contramão do que era imposto, poderiam ser (seriam) facilmente reprimidos com a ação da polícia e da censura.

A imagem seguinte, presente em muitas escolas salazaristas – era um dos cartazes que estampavam a ‘Lição de Salazar’ – ilustra a concepção salazarista da família, mostrando o lugar e o papel de cada um: o homem trabalhador rural, a mulher cuidando das lides domésticas e dos filhos, num cenário simples, que destaca a família cristã

(representada pelo altar onde se vê o crucifixo e uma vela, mostrando a devoção e a religiosidade católica, e a mesa posta esperando pelo pai, figura central dessa família ideal.

Figura 3 – “A Lição de Salazar”16

Conforme aparece no quadro à esquerda, essa era a trilogia pregada pelo regime: “Deus, Pátria e Família” e a educação se desenrolava em torno desse pensamento, mostrando que o importante para cada aluno era saber “ler, escrever e contar”, e os valores pregados pelo regime.

A escola funcionava era um espaço propício para o regime ‘moldar’ as crianças de acordo com os valores desejados – e por isso, as cartilhas escolares eram repletas de frases que engrandeciam o país, a religião católica, o papel da família e o trabalho no campo, veiculando a ideologia do Estado. Também as gravuras que ilustravam os livros mostravam às crianças, por exemplo, como devia ser a vida em família, como nas imagens a seguir, na contracapa dos livros da primeira e segunda-classes:

Figura 4 – “Contracapas dos Livros Escolares”

Fonte: Contracapas dos livros de Primeira e Segunda Classes, respectivamente

Elas traziam a imagem de tarefas destinadas aos meninos, que deveriam ser executadas para ajudar a família, numa preparação para o trabalho na vida adulta. Enquanto isso, às meninas eram ensinadas tarefas como cuidar da casa, ajudar a mãe com os afazeres domésticos ou até mesmo cuidar do irmão menor. Como esperavam que as meninas se casassem e cuidassem das lides do lar, o ideal seria que fossem esposas e mães dedicadas e que educassem os seus filhos para seguirem o mesmo caminho.

Em algumas páginas, o texto também já incutia exatamente como as meninas deveriam ser e os benefícios de se aprender desde pequena a realizar as tarefas a elas destinadas: “hás de ser uma boa dona de casa”:

Figura 5 – “A Dona de Casa”

Fonte: O Livro da Segunda Classe – Ministério da Educação Nacional (p. 55)

Para o ensino da leitura e da escrita, os livros já estampavam algumas palavras e

frases que fariam parte do cotidiano deles, como “Lusitos17”, “Salazar”, “lusa”, “heroína”,

“Portugal”, para introduzir algumas letras e sílabas que estariam aprendendo – como veremos nos exemplos a seguir:

Figura 6 – “Viva Salazar”

Fonte: O Livro da Primeira Classe – Ministério da Educação Nacional

(p. 48, 34, respectivamente)

Observe-se que o uniforme usado pelas meninas na primeira gravura representa os utilizados pela Mocidade Portuguesa Feminina, de uso obrigatório até os 17 anos. A ideia da grandiosidade do país também aparecia em todos os livros escolares, assim como a importância do respeito às autoridades, seja ela na família (o pai), na escola (o professor), ou na nação, pois, de acordo com a Igreja e com a Bíblia, isso foi instituído por Deus:

Figura 7 - “Respeitai as Autoridades”

Figura 8 - Texto “Portugal é Grande”

Fonte: O Livro da Terceira Classe (p. 17, 18)

Acima vemos um texto retirado do livro da Terceira Classe, que expõe Portugal como um país pluricontinental e multirracial, detentor de terras além-mar: “Também são Portugal [...]”, mostrando o poder e grandeza do Império Português. Além da imagem da grandiosidade, também evocavam a “coragem dos antepassados” ao enfrentar perigos nos mares, e o sofrimento devido às condições insalubres encontradas nos locais extremos em que aportaram nos séculos passados.

O livro de leitura para a quarta classe, por exemplo, exibia o texto “Ser Português”, que incutia nos pequenos o orgulho nacionalista que deveriam sentir ao afirmar pertencer à nação portuguesa:

Quando alguém me perguntar a minha nacionalidade, devo sentir um orgulho santo e nobre e responder: ‘SOU PORTUGUÊS’. Ser português é pertencer àquela nação que, através do Mar Tenebroso, arrostando os maiores perigos, vencendo o terror do ministério, descobriu o caminho marítimo para a Índia e o Brasil. [...]

Esse mesmo texto citava personalidades ilustres da História de Portugal que lutaram pelo país, no intento de induzir às crianças a importância de ajudar e defender a nação sempre que se fizesse necessário – assim como seus antepassados, também portugueses.

