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Anos de 1980 – a recessão econômica, a inflação e os mecanismos de

2.1 A gênese do supermercado nos Estados Unidos e no Brasil e o

2.1.3 Anos de 1980 – a recessão econômica, a inflação e os mecanismos de

A inflação e a recessão, iniciadas no final da década de 1970, geraram grandes desafios e oportunidades para os operadores do segmento supermercadista. O maior desafio estava relacionado à gestão de estoque e preços, mas daí também surgiram novas oportunidades para aqueles varejistas que souberam lidar com políticas agressivas de giro de estoque e precificação.

Outro desafio enfrentado pelos supermercadistas nos anos de 1980 foi buscar a eficácia na gestão do negócio apesar da limitação tecnológica gerada pela reserva de mercado da informática. A intenção governamental em desenvolver o parque tecnológico nacional dificultou a importação de equipamentos e softwares fundamentais para a otimização operacional do autosserviço. As fábricas de computadores instaladas no Brasil constituíam-se, quase na totalidade, em montadoras de peças importadas, encarecendo e

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atrasando a implementação de equipamentos fundamentais, como o scanner, o leitor do código de barras, os softwares de gestão comercial, dentre outros.

Novos formatos de autosserviço surgiram como resposta a uma demanda por preços reduzidos e a uma diminuição do consumo, resultado da forte recessão e queda do poder aquisitivo.

Novamente, a visão de oportunidade e uma visita às lojas Audi, na Alemanha, inspiraram Paulo Nunes a investir em lojas de autosserviço de sortimento limitado, com a marca Kit – Alimentos a Baixo Preço. Eram lojas com cerca de 350m², de área de vendas, mix reduzido de produtos, sem embalador, sem produtos refrigerados, com poucos funcionários, horário reduzido e pagamento somente à vista. Em 1982, já eram 25 supermercados, 12 da bandeira Pag Pouco e 13 da bandeira Kit.

No dia 10 de setembro de 1980, a rede francesa Carrefour inaugurou seu primeiro hipermercado em Contagem/MG e a segunda loja em 31 de julho de 1985, dentro do primeiro Shopping Center de BH, o BH Shopping (www.amis.org.br). Os grupos Paes Mendonça, Bom Marchê e Via Brasil também inauguram suas lojas e sedimentam o formato do hipermercado junto aos consumidores belorizontinos. O modelo Hiper foi uma eficaz resposta para o consumidor que necessitava comprar grandes quantidades, no mesmo dia em que recebia seu salário, como forma de preservar o dinheiro da desvalorização.

Na década de 1980, o formato varejista-atacadista – “Atacarejo” –, sob a modelagem de clube de compras – Cash And Carry – iniciou a operação na região metropolitana de BH. O grupo holandês Ahold inaugurou a sua primeira loja Makro. Mais uma vez, Paulo Nunes aproveita a oportunidade da saída dos atacadistas tradicionais da Rua Guaicurus – região central de BH – para o Ceasa e decide abrir neste local o Apoio Atacado, nos mesmos moldes do Makro. Mais tarde, replica o modelo em São Paulo e São José dos Campos.

A hiperinflação trouxe em seu rastro, além das consequências sociais resultantes do processo – perda do poder aquisitivo, empobrecimento da população, redução do consumo –, mecanismos de adaptabilidade tanto para os agentes produtores, varejistas quanto para o consumidor. Campos (2000, p. 1163) apontou nas tentativas

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governamentais de resolver o problema da hiperinflação: “três deformações culturais duradouras: (1) a subcultura antiemperial, apontando a inflação como alta de preço e não como expansão monetária; (2) a subcultura dirigista, com realce para o apetite governamental em regular os preços e (3) a subcultura do calote, com reflexos no comportamento social e cultural”.

A preocupação em preservar o valor real dos ativos, principalmente o estoque de produtos, foi um importante diferencial nas boas práticas de gestão das organizações varejistas de alimentos. Empresas que não dispunham de instrumentos de controle, atualização de preços e agilidade na gestão dos estoques foram severamente penalizadas e, em muitos casos, encerraram suas atividades neste período.

Por outro lado, empresas que gerenciavam bem o mix de produtos, o giro das mercadorias e a política de precificação aprenderam a conviver e a crescer com a hiperinflação. A rede francesa Carrefour caracterizou-se como um bom exemplo de gestão nesse período, aplicando a política do “Discount” na composição dos custos e na formação do preço de venda de toda a linha de produtos. Em síntese, o “Discount” reconhecia nos prazos de pagamento das mercadorias e nos prazos de pagamento de outros custos de compra, como frete, impostos, dentre outros, vantagens financeiras que poderiam ser repassadas para o preço final.

Assim, por exemplo, um produto que custava na fábrica $100,00 (moeda da época) e tinha um prazo de pagamento de 60 dias, era trazido a valor presente pela taxa da inflação do mês (i.e. 20% a.m.). O custo no momento (n0) era de $69,44. Sobre esse custo, aplicava-se a margem (i.e. 25%), marcado para venda a $92, 59, valor menor que o custo nominal de aquisição. No caso de haver estoque desse item para a próxima semana, corrigia-se o valor de venda pela taxa semanal (1,043460 ou 4,34%), remarcado para $96,61, valor ainda menor que o custo de aquisição, e assim sucessivamente. Os recursos financeiros eram aplicados diariamente no overnight, e o gestor financeiro estimava o recebimento da tarde e do princípio da noite, apesar de já tê-lo aplicado no final da manhã.

A prática do “Discount” foi amplamente absorvida e praticada pelas maiores redes varejistas ao ponto de impactar no volume de recolhimento do ICMS pelo fisco estadual. Como a forma de apuração era pelo sistema de débito e crédito, o varejista

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passou a acumular altos volumes de crédito de ICMS, pois vendia abaixo do custo de aquisição. Tal prática motivou as autoridades tributárias a mudar a lei, impedindo que o comerciante reconhecesse como valor de venda, para apuração do débito, o preço marcado, passando a reconhecer um valor de pauta, isto é, um preço pré-determinado pelo fisco. Hoje o sistema foi aprimorado para muitos produtos e denomina-se “substituição tributária”.

O consumidor, por sua vez, procurava manter o poder aquisitivo de seu rendimento estocando em casa produtos não perecíveis, logo após receber o salário. Os hipermercados se beneficiaram em suas vendas e margens com esse padrão de comportamento do cliente, pois trabalhavam com um mix mais amplo de produtos, em torno de 30 mil itens – SKU´s, Stoking Keeping Unit –, contra 10 mil SKU´s dos supermercados e tinham um poder de compra maior que os concorrentes, repassando parte dessa vantagem para as promoções.