Essa ideologia, veiculada de diversas formas na escola, proporcionou ao país, como era a expectativa do regime, maior submissão da população em relação ao governo, desenvolvendo nas pessoas esse orgulho e admiração por tudo o que se propusessem a fazer, seja no trabalho ou no lar, além do respeito pelo regime salazarista. Os adultos aprendiam os valores por meio de seus filhos, e desta forma, podiam trabalhar tais princípios também em seus lares, reforçando toda a instrução que a criança recebia em sua escola.18

Mas não era somente na escola ou em casa que se instruíam os valores da pátria: em 1936 Salazar criou uma organização nacional obrigatória para todas as crianças e

jovens portugueses do sexo masculino, dos sete aos quatorze anos, a Mocidade

Portuguesa. Uma das propostas desse grupo, de acordo com a lei, era cultivar nos seus filiados a educação cristã tradicional do País e em nenhuma hipótese admitiria nas suas fileiras um indivíduo sem religião. Um ano mais tarde, foi criada a versão feminina desse grupo, a “Mocidade Portuguesa Feminina”, com as mesmas ideias, mas com algumas diferenças: por serem meninas, ficariam excluídas as atividades físicas e os esportes que poderiam “ser prejudiciais à missão natural da mulher e tudo o que possa ofender a

delicadeza do pudor feminino”19. Incutiria também a importância do trabalho doméstico

e mostrando o papel da mulher na família. O uniforme era padronizado, com algumas diferenças de acordo com o sexo e com a faixa etária de cada grupo, e em alguns modelos trazia um “S” de Salazar na fivela do cinto.

18 Retirado do Jornal de Letras: Educação – Ensaio. Data: 8 de setembro de 1999, p. 6

Com a intenção de “insistir” nos valores do Estado Novo para os jovens da Mocidade Portuguesa, cartilhas instrucionais foram criadas. Segundo eles, a Mocidade Portuguesa estaria “preparando [os jovens] para a vida”, ao difundir as ideias já “sólidas” na mente de cada um deles. No livreto de propaganda da Mocidade Portuguesa, o então Comissário Nacional, doutor Marcello Caetano (sucessor de Salazar a partir de 1968), definiu como: “Um movimento de formação integral da juventude que procura dar à gente moça vigor físico, saúde moral e uma consciência cívica inspirada no mais alto ideal patriótico e traduzida em sentido prático” (EDIÇÕES SNI, 1945). A pergunta necessária

que todos deviam responder era “Como deve ser o perfeito português” (Idem).

Em 1956 o tempo de escolaridade obrigatória foi alterada para cinco anos para os meninos e a partir de 1960 essa mudança ocorreu também com as meninas. Quatro anos depois, uma nova lei alterou para seis anos, o dobro se comparado com o início do Estado Novo. Em relação ao “analfabetismo”, segue uma tabela sobre a quantidade de pessoas que não sabiam ler baseada nos Censos feitos em Portugal desde 1930 a 1960, nas idades

a partir de 10 anos20, a efeito de comparação:

Tabela 1: Taxa de Analfabetismo em Portugal

1930 1940 1950 1960

69.6 % 57.4% 41,77 36%

Na tabela acima, nota-se a redução de praticamente pela metade da taxa de analfabetismo em trinta anos após a reforma no ensino, sendo um dos pilares do Salazarismo a ideia de “saber ler, escrever e contar”.

O número de estudantes na época salazarista só aumentou, em qualquer ciclo (ensino primário, técnico ou ainda superior), tendo apenas tido problemas no rendimento dos alunos, ainda considerado baixo.

Outro aspecto relevante para a educação foi como se dava a escolha de “professores” para a função; não havia muitos profissionais formados, assim,

20 Os dados de 1930 a 1950 referem-se a crianças a partir de dez anos, ao passo que a coluna de 1960 inclui também crianças a partir dos 7 anos. Se nos quadros de 1930 e 40, contássemos a partir dos 7 anos, como divulgado Censo, teríamos 70,9% (como amplamente veiculado) e 58,8%, respectivamente. Nas colunas de 1930, 40 e 50 foram retirados do Instituto Nacional de Estatística, disponível em: www.ine.pt. Já a estatística referente a 1960, foi retirada de Fernandes, 1973, p. 23.

se a figura dos “regentes escolares”. A princípio, para essa função, bastava apresentar idoneidade moral e intelectual, sem quaisquer treinamentos e testes – e por vezes, por não haver necessidade de alguém mais capacitado, tais regentes tinham apenas o ensino primário. Porém, após alguns problemas com regentes que não tinham postura condizente com os interesses do regime, quatro anos depois da implementação do novo sistema de ensino, passou a ser obrigatória uma prova de aptidão para o cargo e os testes de admissão, que englobariam perguntas de português, aritmética e algumas outras exigidas no primário, além de uma prova oral de dez minutos. O candidato tinha meia hora para responder às questões de cada matéria. A escolha dos regentes era tarefa importante, para não causar problemas, e os escolhidos também tinham que cumprir certas regras para não serem demitidos do trabalho. Além de não poderem se envolver em escândalos, tinham que analisar com quem se casariam, o que só ocorreria mediante autorização do Ministério da Educação Nacional. (CARVALHO, 2001). Os regentes também não poderiam ser muito “doutos”: “fazer o ensino primário por meio de agentes altamente intelectualizados tem inconvenientes gravíssimo [...] preferível seria que fosse bom e simples; mas, quando não se possa ser bom, ao menos que não seja muito douto.” (CARVALHO, 2001, p. 765)

No documento CANTO DE INTERVENÇÃO EM PORTUGAL: (páginas 45-54)